A mulher que perturba a ordem: ato na UFPel causa polêmica

Foto (extraída de vídeo): Liana Coll

 
Corpo desejado, o corpo das mulheres é também, no curso da história, um corpo dominado, subjugado, muitas vezes roubado, em sua própria sexualidade[…]A gama de violências exercidas sobre as mulheres é ao mesmo tempo variada e repetitiva. O que muda é o olhar lançado sobre elas, o limiar da tolerância da sociedade e o das mulheres, a história de sua queixa. Quando e como são vistas, ou se vêem? (Michelle Perrot, em “Minha História das Mulheres”)

No dia 26 de outubro, uma intervenção feminista no prédio do Instituto de Ciências Humanas (ICH) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) gerou um debate acirrado entre aquelxs que presenciaram o ato. As meninas protagonistas, em sua maioria estudantes, ocuparam o hall do edifício. Algumas, com corpos semi-nus, fizeram de si um quadro, onde estamparam frases que denunciam casos de violência contra a mulher. “Marta*: Assassinada aos 20 anos por seu parceiro”, “Marina*: assassinada a pedradas em Rio Grande” e “Joana*: estuprada aos 14 anos” eram algumas das frases expostas nos corpos e nas paredes.
Com batuques, cantoria e intervenções poéticas e teatrais, cerca de dez mulheres reforçaram o que todas as feministas e a sociedade preocupadas com a equidade de gêneros querem: um basta à violência. Em uma ordem patriarcal, mesmo que sejam as mulheres a maioria das chefes de família no Brasil, ainda somos agredidas de inúmeras formas. Desde as cantadas de rua, que disseminam o medo e restringem a liberdade das mulheres, até o ato consolidado do estupro e, em muitos casos, do feminicídio, a violência perpassa todas as esferas da sociedade e cala muitas vozes. O motivo de sermos agredidas? O simples fato de sermos mulheres.
Houve um tempo em que éramos circunscritas ao espaço privado, na esfera doméstica. Como disse Michelle Perrot, em seu livro “Minha história das Mulheres”, quando a mulher passa a inserir-se no mercado de trabalho, passa também a circular nas ruas. Nada causa mais medo, diz ela, que a aparição da mulher na ordem pública. Segundo Perrot, mulheres na rua causam o pânico e a desestruturação da ordem. Mas o que queremos se não a desestruturação de uma ordem que nos esmaga? Que nos impele a nos portar de uma maneira que fere nossa natureza? Pois nós queremos quebrar a ordem se ela significa estuprar uma mulher a cada 12 segundos. Se ela faz com que troquemos de roupa por ter medo de sair na rua de saia, mesmo sob sol de 40 graus, se ela faz com que recebamos menos do que um homem realizando a mesma tarefa, se ela faz com que os parceiros, amigos, parentes e chefes sintam-se donos de nós. Não aceitaremos que diferenças biológicas sirvam para diferenciações em outras esferas.
 
Violência machista não é de hoje
Um grupo de 47 estudantes do Grupo Auto Organizado de Mulheres do ICH/IFISP encaminhou, no dia 13 de outubro, uma moção onde pedem uma providência em relação a atitudes difamadores e machistas dos alunos de História. O grupo destes estudantes no whatsapp servia para trocar fotos das meninas de vestido. Ao subirem as escadas de saia ou vestido, as garotas eram fotografadas e os retratos circulavam entre aqueles que queriam estar no grupo.
De acordo com nota do ICH, “Conselho Departamental da unidade que repudiou veementemente os atos denunciados e aprovou o encaminhamento dado pelo Diretor de remeter o documento à Comissão Permanente de Processos Administrativos e Disciplinares, em correspondência de 28/09/15, a fim de que os fatos sejam apurados no âmbito da universidade”. A ocorrência do machismo dentro do ICH foi também uma motivação para a intervenção.
 
Contraponto e caso de agressão
Após a repercussão deste texto nas redes sociais, a revista o Viés recebeu uma denúncia de que supostamente uma professora teria sido agredida por uma das manifestantes. Segundo a fonte, que quer permanecer anônima, a docente foi empurrada ao tentar entrar no prédio. Ainda, afirma que as mulheres jogaram cadeiras e garrafas de vidro para tentar impedir a entrada. Entramos em contato com a direção do ICH e do curso onde a professora dá aula, mas os fatos não haviam sido repassados aos responsáveis. A professora Lúcia Maria Vaz Peres, diretora do Centro de Educação, diz ter saído junto da professora do prédio, acompanhando-a. Trajeto que, segundo ela, foi tranquilo. Já Sidney Gonçalves Vieira, diretor do ICH, falou que nem o centro e nem a reitoria receberam denúncias. O protesto, para ele, ocorreu conforme o previsto e o prédio só foi fechado pois não era possível continuar as aulas. Outro fato apurado foi o chamamento ou não da polícia para conter a manifestação, algo que tanto a Reitoria quanto o diretor desmentiram.
Também recebemos denúncias de que as mulheres ameaçaram homens com facas e com urina, mas até o fechamento da reportagem não foi possível encontrar provas das intimidações. A revista ainda se mostra aberta a recebê-las em uma possível atualização de reportagem. A limpeza, segundo apuramos, foi feita pelas próprias manifestantes, que em diversas outras ocasiões já manifestaram e participaram de atividades de organização em defesa das trabalhadoras terceirizadas da universidade. Nos atos e piquetes, montados sempre na madrugada, e nas idas à reitoria e às empresas, que não pagam devidamente os salários, o protagonismo coletivo das mulheres sempre reinou.
Outrxs dos que assistiram à intervenção não concordaram também com o teor dela. No grupo da UFPel no facebook, diversas foram as manifestações de ódio: “O que presenciei na faculdade hoje foi a mais baixa e vil libertinagem jamais vista nos 4 anos que estudo lá”, disse o aluno Patrick Neves. Outro, Adriano Andrade, afirmou “É aqui que tá rolando as feminazi pelada chapada com faca na mão? Oba quero TrETAS!!”. E essas foram algumas das mais delicadas afirmações ao ocorrido. Mulheres que se dizem feministas também rejeitaram o ato, dizendo que era coisa de “femistas” (o contrário do machismo) e não de “feministas”. Já algumas pessoas simplesmente chamaram a todas de putas, mal comidas, sujas, gordas e feias. Portanto, vale a reflexão: a quem essas garotas incomodaram?
Minha resposta é enfática: incomodaram a ordem. E aquelxs que estão confortáveis com a ordem. Me pergunto, dessa forma, por que incomoda mais um grupo de meninas seminuas expondo dados sobre a violência e não a própria violência? Parece haver uma naturalização da sociedade machista e julgadora em que vivemos. Grande pensamento para ocorrer um dia após o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que teve como tema de redação a persistência da violência contra a mulher, após uma semana em que vimos Eduardo Cunha tentar restringir o acesso à pílula do dia seguinte e o acesso à atendimento hospitalar para vítimas de estupro, e após dias em que uma menina de 12 anos foi exposta para todo o país ao ser erotizada e sofrer intimidações sexuais violentas. Mas por que esses casos não geram tamanha indignação? É simples: porque eles são comuns e não rompem o status quo de um paradigma de dominação masculina que está ainda longe de acabar. Causa mais indignação mulheres que fazem xixi em um balde, bebem cachaça, batucam e se masturbam. Será, talvez, que inverter a ordem não causa uma reação de reflexão? Pois para nós, mulheres, é mais que comum assistir a homens fazer xixi na rua, colocar o pinto para fora e, em alguns casos, com intenção direta de assédio.
Como mulheres, é nosso dever lutar pela equidade e nosso dever ser empáticas com àquelas que mais sofrem entre nós: as mulheres pobres e negras. Na universidade, ainda tão povoada de elitismo e dominação (cultural, social, étnica, machista, entre outras), é preciso romper os muros do academicismo e trazer à tona atos que despertem a desnaturalização do presente. As condições para que mudemos nosso mundo já estão postas. É preciso coragem para trazê-las à superfície, dando luz a acontecimentos que não têm mais lugar em nenhum lugar. Por isso, meus parabéns a essas mulheres fantásticas que trouxeram o debate para um mundo tão fechado, que é o mundo acadêmico. Nós precisamos de mais de vocês.

É, pois, com o eclodir de movimentos sociais, como os operários, os feministas, os dos direitos civis negros, os homossexuais, entre outros, que a própria esfera pública se transforma, dando espaço a vozes excluídas, e assim começando a operar como mecanismo de pressão social, promotor de mudanças na lei e no Estado. (Sofia Aboim em “Do público e do privado: uma perspectiva de género sobre uma dicotomia moderna”)
 

No tempo em que escrevo esse texto, mais de 100 mulheres foram estupradas no Brasil.
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*nomes fictícios
*no texto publicado no face, colocamos uma informação equivocada sobre a indígena que deu a luz na grama, fato que ocorreu no México em 2013.
A mulher que perturba a ordem: ato na UFPel causa polêmica, pelo viés de Liana Coll.

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