O documentário “Mercedes Sosa: A Voz da América Latina” foi realizado por Rodrigo Vila, filho da cantora, na busca por traçar um panorama da vida de uma das artistas mais marcantes do continente latino-americano. Rodrigo vai atrás de diversas personalidades que estiveram em contato com Sosa, desde seus companheiros do movimento Novo Cancioneiro, músicos e intérpretes até amigos e familiares.
Mercedes nasceu em San Miguel de Tucumán, Argentina, e iniciou sua carreira em uma rádio da cidade, escondida dos pais. Já de início é associada ao peronismo e perseguida. Apesar de não declarar expressamente apoio, sua família era entusiasta do político Juan Domingo Perón, que tentava chegar à presidência do país. Por essa perseguição desce para Córdoba, onde engatilha uma trajetória forte, inclusive com a criação do movimento Novo Cancioneiro. As viagens forçadas e os exílios, a partir da adolescência, são uma constante até o fim de sua vida. Tais acontecimentos ferem a mulher que tem, nas raízes de seu chão latino, os motivos para erguer a voz e levantar-se contra todos os tipos de injustiças.
Em uma das partes mais marcantes do documentário, assistimos a história de como Sosa foi presa enquanto se apresentava. Filho, amigos e companheiros artistas foram todos juntos para a prisão, após desobedecerem uma “recomendação” para que Mercedes não mais cantasse na Argentina. Ao receber dos militares, em poder do país na época, a primeira ameaça de morte e o primeiro convite para se retirar da própria pátria, a artista afirma: “Não vou embora. Eu não posso viver na França, na Espanha e nem em qualquer outro lugar do mundo. Quem não gosta da minha canção que se vá. Eu não vou embora… Nunca matei ninguém. Nunca”. Apesar da resistência, as sucessivas intimidações contra a vida a fazem exilar-se. No exterior, ferida pela restrição de não poder voltar, raramente conseguia olhar para a plateia enquanto se apresentava. Mesmo de cabeça baixa, tocou a população europeia com a voz forte e a veia pulsante que jamais iríamos esquecer.
A história de Mercedes, artista conhecida como La Negra, é também a história política de seu país e, assim, a ditadura argentina, bem como as outras ditaduras que explodiam pelo continente sul-americano, têm grande peso em sua carreira. O exílio, a prisão e a censura são cicatrizes em sua vida. Mas, ao mesmo tempo, marcam a cantora como uma voz da liberdade. Além disso, a pobreza vivida até a adolescência e a visão sobre as consequências do imperialismo no continente a levantam contra a desigualdade. Com certeza, Sosa influenciou muito para a construção de uma identidade latina.
Ao fim de sua vida, mesmo doente, se aproxima de cantores mais contemporâneos, como Charly García e Fito Paez. Sua última gravação, Hay un niño en la calle foi interpretada a convite de René Perez, do conjunto Calle 13. E era isso que Sosa fazia: aproximar gente, integrar gerações e rincões da América Latina.
La Negra vive eternamente em sua música. E, como diz Victor Heredia em um trecho do documentário: “Se tivéssemos que retratar a América, teria o rosto de Mercedes”.
La Negra: uma voz que rompe fronteiras, pelo viés de Liana Coll