O campo da Educação, certamente um dos que mais provoca acalorados discursos de mudança e progresso, foi surpreendido logo no início do ano de 2015. O corte anunciado de R$ 69,9 bilhões do Orçamento da União atingiu, em mais de nove bilhões, o Ministério da Educação. Apesar de os grandes números não parecerem tão próximos às experiências locais, acompanha-se em Santa Maria um contínuo descaso público com áreas básicas para a comunidade.
A Escola Estadual do Ensino Médio Walter Jobim, localizada no bairro Itararé, tem ao longo de sua área externa diversas placas de “Perigo” e faixas de contenção para que se respeitem os locais indicados. Esses recursos são utilizados para isolar espaços em que a terra desmoronou e, com a ação do tempo, abriu verdadeiras crateras no solo.
Se o cenário revela-se perturbador – uma escola que abriga 48 professores e 432 estudantes, entre crianças e jovens, ter espaços restritos para se caminhar, correr e brincar nos períodos de intervalo -, a surpresa aumenta ao saber que há mais de cinco anos as instâncias competentes não deram respostas concretas aos problemas da escola.
A atual diretora, Ana Paula Azevedo, que está em sua segunda gestão, conta que, antes de assumir o cargo, as antigas diretorias também tentaram solucionar as questões, porém não foram atendidas. Sob gestão da 8ª Coordenadoria Regional da Educação (mantenedora da Escola), desde 2011 Ana Paula envia, incisivamente, ofícios que retratam e denunciam o risco sob o qual todos da escola estão.
“Como não havia continuidade e informação, começamos a ver que isso acontecia em várias áreas do bairro Itararé, não só aqui na escola. Aí, nós propomos uma reunião com a comunidade”, relata Ana Paula. Nessa reunião, ocorrida em outubro de 2011, a chamada também se deu para as secretarias de mobilidade urbana e de obras, além de escolas próximas e residentes de Associações de Bairros. “Na época não veio representante da Coordenadoria, mas mandamos a ata da reunião”, completa.
No encontro, se levantaram as hipóteses de que a área necessitaria de um laudo técnico, o que foi solicitado, porém não se efetivou. “Não sei qual foi a situação, a dificuldade de comunicação, na época, entre estado e município, que esse laudo não estava sendo pedido para a secretaria certa”, conta a diretora, ao retratar os entraves burocráticos passados. Entre os impasses que envolvem responsabilidades do município e do estado, a direção da escola, como não tinha mais para onde ou quem recorrer, começou a agir com as soluções paliativas: o isolamento das áreas já afetadas.
Enquanto o processo continua, a comunidade auxilia
Em abril de 2013, a diretora conseguiu protocolar um ofício junto à Secretaria Estadual do Meio Ambiente, pedindo o laudo técnico. No mês seguinte, a escola recebeu a visita da secretária adjunta de educação, Maria Eulalia Nascimento, que vistoriou o espaço e assistiu um vídeo realizado pelos próprios estudantes narrando a situação. Na ocasião, ficou acertado que a recuperação desses espaços se daria através do PNO – Plano de Necessidades de Obras -, onde também já constavam informações dos engenheiros da secretaria estadual de obras públicas.
O parecer do laudo técnico confirmava que a extensão de terra da escola, assim como outras construções do bairro Itararé, se encontra em cima de dutos utilizados para a canalização que, com a ação do tempo, foram rompidos, ocasionando as erosões.
Com o término da gestão estadual de 2010 – 2014, porém, todo esse processo foi arquivado. Elucidando esse arquivamento, a professora e coordenadora da 8ª Coordenadoria Regional da Educação (CRE), Iara Druzian, explica: “No ano de 2014 foi lançado o Plano de Necessidade de Obras e, no final de 2014, o governo do estado do Rio Grande do Sul, através da figura do governador, chamou as empreiteiras, as empresas de engenharia que estavam autorizadas a fazer os projetos das escolas e cancelou os contratos. Foi o governo do estado da gestão anterior que criou o plano e terminou com o plano antes de encerrar seu mandato”.
Entre as medidas paliativas encontradas pela direção da escola, que tem sua preocupação imediata com os estudantes e pessoal que ali trabalha, Ana Paula comenta dos encontros, mutirões, rifas e doações recebidas pela comunidade. No último mutirão, realizado no dia 17 de abril, diversas pessoas se envolveram na tentativa de levantar material para limpeza e revitalização de alguns espaços. “A gente cansou de esperar, na verdade. E se a gente for se acomodar que só o governo faça alguma coisa, a gente não vai conseguir que a escola seja um ambiente melhor”, desabafa Ana Paula sobre a falta de perspectivas que toda a comunidade tem acerca de uma efetiva solução das questões.
Para a coordenadora Iara Druzian, as ações impulsionadas pela direção procuram integração e co-participação da comunidade no processo educacional: “Não é simplesmente fazer o trabalho pelo trabalho, pela necessidade. Isso pra mim é altamente gratificante, elogiável e que sirva de referência para as demais escolas, o que a direção da Walter Jobim realiza”. Ela também ressaltou que, através da 8ª CRE, as tintas para a pintura de revitalização foram conseguidas.
Em março deste ano, uma calçada vizinha à Walter Jobim cedeu e acidentou dois idosos que ali passavam – situação que deu mais um alarme à vulnerabilidade constante encontrada no terreno da Escola. Nos dias de chuva, as crianças não são liberadas para o recreio e, embora haja as placas de “perigo”, as faixas de contenção se rompem por diversas vezes, gerando um gasto que as verbas da escola já não são capazes de cobrir.
Os documentos e fotos que a direção possui formam um verdadeiro dossiê sobre a condição da escola Walter Jobim, os quais já foram novamente encaminhados para a 8ª CRE e ainda aguarda soluções . A coordenadora Iara Druzian admite que desde o início de sua gestão, em janeiro deste ano, tem conhecimento dessa situação, e que a CRE está em contato direto com a secretaria de obras do município*, propondo uma parceria para que as resoluções aconteçam, já que o prédio é do estado. “Aquele problema que existe na área externa da escola é de responsabilidade do município de Santa Maria. O espaço é do estado, mas o que aconteceu no subterrâneo é do município”, comenta Iara.
“Nossa escola se mantém através da verba da Autonomia Financeira e, para manutenção, ela gira em torno de R$ 2.700,00, para tudo que precisa – telefone, giz, folha, xerox. Há R$ 1.150,00 para equipamentos mobiliários – uma classe, por exemplo -, e com isso a gente se vira nos 30, basicamente. Chega um ponto que a gente não tem muitas perspectivas” – explica Ana Paula
Neste ano, o secretário estadual da Educação, Vieira da Cunha, já anunciou um fluxo de processos emergenciais para obras com valor de até R$ 150.000,00, com dispensa de licitação para ações que custem até R$15.000,00. Embora Ana Paula esteja ciente dos trâmites, não acredita que a situação da escola se enquadre em emergência ao comparar ocorrências que envolvem telhados e paredes caídas, por exemplo. Além disso, seu desânimo prevalece ao relembrar todas as tentativas que já praticaram para reverter essas condições.
Apesar da resolução estadual e das conversas a nível municipal, a diretora lamenta ao ver programas federais sendo cortados, como o Mais Educação. O desânimo continua ao reportar os atrasos e a falta de previsão para o encaminhamento de recursos – destinados à manutenção do colégio – deste ano. Enquanto aguardam, sem muitas informações, comunidade, trabalhadores e estudantes da escola Walter Jobim convivem, literalmente, ao lado do perigo, para além das placas. São tempos bastante difíceis para a “pátria educadora”.
*Após tentar contato com o secretário municipal de obras, Tubias Calil, durante duas semanas seguidas, não houve respostas, nem pretensão de encontro com a redação da Revista.
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