Um tanto por necessidade, outro por obrigação histórica, a esquerda volta a se reunir na capital gaúcha. Em 2015, uma parcela da população tomou as ruas com a bandeira do impeachment e chocou aqueles que achavam que o monstro chamado ditadura estava adormecido ao erguer cartazes que diziam “Pena que não mataram todos em 64” e “Deveriam ter enforcado a Dilma no DOI-CODI”. No bojo da onda golpista, em Porto Alegre, duas manifestações trouxeram a tona o nome de um polêmico guerrilheiro que insiste em renascer.
Em 2015, contrários à mudança da Avenida Castelo Branco para Avenida da Legalidade, os saudosistas do regime militar se manifestaram através da vereadora Mônica Leal (PP). A parlamentar protocolou um projeto de lei que proíbe usar o nome de pessoas condenadas por subversão à ordem pública para nomear ruas e praças. De acordo com Mônica, filha do coronel Pedro Américo Leal, que defendia o golpe militar e o uso da tortura, “em Porto Alegre temos a Rua Capitão Carlos Lamarca. Casualmente tenho a biografia dele: Vanguarda Popular Revolucionária, levando armas da guarnição para a guerrilha, diversas ações como assaltos a bancos. Instaura o foco guerrilheiro no Vale do Ribeira, sul de São Paulo. No mesmo ano comanda o sequestro do embaixador suíço no Brasil”.
Outro episódio, que reuniu algumas dezenas de manifestantes foi realizado no Memorial Luis Carlos Prestes. O ato, organizado pelas redes sociais, foi intitulado “Aniversário da Queda do Muro de Berlim e Homenagem às Vítimas do Comunismo”. Cartazes, cruzes e uma coroa de flores foram fixados na grade da construção, situada à beira do Guaíba, condenando o comunismo e convocando a população para destruir o memorial, assim como em 1989 foi demolido o muro de Berlim. Dias depois, os mesmos manifestantes foram até a Câmara de Vereadores, onde realizaram um Ato de Repúdio ao Memorial. Na principal faixa podia-se ler “Brasil comunismo jamais: Nem pela Intentona de Luis Carlos Prestes em 1935, Nem pela Guerrilha Lamarca e Marighella em 1964”.
As manifestações que atentam contra a memória do guerrilheiro Carlos Lamarca não foram as primeiras na capital gaúcha. Em 1995, na ocasião em que foi deferida uma indenização à família do ex-capitão Carlos Lamarca pela Comissão Federal que analisava casos de crimes praticados durante o golpe militar, o comando do Colégio Militar de Porto Alegre, onde estudara Lamarca, determinou que fosse fundida uma barra de ferro sobre o nome daquele ex-aluno na placa de formatura de sua turma, que se encontra cimentada nos corredores do pátio do colégio. O coronel-comandante do colégio, à época, em entrevista a um periódico local, declarou o seguinte, como justificativa para o bizarro ato, ao referir-se a Carlos Lamarca: “para todos os efeitos, ele nunca estudou aqui.”.
Porém, o tiro saiu pela culatra e a ação do militar só provocou maior curiosidade para saber quem fora Carlos Lamarca. Ao enxergarem um nome faltando, alunos da Escola Militar passaram a questionar quem era o ausente e porque seu nome fora apagado. Foi então que muitos estudantes passaram a saber não só sobre a luta de Lamarca contra a ditadura, como também sobre os sete anos do capitão da guerrilha em Porto Alegre. No ano de 1954, Carlos Lamarca ingressou na Escola Preparatória de Cadetes, na capital gaúcha, onde se formou, em 1957, tendo seu nome inscrito na polêmica placa. Logo depois, foi estudar na Academia Militar de Agulhas Negras, fez parte do contingente da ONU no Canal de Suez e retornou para Porto Alegre, no ano de 1963. Foi incorporado a 6° Companhia da Polícia do Exército, onde serviu até 1965. Foi aí seu primeiro ato de rebeldia contra o Exército Brasileiro, o qual rendeu-lhe um inquérito administrativo. Num sábado à noite, escalado como oficial de dia, dispensou o sargento subordinado e promoveu a fuga do capitão da aeronáutica Alfredo Ribeiro Daudt, acusado de atividades subversivas.
Passados 50 anos e inúmeros desrespeitos a sua memória, Carlos Lamarca volta a Porto Alegre, desta vez como homenageado. Uma das principais atividades do Fórum Social Temático, durante o Cine-debate, é a apresentação do documentário “Ousar lutar, Ousar Vencer – A luta armada contra a ditadura civil-militar”, com produção de Guilherme Fernandes de Oliveira e edição de Lucas Pitta Klein, que dedicaram a obra à memória de Carlos Lamarca. O longa-metragem traz depoimentos inéditos de guerrilheiros que lutaram ao lado do Capitão em importantes episódios da guerrilha realizada em São Paulo e no Vale da Ribeira, pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
A atividade será realizada no dia 20 de janeiro, às 20 horas, nos Arcos da Redenção, onde serão projetados alguns dos maiores feitos protagonizados pelo líder guerrilheiro, não por acaso, em frente à Escola Militar onde ele estudou. Após a exibição do filme, haverá debate com os ex-guerrilheiros Diógenes Oliveira, Ubiratan de Souza e Ismael Souza sobre a luta armada contra a ditadura. Veja o trailer:
De alguma forma, Lamarca vai ao Fórum, pelo viés de Guilherme Fernandes de Oliveira*
*Jornalista, produtor do canal Correria e produtor do documentário “Ousar lutar, Ousar Vencer – A luta armada contra a ditadura civil-militar”