Era meia-noite de sexta-feira (06/11) para sábado quando três ônibus lotados de famílias sem teto estacionaram aos pés do Morro Santana para ocupar um terreno vazio na Zona Leste de Porto Alegre. A primeira ação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) no estado reuniu cerca de cem famílias e ativistas na esperança de transformar este vazio urbano em um novo símbolo da luta por moradia popular na capital. O terreno em questão é marcado pela luta pela moradia e contra a especulação imobiliária. Outras ocupações já foram montadas ali em anos anteriores, notadamente a Ocupação Cruzeirinho, despejada com violência pela polícia militar, em dezembro de 2014.
A madrugada teve seus primeiros momentos de tensão, mas a manhã nasceu com gritos de vitória. Mesmo com a chegada da Brigada Militar, as centenas de ocupantes agiram rápido, fincando os barracos de lona e bambu no terreno, impedindo que a polícia os despejasse naquela noite. Ao longo da manhã de sábado, porém, o Batalhão de Operações Especiais montou uma verdadeira operação de guerra para expulsar as famílias da nova ocupação. Sem a presença de um oficial de justiça e sem apresentar a ordem de reintegração de posse – exigências legais para que ocorra o despejo -, o comando da polícia militar rejeitou as negociações em andamento entre a Secretaria de Segurança Pública do estado e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, realizando uma ação ilegal para expulsar os novos ocupantes. Por volta das 14h30 de sábado, duas frentes do Batalhão de Choque avançaram sobre a área onde se encontravam as famílias, obrigando-as a abandonarem o terreno e os barracos de lona.
De acordo com os dados do último censo do IBGE, em 2010, a Região Metropolitana de Porto Alegre tem o déficit de 126 mil domicílios. Somente na capital, cerca de 165 mil pessoas estão em situação precária de moradia. Em termos nacionais, o IBGE estima a carência de 5,08 milhões de moradias familiares no país. Na ocupação desta sexta-feira, as famílias vinham de áreas periféricas e outras ocupações irregulares da cidade, entre elas, regiões removidas para as obras da Copa do Mundo, como a Vila Dique, a Ocupação Império e a Continental. De acordo com a coordenação regional do MTST, nos últimos 6 anos, menos de 2 mil moradias populares foram construídas pela Prefeitura de Porto Alegre. Um estudo urbanístico prévio demonstra que mais de 800 moradias podem ser construídas nesta área, seguindo o regime urbanístico das Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS). As AEIS foram regulamentadas este ano a partir da aprovação de um projeto de lei na Câmara de Vereadores da capital e estabelecem 14 áreas urbanas onde a prioridade é que sejam revertidas para a construção de moradias populares – o governo municipal entrou com uma ação na Justiça para anular o projeto e, desde maio, uma disputa judicial se arrasta nesta questão. O terreno ocupado aos pés do Morro Santana está incluído nas AEIS e, pelo projeto de lei aprovado, deve ser destinado à construção de habitações.
Segundo Claudia Favaro, integrante da coordenação do MTST, “o movimento chega a Porto Alegre com a tarefa de mudar a cultura das ocupações, combater a grilagem e ser uma opção de luta real pela moradia. O movimento quer contribuir para produção habitacional da cidade e avançar na consciência e na importância de unir os trabalhadores sem teto para lutar pela moradia.” Atualmente, o MTST está presente em 11 estados e tem em sua base mais de 35 mil famílias.
Mesmo com a expulsão neste sábado, os militantes consideram que conseguiram pressionar de forma efetiva as autoridades. A partir desta segunda-feira, às 18 horas, iniciam as negociações entre uma comitiva composta pelo vice-prefeito de Porto Alegre Sebastião Mello, a Defensoria Pública do Estado e o MTST para tratar da aquisição de um terreno na área urbana da capital que seja destinado à construção de moradias populares. Cadastrado no programa federal Minha Casa, Minha Vida Entidades, o MTST se propõe a gerir a obra para construção de moradia populares nas áreas urbanas em que atua. Como explica Claudia, o método do movimento é justamente pressionar os governos a partir de ocupações para que terrenos urbanos como o existente no Morro Santana sejam destinados à construção de moradias populares.
O coletivo Anú – Laboratório de Jornalismo Social cobriu a ocupação desde o momento da entrada no terreno, no fim da noite de sexta-feira, até o final da operação policial na tarde de sábado. Estas fotografias registram a luta das pessoas que têm de se arriscar por um dos direitos mais básicos que ainda lhes é negado: o direito a uma moradia digna.
Ocupando o vazio urbano pelo direito de morar, pelo viés dxs colaboradorxs Jonas Lunardon e Yamini Benites/Anú – Lab. de Jornalismo Social.
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