Daniel, um sujeito baixinho, cabelo cacheado e olhos castanhos, retira cuidadosamente as vestimentas de seu personagem de dentro do roupeiro, algumas roupas de frio e de calor e sapatos. Coloca tudo na grande mala que irá carregar para a viagem. Assim, Daniel Lucas de Lima Moura, o criador do personagem Rabito, se prepara para a turnê que o palhaço irá encarar nos próximos meses. O destino são as comunidades quilombolas do Rio Grande do Sul. Dani, como é chamado por muitos, sai do apartamento em que mora em Santa Maria, coloca as malas no carro e encara a viagem ao lado de dois colegas de equipe, o fotógrafo Pedro Krum e o produtor executivo Fabrício Leão.
Depois de um mês visitando comunidades quilombolas, Daniel conta que, dependendo de cada local, o público tem reações diferentes às brincadeiras e piadas. “Eu faço a brincadeira e vou sentindo as pessoas. Vou até onde elas me permitem ir”, revela. Apesar do jeito engraçado no palco, Dani fala de forma calma e séria. Já Rabito é um palhaço vestido de ousadia. No sábado de sol forte, a equipe do Teatro VagaMundo viajou até o interior de Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, para apresentar o espetáculo Banana com Canela. O lugar, chamado Ibicuí da Armada, revela o verde dos pampas rio-grandenses. O lago, logo ali perto, recebia o reflexo do sol ainda forte. O VagaMundo foi recebido durante o Quarto Encontro Regional de Quilombolas. O palco foi arrumado em cinco minutos pelos integrantes do grupo. A bicicleta foi retirada de cima do carro esverdeado e posicionada, cuidadosamente, no palco.
Um palhaço, uma bicicleta, um cacho de bananas e muito alto astral. Talvez esse seja o tom do espetáculo apresentado por Rabito. O palhaço entrou pelo meio do público. Com a voz aguda, ia exclamando comentários e abraçando algumas pessoas. Uma senhora foi surpreendida por ele, que a abraçou sorrindo. Os olhares eram de espanto e riso, e os corpos começavam a relaxar em um ritmo leve. Tem gente que não achava graça em palhaços. Não achava. Rabito tira o riso do fundo da alma de qualquer pessoa. Uma senhora desceu de um carro recém estacionado próximo ao palco. Rabito não se conteve e chamou. “Vó, vem aqui vó.” A senhora esguia, de cabelos brancos, caminhava com dificuldade enquanto carregava a bengala na mão direita. Ela sentou em uma cadeira próxima ao palco. Rabito brincou com a “vó” inúmeras vezes e fez muita gente chorar de rir. As piadas eram ousadas e o humor, inesgotável. Entre uma trapalhada e outra, o palhaço chamava Lucas para brincar, um menino de cerca de sete anos, negro, cabelo preto com um sorriso encantador. O pequeno sempre entrava na brincadeira e ria de si também.
Daniel acredita que brincar com o fracasso é uma forma de encarar as coisas como são. A arte do palhaço é trazer luz ao que estava apagado, o riso que estava silenciado. “O palhaço age também para incomodar. As brincadeiras são para tirar as pessoas que podem estar, muitas vezes, sem pensar na própria vida há muito tempo. A vó, por exemplo, pode ter ficado chateada com as brincadeiras, mas isso mudou a rotina dela. Eu estou sempre buscando o riso.”revela.
Enquanto Daniel conversa sobre o espetáculo recém apresentado, ele se refere às técnicas do palhaço de forma carinhosa. “O palhaço precisa entrar em cena, segurar a mão do público, levar para o Universo dele e depois, quando terminar, ele precisa ter modificado algo naquelas pessoas.”, revela, dizendo também buscar a própria identidade no personagem. “Talvez o Rabito seja um eu ampliado”.
Depois, ele e a pequena equipe se despedem dos moradores daquele local, ajeitam a bicicleta colorida em cima da Meriva esverdeada e saem em despedida, em direção ao nordeste do Brasil.
Agora o grupo se aventura em um espetáculo na Bahia. O Teatro Vagamundo apresenta La Perseguida, em que Rabito promete continuar tirando risos do fundo da alma e deixando um pouco de si nos olhares curiosos.
Obs: O Teatro VagaMundo lançou, em março, o documentário sobre a turnê que visitou quilombolas em todo Rio Grande do Sul. O teaser pode ser acessado no link https://vimeo.com/120824982
Risos do fundo da alma, pelo viés da colaboradora Giuliana Bruni*
*Giuliana Bruni, mora em Bagé, RS e é formada em jornalismo. É amante do Jornalismo Literário e da escrita criativa.