No início da tarde de uma segunda-feira, o Sol ainda forte, juntei minha câmera, meu bloquinho e minhas canetas e fui até um pequeno prédio no centro da cidade. Da janela, a vista para um supermercado se apresentara. Subi as estreitas escadas e segui até o primeiro piso. Fui recebida por Cássia, uma moça baixinha, cabelo repicado e escuro, olhos castanhos. Ela vestia calça solta e uma blusa com símbolos iogues. Logo chegando na cozinha do apartamento aconchegante, fui recebida por Mariane. Sentada em volta da mesa, vestia calça jeans, blusa branca e all star. O cabelo curto estava preso. Juntei-me a elas, na cozinha.
– Giuliana, tu escreves Jornalismo Literário né?, perguntou Cássia, enquanto abria a porta do armário para pegar um copo.
-Sim, é – respondi, um tanto confusa. – Esta entrevista é para um trabalho da faculdade, vou escrever sobre o Coletivo Feminista Atena, sobre a história dele e de vocês – expliquei.
– Tem pessoas que acham que o feminismo não é importante, por exemplo, depois que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o IPEA, divulgou o resultado da pesquisa em que a maioria das pessoas afirmava que mulheres que usam roupas curtas mereciam ser estupradas. Ocorreu um erro e o número não era 65%, mas 25% que concordavam com isso. Algumas pessoas diziam que então estava tudo bem, pois o número não era tão elevado. Não está tudo bem; enquanto houver 1% de pessoas acreditando nisso, não está! – argumentou Cássia Rodrigues, 24 anos.
Durante uma conversa via rede social, algumas meninas decidiram criar o coletivo feminista Atena, em Bagé, cidade do Rio Grande do Sul. No final de 2013, na casa da professora Tamires, ocorreu a primeira reunião. Desde então o grupo se reúne, todos os sábados, no final da tarde, na casa de alguma integrante. A iniciativa surgiu da indignação e do descontentamento que algumas meninas vivem.
– Sempre fui feminista sem saber que era. Eu nunca me conformei com as coisas que me falavam em relação ao modo como devo me vestir ou me comportar. Além disso, já tive um relacionamento opressor, eu tinha que fazer tudo para agradar ele, e teve um momento que me dei conta que as coisas não precisavam ser assim. – relatou Mariane Rocha, 20 anos. Mariane tem uma fala rápida, vai encostando uma frase na outra em um ritmo forte, sem perder a linha de raciocínio.
No segundo andar do apartamento, elas sentam em roda. No espaço onde estão penduradas faixas e bandeiras das atividades já realizadas pelo grupo, são discutidos acontecimentos graves como atos machistas e diversos crimes praticados contra as mulheres. Além disso, o grupo planeja ações de conscientização e combate. O foco das reuniões é fortalecer as ações do Coletivo, embasando as discussões com textos teóricos sobre feminismo.
– O que a gente faz é um trabalho de formiguinha. Tem gente que acaba reproduzindo discursos machistas sem se dar conta e quando veem nossas ações acabam mudando as atitudes – explicou Mariane.
Cássia tem um jeito calmo e firme. Fala, gesticula pouco, tem olhar atento. Enquanto mordiscava uns biscoitos de chocolate e bebericava goles de café, ia conversando.
– O feminismo ainda é necessário. No Brasil, o machismo, assim como o racismo, é velado, mas existe! – afirmou.
Mídia, machismo e objetificação da mulher
Apesar de estarmos em 2015, século XXI, quando apertamos o controle da televisão precisamos assistir a alguns comerciais. Encontrar uma propaganda de cerveja sem mulheres com corpos esbeltos seria, no mínimo, um caso raro. Pois é esta objetificação do corpo da mulher que é cada vez mais preocupante. Por que o homem pode caminhar na rua sem camisa, mas a mulher não? Por que a mulher é julgada quando veste uma roupa curta? Por que as pessoas ainda separam “atividades de homem” de “atividades de mulher”? A resposta, infelizmente, é porque a prática do machismo ainda é muito forte na nossa sociedade.
– Os homens acabam se privilegiando do machismo. Claro que eles também reclamam, mas apenas eles se privilegiam. As mulheres, não. Por isso a gente precisa estar unida, para eles é muito cômodo ver as mulheres umas contra as outras. – defende Mariane.
– Começamos a pensar em ações em Bagé porque é aqui que estamos inseridas. Bagé e o Rio Grande do Sul são muito conservadores. A gente escuta muitas coisas absurdas – explicou Cássia.
Mariane saiu da cozinha. Voltou com um computador em mãos. Enquanto falava, conferia algumas informações na tela do notebook e lembrava de várias ações já realizadas pelo coletivo. Fui olhando fotografias e slogans dos eventos.
8 de março – Não queremos flores, queremos respeito
Foi no dia da mulher de 2014 que o Atena saiu pela primeira vez às ruas de Bagé. Depois de prepararem cartazes com dizeres instigantes como “O mundo precisa de feminismo porque o mundo precisa de igualdade” e “Usar roupa curta não é errado. Estuprar é”, o grupo se dividiu e foi pendurando os cartazes nos postes e bancos da praça na avenida Sete de Setembro. A frase “Não queremos flores, queremos respeito” foi o lema desta primeira atividade.
30 de março – Festival Punk
Era noite. Elas estavam vestidas com camisetas bordadas com estêncil, e carregavam o símbolo do grupo no peito. No Atelier Coletivo, em Bagé, aconteceria um festival de bandas punk. E entre as muitas bandas formadas por homens, surgiu a She Hoos Go, banda composta somente por mulheres. A reação de alguns homens, ao verem a banda, foi de ironia. Mas as Atenas estavam na primeira fila apoiando e acompanhando tudo. Enquanto a festa rolava, elas distribuíram panfletos com reivindicações feministas.
Abril e maio – O corpo é meu e Dia das Mães
O coletivo feminista apoiou a festa O Corpo é Meu, que foi realizada na cidade de Rio Grande. Diversos cartazes foram colados nas paredes do grande salão da festa.
Já a discussão sobre maternidade e o papel da mulher marcou o dia das mães. A roda de conversa aconteceu no final de semana, na Secretaria Municipal de Educação, em Bagé.
12 de Junho – Dia dos Namorados
Reunidos na casa de uma das integrantes, as dez pessoas que fazem parte do coletivo uniram câmeras, maquiagens e criatividade. Para marcar a data do Dia dos Namorados o grupo se fotografou, simulando cenas entre casais, em que a mulher é agredida e humilhada. O tema “Não deixe que o silêncio fortaleça a violência” teve a intenção de mostrar a realidade através das imagens. Um exemplo disso é uma fotografia em que uma das integrantes está com o rosto machucado e o homem segura um buquê de flores.
Junho – Qual a culpa de Eva?
Os famosos tapetes de Corpus Christi são confeccionados todos os anos. Logo cedo, com o vento minuano batendo no rosto, cerca de cinco integrantes do coletivo Atena se dirigiram até o centro da cidade. Escolheram um local e logo começaram a colorir o espaço marcado por linhas brancas. Em mãos, além dos materiais e das anilinas, estavam maçãs. É que as frutas foram usadas como forma de protesto: “Qual a culpa de Eva? Poder comer as maçãs.” Essas e outras frases foram utilizadas para que as pessoas repensassem a forma como a mulher é mostrada e tratada nos textos bíblicos.
– Para a religião, a mulher é o mal do mundo – vociferou Mariane.
– Se a bíblia não respeita as mulheres, por que temos que respeitar a bíblia? defendeu Cássia. Passagens da bíblia foram alteradas e davam um sentido feminista às frases. Ao final do dia, durante a procissão, milhares de pessoas passaram por ali. Ao certo, o que pensaram, não se sabe, mas as maçãs foram sumindo. E o bispo Dom Gílio, enquanto realizava a procissão com os fiéis, parou em frente ao tapete e repetiu em voz alta:
– Qual a culpa de Eva? – parou, e como que desconcertado, tentando pensar de forma rápida, prosseguiu, levantando a cabeça. – Tudo bem.
Julho e Agosto – Seminário Regional de Mulheres e Discussões acadêmicas
Na mesa, composta por mulheres de diferentes idades e etnias, sob o tema “Mulheres construindo a história nos pampas”, o coletivo esteve representado. Além disso, Mariane Rocha foi oficineira e trabalhou em torno do questionamento “O que é ser mulher?”. Diversas pessoas que moram na região da campanha vieram a Bagé para participar do Seminário.
A psicóloga e integrante do Atena, Juliana Collares, realizou uma fala sobre feminismo durante a Semana Acadêmica da Psicologia, na Universidade da Região da Campanha. Cássia Rodrigues falou, durante a semana acadêmica de Letras, na Universidade Federal do Pampa, sobre Gênero e sexualidade e fez um elogio à transexualidade.
Setembro – RS machista e homo(trans)fóbico não me representa!
Depois do incêndio provocado em um Centro de Tradições Gaúchas (CTG) em Santana do Livramento, RS, a Semana Farroupilha não poderia ser a mesma. O motivo do incêndio seria a intolerância de pessoas que se posicionaram contra a decisão de ser realizado um casamento coletivo, em que um casal homossexual também estaria selando compromisso. Impressionados com o machismo e a falta de respeito de alguns tradicionalistas, o Atena se reuniu e resolveu se manifestar. No dia em que milhares de cavalarianos se organizavam para descer a avenida Sete de Setembro e esbravejariam “Temos orgulho de sermos gaúchos, viva a semana farroupilha!”, a praça de esportes teve um foco diferente. Reunidas, munidas de cartazes, bandeira LGBT, bandeira do Rio Grande do Sul, com chimarrão em mãos, as feministas sentaram no banco da praça, embaixo da estrutura de madeira e ficaram ali, durante todo o dia. A grande faixa gritava “Rio Grande do Sul e homo(trans)fóbico não me representa!”. Ao contrário do que pudesse se pensar, não houve manifestação contrária ou confusão.
12 de outubro – Dia das Crianças
“Meninas brincam de boneca, meninos de carrinho. Meninas são donas de casa, meninos são jogadores de futebol.” Frases como esta ainda são repetidas de geração em geração sem serem questionadas. O erro está no machismo intrínseco, na educação praticada de forma errada e na maneira como certas palavras acabam ficando no subconsciente das crianças.
– O problema começa quando são crianças, em relação aos brinquedos que são destinados a cada gênero e isso acaba tendo consequências no futuro, na vida adulta. Além disso, já teve casos de crianças abusando de outras – revela Cássia, que ainda estava planejando, ao lado de Mariane e de outras integrantes, as oficinas que seriam dadas nas escolas, durante o mês de outubro. O tema abordado seria a sexualidade e as oficinas seriam destinadas a crianças e adolescentes.
Passos firmes
Pouco mais de um ano depois de sua criação, o coletivo feminista Atena já é reconhecido em Bagé. Com o início das atividades em março, o grupo realiza em média, uma atividade por mês.
– A gente está conseguindo o nosso espaço na cidade e as pessoas estão reconhecendo – disse Mari, sorrindo.
– O coletivo é cada vez mais respeitado. Algumas pessoas nos procuram para tratar sobre esses assuntos – Cássia completou.
Depois, me contaram as experiências de relacionamentos abusivos e sobre como entraram para o campo da pesquisa e estão até hoje estudando feminismo e gêneros. Da pasta em cima da mesa, escolhi um bótom. “O feminismo é a noção radical de que mulheres são gente”, me representou. Saí dali mais leve. Com mais esperança. Com mais garra. Com vontade de carregar no peito símbolos que representam igualdade, amor e respeito. Despedi-me e desci as estreitas escadas do prédio. O Sol ainda estava lá. O machismo continuava nas ruas e casas e lugares desconhecidos. Mas a partir de então tive a certeza de que, aos poucos, ele estava sendo combatido. Em Bagé, por um coletivo chamado Atena.
Saiba mais sobre a Deusa Atena
Atena era a deusa grega da sabedoria e das artes. Os romanos a chamavam de Minerva. Foi concebida da união de Zeus e da deusa Métis. Era uma deusa virgem, linda guerreira protetora de seus heróis escolhidos e também de sua cidade Atenas. Atena era a filha predileta de Zeus, porém quando Métis ficou grávida, Zeus engoliu a esposa com medo de sua filha nascer mais poderosa que ele e lhe tirar o trono, mas para que isso acontecesse convenceu Métis a participar de uma brincadeira divina, onde cada um se transformava em um animal diferente e Métis pouco prudente acabou se transformando em uma mosca, e Zeus a engoliu. Métis foi para a cabeça de Zeus. Mas com o passar dos anos, Zeus sentiu uma forte dor de cabeça e pediu para que Hefesto lhe desse uma machadada, foi então que Atena já adulta saltou de dentro do cérebro de seu pai, já com armadura, elmo e escudo. Atena leva uma lança em sua mão, mas que não significa guerra e sim uma estratégia de vencer, também foi a inventora do freio, sendo a primeira que amansou os cavalos para que os homens conseguissem domá-los. A cidade Atenas era sua preferida já que levou seu nome e onde também se fazia cultos em sua homenagem.
Fonte: InfoEscola
SOU APENAS MINHA, pelo viés da colaboradora Giuliana Bruni*.
*Giuliana, 23 anos, é formada em jornalismo pela Universidade da Região da Campanha, em Bagé. É amante do Jornalismo Literário, e da escrita criativa. Adora poesias e contos. É autora do blog Meu Mundo e as Palavras.
Muito bacana essa matéria que traz mais um grupo feminista que se organiza e não foge à luta. Tomara que a minha cidade natal comece a partir daí a rever sua forma de tradição gaúcha conservadora que há anos vem depreciando a imagem da mulher. Isso em todo o RS diga-se de passagem. Precisamos mudar isso já. A mulher precisa ser tratada e respeitada como tal, ter direitos iguais e se contrapondo sempre a esses estereótipos machistas principalmente feitos pela publicidade. Orgulho dessas gurias principalmente a colega de escola de longa data a Cássia Rodrigues citada aí na matéria uma das integrantes do coletivo. Mais ainda orgulho da colega jornalista Giuliana Bruni. A luta continua e jamais se acabará.
Nossa, Fábio, muito obrigada pelo carinho e apoio. Com certeza, faço das tuas, minhas palavras. Abraço 🙂