Pela quarta vez em três anos, uma grande quantidade de agentes e viaturas policiais é mobilizada na cidade de Santa Maria com a finalidade de cumprir mandados de busca e apreensão contra jovens acusados de pixação. A nova ação repressora, desta vez denominada como “Operação Solvente”, ocorre no momento em que a administração municipal prepara-se para lançar a campanha “Santa Maria do Bem. Cuide de sua cidade. Seja do bem”, voltada ao enfrentamento da pixação e articulada com a possível ampliação das penas para pixadores na Câmara de Vereadores.
Em outras duas operações semelhantes – a Operação “Cidade Limpa”, realizada em junho de 2012, e a Operação “Rabisco”, de julho de 2013 –, a revista o Viés ouviu relatos de jovens investigados e investigadas que sofreram com abuso de autoridade, criminalização de materiais artísticos não ligados à pixação e diversas outras situações de assédio durante a execução dos mandados.
Mais uma vez, segundo informações divulgadas na mídia local, uma lista questionável de objetos foi recolhida pelos policiais durante a operação: uma CPU, três notebooks, dois banners, 14 cadernos de desenho, quatro máscaras, uma soqueira, cinco facas, três estiletes, balas de festim de fuzil 762, 13 latas de spray de tinta e um aparelho celular.
Novamente, além de indicar uma relação entre a pixação e crimes violentos que não reflete necessariamente a realidade da maioria dos pixadores e pixadoras, a escolha das “evidências” pela polícia sinaliza com a criminalização não apenas da pixação, mas de toda uma estética ligada à arte de rua, como no caso do recolhimento de cadernos, sprays e banners.
Mais uma vez, também, alguns dos jovens suspeitos de marcarem as paredes da cidade com tinta tiveram sua intimidade indevidamente exposta em veículos da mídia local, com a divulgação de fotos e endereço de suas residências.
Em depoimento à mídia local, o delegado responsável pela operação definiu-a com a seguinte frase: “É mais uma operação para enxugar gelo”. A afirmação reflete a realidade vivenciada por Santa Maria nestes três anos de crescente repressão contra o pixo: desde 2012, a repressão policial gerou apenas uma maior adesão de jovens à pixação, que aumentou exponencialmente desde a Operação Cidade Limpa e, além disso, verticalizou-se, demonstrando a evolução das técnicas e do interesse da juventude da cidade por esta forma de expressão.
A escolha do nome da operação, outra vez, dá indícios da compreensão vigente a respeito de como se lida com essa questão: a primeira grande operação, chamada de “Cidade Limpa”, dava a entender que pixação e sujeira são a mesma coisa, a despeito de toda a poluição visual oriunda de cartazes, fachadas e outdoors que pode incomodar igualmente ou até mais do que as pixações; a terceira, nomeada “Rabisco”, reduzia a complexidade da expressão do pixo a simples riscos sem sentido; e a nova operação, chamada “Solvente”, parece julgar que se resolve a questão da pixação sem problematizá-la: para que tudo fique “bem”, basta apagar a expressão de centenas de jovens sem voz na cidade, julgada de antemão como ruim e desnecessária.
Enquanto a administração municipal segue apostando na repressão e na dicotomia entre “bem” e “mal”, incluindo pixadores e pixadoras na categoria do “mal”, a juventude da cidade continua encontrando escassas opções culturais propiciadas pelo poder local, e os espaços públicos da cidade permanecem em situação crítica. Caso a dupla composta por repressão e falta de alternativas surta efeito semelhante às três operações anteriores, resultando na disseminação e no fortalecimento da pixação em Santa Maria, a nova ação da Polícia Civil poderá contribuir para que a cidade entre, definitivamente, para o mapa nacional como uma das mais pixadas do país”.
“Operação Solvente”: mais repressão contra a pixação em Santa Maria, pelo viés de Tiago Miotto.