O Conselho Universitário aprovou na manhã dessa sexta, 27, a possibilidade de travestis e transexuais usarem os nomes com os quais se identificam e preferem ser chamados, o “nome social”, no ambiente da Universidade Federal de Santa Maria. A Resolução, aprovada por unanimidade entre os 45 conselheiros presentes, foi encaminhada pelos representantes do Diretório Central dos Estudantes e teve parecer favorável da Procuradoria Jurídica da UFSM e do relator do processo, o representante dos Técnico-Admnistrativos em Educação Alcir Martins. Com a mudança, travestis e transexuais poderão utilizar nome com o qual se identificam, e não nome do registro civil. A medida é pauta histórica do movimento LGBT.
A Resolução 057/2015 passa a valer na data de sua publicação, ainda que conforme a redação atual da Resolução a implementação no caso de estudantes se daria apenas no semestre subsequente àquele em que o uso do nome social for solicitado ao Departamento de Arquivo Geral e à Pró-Reitoria de Graduação ou de Pós Graduação. Ou seja, os primeiros estudantes beneficiados pela medida passarão a ter documentos utilizando seus nomes sociais apenas no segundo semestre de 2015.
O nome social é aquele com o qual e pelo qual travestis e transgêneros se identificam na sociedade – isso é, o nome em conformidade com a sua identidade de gênero, independente do gênero que lhe foi designado ao nascer, devido ao seu órgão sexual. Por exemplo, enquanto no registro civil de uma travesti consta o gênero masculino, o seu nome social consta como do gênero feminino, já que esta é a identidade com a qual ela se reconhece e se manifestada socialmente.
Vinícius Barth, membro da atual gestão do DCE, afirma que a luta pelo reconhecimento do nome social foi construída e debatida com o movimento LGBT, e também com outros movimentos sociais da cidade. Segundo ele “já existem pessoas trans estudando na UFSM, mas infelizmente são poucas devido a forte opressão que essas pessoas sofrem, mesmo no ambiente acadêmico. Além disso, há outros fatores sociais que esse grupo enfrenta, como a negação no mercado de trabalho, o abandono da escola por ser um espaço extremamente opressor, e até mesmo o abandono desde cedo da família, que não aceita essa condição”. É a partir desse passo que se pretende “alcançar o reconhecimento da população trans e dar visibilidade no espaço institucional, para que dessa forma possamos construir e debater um modelo de assistência estudantil que compreenda as especificidades e dificuldades das pessoas trans em acessar esses espaços”. De qualquer maneira “não basta aprovar essa resolução se junto a ela não conseguirmos de fato garantir a permanência das pessoas trans na UFSM”, complementa o estudante.
Aprovada na íntegra, a Resolução, assinada pelo reitor Paulo Burmann, passa a valer para estudantes e servidores da UFSM, assim como para “candidatos dos processos seletivos” e “usuários da UFSM” de maneira geral. O Reitor se manifestou logo após a aprovação, demonstrando a satisfação em ver a pauta ser aprovada, já que enxerga a matéria como questão de cidadania e de inclusão.
Com realidades distintas, o uso do nome social para servidores se dará em cadastros de dados e informações sociais, comunicações internas de uso social, endereço de e-mail, crachás (com a possibilidade de manutenção do nome civil no verso deste), na lista de ramais dos setores e unidades da instituição, e no nome de usuário em sistemas de informática, seguindo recomendações já presente em uma Portaria do Ministério do Planejamento sobre o tema (disponível aqui).
No caso de estudantes, aqueles que manifestarem interesse passam a utilizar o Nome Social como o único exibido junto ao número de matrícula em documentos de uso interno da instituição, como diários de classe, carteiras de identidade estudantil, e-mails, listas de presença, resultado de editais, divulgação de notas, entre outros. É assegurado ainda o direito ao nome social em chamadas orais, como na frequência de classe, na colação de grau, defesa de monografias, dissertações, teses, e outras solenidades. O nome social poderá também ser incluído em documentações com efeitos externos à Universidade, como diplomas, certificados, certidões e atestados (nesses casos, o nome civil ainda constará junto à documentação, já que a Universidade não tem autonomia para ignorá-lo).
Os menores de dezoito anos terão que ter autorização dos pais ou responsáveis para que as alterações ocorram – ainda que já exista inclusive uma resolução do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos LGBT publicada no Diário Oficial da União no último dia 12 de março que preveja que documentos, formulários e sistemas de informações das instituições de ensino em todos os níveis e modalidades, como escolas e universidades, passem a adotar o nome social quando solicitadas, mesmo que sem autorização dos pais (saiba mais aqui). Entendimento que é compartilhado pelo movimento LGBT – e, especialmente, trans-, para os quais as dificuldades sofridas por travestis e transsexuais ocorrem mesmo nas relações intrafamiliares e antes da maioridade.
Diesion Marconi, mestrando em Comunicação e integrante do Coletivo Voe, grupo que atua na defesa e na promoção dos direitos LGBTs em Santa Maria, relembra essa questão ”o Ministério da Educação já possui portarias específicas que deveriam assegurar o direito à escolha de tratamento nominal pelas pessoas trans, assim como no Sistema Único de Saúde esse direito deve estar assegurado. O governo do Rio Grande do Sul decretou em 2012 que as travestis, transexuais e transgêneros devem ser tratadas pelo nome que adotaram no convívio social e que esse nome deve ser respeitado em escolas, universidades, postos de saúde, delegacias de polícia, etc”. Ainda que, como acrescenta ele, “para que tenhamos uma cidadania plena e respeitada, precisamos mais do que o respeito ao nome social, mais do que o uso da carteira do nome social. Como faremos para não permitir que as pessoas trans adolescentes não sejam expulsas das escolas? Tanto quanto pensar no acesso e permanência delas no ensino superior, precisamos considerar que a violência e a discriminação são tão grandes que boa parte dessas pessoas não consegue terminar o ensino fundamental”.
A resolução prevê também que os candidatos nos processos seletivos da Universidade poderão utilizar o nome social junto ao nome civil nos processos de seleção, além de terem assegurado o direito de serem chamados oralmente conforme o nome social e não o nome civil. Os demais usuários da UFSM, da comunidade em geral, também poderão alterar possíveis cadastros internos para o nome social de sua preferência, além de poderem incluir o nome social junto ao nome civil em documentos oficiais externos, que não permitam apenas a adoção do nome social.
A adoção do nome social tem se tornado prática cada vez mais comum em instituições públicas. São vários os estados que já asseguram o seu uso em todas as esferas da administração pública. No Rio Grande do Sul, foi instituída, inclusive, uma carteira de identidade de nome social, que facilita a viabilidade prática do direito ao uso do nome social ao regulamentar uma identificação específica, que diminui a necessidade de utilizar a Carteira de Identidade padrão nos órgãos públicos. O respaldo jurídico e decisões no mesmo sentido já aprovadas em outras universidades facilitaram o andamento da Resolução na UFSM. Ainda que fosse esperada certa resistência no Conselho, a aprovação foi tranquila, por unanimidade, e com apenas uma manifestação positiva à aprovação antes da votação.
A alteração do nome civil, por sua vez, ainda é tema controverso nas esferas da justiça. Apesar de diversas vitórias jurídicas nesse sentido nos últimos anos, ainda existem resistências dentro do Poder Judiciário ao tema. Até por isso, a possibilidade do uso do nome social em diversas esferas do poder público (veja aqui lista com decisões favoráveis em diversas esferas do poder entre União, estados e municípios) tem se tornado alternativa à alteração do registro civil, que permanece complexa atualmente.
A adoção do nome social, no entanto, é apenas um passo na busca de igualdade de direitos para pessoas trans. É também o que diz Dieison: “além do nome social na chamada, no crachá ou na carteira do estudante, a universidade deve cumprir seu dever de construção e desconstrução de conhecimento para que as sociabilidades das diferenças sejam respeitadas e isso só pode acontecer através do diálogo, do debate, do enfrentamento através de ações sérias, comprometidas e sistemáticas. Ou seja, não basta também aprovar uma resolução e não divulgar, orientar, informar, ficar só por aí, esquecer o assunto”. De qualquer maneira, o integrante do Voe acredita que é uma abertura de portas, “para que muita gente possa assumir suas identidades e que possam viver como queriam. Poxa, se a universidade aceita, porque eu não posso ir lá e protocolar meu pedido? Fico pensando quantas pessoas trans não mantêm sua identidade de gênero ‘reservada’ e acabam sofrendo muito também […] Então, o nome social (como uma medida paliativa) ajuda a evitar esses constrangimentos e violações”.
Conselho Universitário aprova uso do nome social na UFSM, pelo viés de João Victor Moura
Com colaboração de Bibiano Girard e Felipe Severo