Na cidade abandonada a gente conta o número de mortos pela violência o ano inteiro, mas a guarda real só sabe apreender perigosos moranguinhos e intimidar palhaços e estátuas mal intencionadas. Na cidade abandonada as praças tem mato até a cintura do povo e no balanço dos brinquedos tudo o que se pode ganhar é uma vacina antitetânica.
Na cidade abandonada as ruas são quase intransitáveis de tanto buraco. Nos postos de saúde da cidade abandonada os conceitos de urgência e emergência são um pouco distintos daquilo que universalmente conhecemos como urgência e emergência.
Na cidade abandonada os empresários alugam trio elétrico pra bradar seus próprios absurdos contra políticas de universalização da educação, mas se calam vergonhosamente quando vemos nossa juventude exterminada, encurralada, pela omissão do poder público. Na cidade abandonada os professores e alunos da rede municipal de ensino conhecem todo tipo de provação e de privação.
Na cidade abandonada nosso reizinho, mesmo se sentindo um semi-deus, sabe que no momento não tem possibilidade de vencer nem eleição pra síndico de prédio. E então ele pouco liga pro povo.
Não pode juntar a galera e beber na rua. Não pode pegar o violão e tocar música no Calçadão. Não pode comemorar aprovação no vestibular.
Não pode pular Carnaval, eles nos dizem que isso não é cultura, que não é prioridade. Eles dizem que somos todos uns pobres bêbados e ignorantes e nos tiram o que é nosso. Todos os problemas da cidade abandonada serão resolvidos assim que se acabar com essa festa desta gente preta, pobre, favelada. A costureira que se vire com os materiais já adquiridos; os compositores que guardem suas canções para o ano que vem; os músicos que vendam seu trabalho e sua arte em outras cidades; os soldadores que arranjem outros trabalhos.
O REI DISSE NÃO É NÃO! (E pouco importa o que ele disse antes)
Sobre o caso: A prefeitura de Santa Maria (RS) anunciou na manhã desta segunda (18 de janeiro) que o Carnaval de Rua de 2016 está cancelado. De acordo com a assessoria de imprensa do executivo, há verba para o evento, porém, a administração decidiu focar o recurso em “demandas mais urgentes”. A estimativa de recursos para a festa popular estava em R$ 500 mil, caso fosse realizada.
“Que se faça a vontade do Rei”, pelo viés de Fernanda Arispe*
Fernanda Arispe é jornalista e mestranda em Ciências Sociais
Foto: Bruno Cardoso (Bruno fotógrafo de bandas)