O crescimento da direita no Congresso após as últimas eleições e as alianças feitas pelo PT em prol da governabilidade para sua manutenção no poder resultam em projetos de lei que retrocedem algumas conquistas dos movimentos sociais no Brasil. Para o Dep. Chico Alencar (PSOL-RJ), “a atual composição do Congresso Nacional é bastante adversa às pautas dos trabalhadores e dos direitos humanos”.
O Projeto de Lei n° 4330/04, apresentado pelo ex-deputado do PMDB e empresário Sandro Mabel, que visa terceirizar todo e qualquer trabalho, já é legalizado para trabalhadores de limpeza, conservação e segurança, serviços conhecidos como atividades-meio. Esse projeto foi resgatado pelo atual presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, do mesmo partido.
Inicialmente, o PL possibilitava a terceirização para atividades-fim na administração pública, o que acarretava, principalmente, na contratação de servidores públicos sem concurso. No entanto, após pressão dos movimentos sociais, essa parte do texto foi alterada. Sendo assim, as atividades-fim poderão ser terceirizadas apenas em empresas privadas. Não há especificação sobre atividades meio e fim, o que abre margem para diversas interpretações. Segundo Chico Alencar, o PSOL quer “aprovar a emenda que especifica atividades meio e atividades fim, estas vedadas a qualquer terceirização”.
O empresário do grupo Mabel (empresa de biscoitos) e da Cepalgo (materiais de empacotamento) investiu nesse PL um fundo de pensão pra ele e sua família. A terceirização do trabalho só oferece vantagens ao empresariado e é retrocesso para trabalhadores que não terão mais representação sindical, como é o caso dos terceirizados. Além das condições extremamente precárias do trabalho, um dos princípios da terceirização é a desregulamentação e o afastamento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “A CLT é hoje o instrumento que regula a relação de emprego, consistindo, em suma, em um conjunto de regras que protegem o trabalhador em face de seu empregador. Com a terceirização, o trabalhador não terá vínculo direto para com empresa contratante (tomadora de serviços), de modo que a CLT não será aplicável a essa relação, carecendo o trabalhador de um instrumento protetivo e estando à mercê das vontades deliberadas das empresas onde estarão prestando serviços”, afirma o advogado militante na área trabalhista, Frederico Schmachtenberg.
Sobre a realidade do trabalho terceirizado: fatos e dados
Na Universidade Federal de Pelotas, a realidade trazida pela terceirização da mão-de-obra mostra a precarização do trabalho mais intensa à medida que os direitos trabalhistas são privatizados. A empresa contratada pela universidade para oferecer os serviços de limpeza e alimentação é alvo de críticas e protestos dos/as trabalhadores/as. Os relatos são de que houve diminuição no número de empregados, aumento no horário de trabalho e atraso salarial. Adão Roberto Costa, trabalhador do Restaurante Universitário há 10 anos na UFPel, afirma que foi após a sua contratação por uma empresa terceirizada que os problemas começaram a surgir. Antes, contratado pela Fundação de Apoio Universitário (FAU), os seus direitos eram garantidos. “A FAU sempre nos pagou certinho. Entrou essa empresa que não assumiu com o compromisso que ela teria que ter, que é nos pagar em dia, e não nós ter que pagar para vir trabalhar”, afirmou Adão.
Segundo levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), trabalhadores terceirizados recebem salários 27% menores, trabalham três horas a mais por semana, de cada 5 trabalhadores que morrem no trabalho, 4 são terceirizados e passam, em média, 2,6 anos a menos no emprego por causa da rotatividade. Em síntese, a prática da rotatividade é feita quando pessoas são admitidas em uma empresa e, conforme aumentam as exigências, acabam demitidas; os próximos funcionários serão contratados com um salário cada vez menor, e assim por diante. “A rotatividade vem aumentando ano após ano. Hoje, ela está em torno de 57%, mas alcança 76% no setor de serviços. O Projeto de Lei 4330 prevê a chamada ‘flexibilização global’, um incentivo a essa rotatividade”, afirma Ruy Braga, professor da USP especializado em sociologia do trabalho, em entrevista à Carta Capital.
Um estudo na Unicamp revelou que, de 40 resgates de trabalhadores em condições análogas à escravidão nos últimos quatro anos, 36 envolviam empresas terceirizadas. Não há uma fiscalização devida para evitar ou minimizar casos de exploração extrema e condições precárias e ilegais de trabalho. “Ressalta-se que o PL prevê a obrigação da empresa contratante de fiscalizar a empresa contratada. Há quem interprete tal previsão no sentido de que se as empresas contratantes lograrem demonstrar que efetivamente fiscalizaram as empresas contratadas, estas estariam excluídas, inclusive, da responsabilidade subsidiária, o que se caso se confirmar, vem a trazer prejuízos incalculáveis aos empregados e abrindo brechas a grandes fraudes trabalhistas”, afirma Frederico.
O desfecho dessa história
No dia 14/04, um dia antes da paralisação nacional contra o PL da terceirização e as Medidas Provisórias 664 e 665 – em que, novamente, os direitos trabalhistas sofreram um retrocesso com as novas regras de acesso a benefícios previdenciários como Abono Salarial, Seguro-Desemprego e Auxílio Doença –, o Plenário retirou do texto a terceirização para atividades-fim na administração pública do PL 4330. Ainda assim, milhares de trabalhadores e estudantes ocuparam as ruas, no dia seguinte, para apontar o descontentamento com o trabalho terceirizado para qualquer atividade.
Na quarta passada (15/04), a Câmara dos Deputados decidiu adiar para esta quarta-feira (22/04) a votação do projeto de lei. O motivo principal foi a pressão popular e a exposição dos Deputados nas ruas. Nos protestos ocorridos em diversos estados brasileiros, faixas com as fotos e nomes dos Deputados os intitulando de “ladrões de direitos” os fizeram recuar. O PSDB, agora dividido, vota metade com Eduardo Cunha, o presidente da Câmara, e outra metade com os partidos contrários ao projeto de lei.
Partidos como o PSOL, PT e PCdoB votaram unanimemente contra o PL. O PCdoB teve apenas um voto favorável.
Outras mobilizações serão organizadas em paralelo às sessões no Congresso a fim de barrar o projeto de lei. O adiamento das sessões, os ânimos tensos no Congresso, os recuos de parlamentares, a revisão de posicionamento dos partidos e a retirada no texto sobre a terceirização nas atividades-fim na administração pública são reflexos da força que tem os movimentos sociais. Para Chico Alencar, as mobilizações têm sido importantes para esse processo. “A luta dos trabalhadores neste dia 15, de norte a sul do país, mostra que é possível uma unidade do movimento social contra o PL 4330/04 e a precarização do trabalho. A aprovação do destaque que retirava o serviço público do texto também foi um sinal disso. Só com mobilização poderemos barrar este projeto que, ao invés de proteger, precariza ainda mais as relações de trabalho”. E acrescenta: “vamos acompanhar o embate em plenário, em relação aos destaques, e a posterior tramitação no Senado. Ainda há muito ‘chão’ parlamentar a percorrer. E os sindicatos devem continuar cobrando e divulgando a posição de cada partido”.
No livro Os Sentidos do Trabalho, Ricardo Antunes fala que esse processo é a “subproletarização do trabalho, tendência operada pelo capital de reestruturação produtiva”. Sendo assim, ele defende “a tese de que a sociedade do capital e sua lei do valor necessitam cada vez menos do trabalho estável e cada vez mais das diversificadas formas de trabalho parcial ou part-time, terceirizado, que são, em escala crescente, parte constitutiva do processo de produção capitalista”. Isto é, o capitalismo reformula em determinados períodos o seu método de produção de acordo com sua lógica de acumulação de capital através da relação com o trabalho. A terceirização da mão-de-obra é um exemplo disso.
Terceirizar para precarizar, pelo viés de Maiara Marinho.