OPERAÇÃO RABISCO: ENTREVISTA COM URBANOS

Visada na recente operação policial de repressão à pixação em Santa Maria e mencionada nos noticiários locais que cobriram as operações, ainda que sem direito à voz, o grupo Urbanos teve projeção em função da própria investigação da qual foi alvo. Na semana seguinte à Operação Rabisco, desencadeada no dia 31 de julho, entrevistamos um membro do grupo que, apesar da forte repressão e intimidação, aceitou falar um pouco sobre suas motivações e sobre a cena da pixação na cidade. Para evitar represálias, preferiu preservar sua identidade. A entrevista segue abaixo:

 – O que é a Urbanos?

A Urbanos é uma família, um grupo de amigos, tanto de grafiteiros como de pixadores, todos fazem um pouco de cada. Cada um ajuda o outro como pode, são amigos, não é gangue, ninguém faz mal para ninguém.

 – O que o pixo representa para vocês?

O pixo é a revolta do povo na parede. Representa a voz do povo indignado com o que tem. Também não, às vezes, muitos têm dinheiro e também pixam.

 – E quais as motivações para pixar?

Motivação é adrenalina. O bagulho é o que dá prazer, depois que começa o bagulho só vicia. Tu só quer pixar, tu sente a adrenalina e gosta daquilo. Que nem uma droga, só que sem custo.

 – Outra coisa bastante colocada é essa questão de relacionar pixador com criminoso, e também de chamar pixador de vândalo. O que tu acha desses títulos?

Pra eles, nós somos vândalos sim, né. Acredito que vândalo é quem quebra o patrimônio público, bota fogo nos contêineres, aí é vândalo. Mas querem incriminar nós para poder prender, para poder colocar algo a mais, sempre. Dizem que a pixação leva a outros crimes, a delitos maiores, como se fosse um aprendizado no crime, o pixo. No caso, não é, não tem nada a ver uma coisa com a outra.

 – E por que tu acha que fazem essa relação?

Para que fique mal visto e para que ninguém faça mais.

 – E nessa questão do dano ao patrimônio, acha que pixo é um dano ao patrimônio?

Eu acho que ele embeleza o patrimônio, de uma forma que fica legal.

 – Como tu vê essas operações recentes da polícia, e os reflexos que ela teve na prática do pixo na cena da cidade?

Só aumentou, a revolta foi pior, e acredito que só vai piorar de novo. Olha o que eles gastam, olha o que eles fazem, dois meses planejando tudo isso, um monte de policiais só para pegar pixador. Eles podiam estar investindo em coisa melhor, investigando outras coisas. Teve a Operação Cidade Limpa, e o que aconteceu? Explodiu o pixo em Santa Maria, o bagulho só cresceu.

 – E a verticalização do pixo aqui em Santa Maria? Ela é anterior à Cidade Limpa, mas aumentou, não é?

É, antes rolava uns segundo ou terceiro andar. Tinha também um sexto andar. Mas veio um pessoal de fora que reconheceu a gurizada, e a gurizada ficou louca.

 – E como é a preparação e a emoção de pegar um prédio alto?

Isso é tudo planejado, o bagulho é missão. Tu nunca sai tipo: ‘ah, vou pegar duas latas e vou sair pro rolê’, e não tem nada em mente. Tu vê antes: ‘ah, isso aí eu gostei, vou vir aí de noite tentar’. O bagulho não tem explicação, tu tá lá em cima, o coração a mil, pode parar, respira, senta, olha a visão, fica suave e depois fosca, o bagulho é doido. Preparação é um alongamento e já era.

 – Outra coisa que gostaria de saber é a respeito do Pixo Manifesto Escrito, que tu falasse um pouco sobre, já que já apareceu aqui em Santa Maria.

É uns caras de São Paulo lá que inventaram, um bagulho bem bolado, pra ti manifestar o que tu pensa, tua revolta, é uma coisa bem aberta. Se tu fizer aí o teu protesto os caras lá publicam, é bem aberto, bem tranquilo. É uma grife aberta.

 – Logo depois da tragédia da boate Kiss, teve a pichação do “Justiça a todos”, que circulou bastante e pareceu ter apoio da população. Tu acha que esse apoio foi esquecido agora?

Lá, as pessoas apoiaram por causa do momento, todo mundo sofrendo. Eu fiquei bem emocionado também, estava de cara com toda a situação, não dava para ficar quieto. Tinha que subir no bagulho, botei a cara mesmo. Subi e os caras queriam que eu descesse, eles iam me prender, e aí as pessoas começaram a gritar ‘não, prende os culpados’. Aí, vi que iam me prender e saí por trás.

 – Foi uma situação atípica?

Sei lá, eles aceitaram na hora porque acho que aquilo ali serviu meio que como um consolo, todo mundo queria dizer mas ninguém falava. Tanto que o bagulho tá lá até hoje. E agora, quem é que vai proteger o pixador? Tu acha que os policiais vão falar ‘parabéns pelo que tu fez lá’, ou tu acha que vão ir lá na frente da delegacia pedirem para me soltarem, para não me prenderem? Jura! Foi só de momento mesmo, o pessoal não tá nem aí, já até esqueceram…

 – Bom, tu falaste há pouco que o pixo embeleza, e tem toda essa discussão sobre “sujeira”. Queria saber se pra ti, de todas as coisas que tu vê na cidade, o que tu acha sujeira?

Tem os lixos, né mano? Tem um monte de coisa em lugar que não deveria estar, que é o verdadeiro crime ambiental, de tu estar ocupando a natureza.

 – E poluição visual?

Outdoor, muita propaganda, tá louco. É só marketing.

 – Por fim, sobre a Urbanos, tu falaste que tem grafiteiros e pixadores. Hoje em dia, muitos têm dito que se deve usar o grafite para “educar” o pixador. Mas no caso de vocês, alguns têm origem reversa, não é? De começar no grafite e ir para o pixo?

Uns sim, outros não. No meu caso, por exemplo: comecei no pixo, fui para o grafite, gostei do grafite, e tô pixando. Quando tenho tinta eu pinto. Eu gosto dos dois, não gosto de ficar num ou no outro. Mas o bagulho é pixação.