A posição ocupada pelas mídias nas sociedades contemporâneas é cada vez mais central. Esse cenário se reforça, principalmente, a partir da popularização da internet como meio de comunicação. Nesse sentido, o campo midiático foi se constituindo ao longo da História como uma esfera detentora de um grande poder simbólico, penetrando, como causa e consequência desse poder, diversas outras esferas da sociedade. O campo político, especialmente, mantém com o campo midiático uma relação singular de interposição e, de certa forma, interdependência.
Vivemos em uma sociedade, há muito tempo, midiatizada, onde a visibilidade dos atores políticos passou a se dar, de forma crescente, através dos meios de comunicação. Assim, a obtenção de capital simbólico e político, o que depende de reconhecimento, passa por quem define o que é público nesse contexto social, ou seja, passa pela mídia de massa. As novas configurações da política midiatizada deslocam a fala dos agentes políticos da ação quotidiana, como nas portas de fábricas, para uma fala através da mídia que, na maioria das vezes, é a fala sobre esses agentes.
Com isso, as mídias de massa assumem o importante papel de mediadoras desse reconhecimento do campo político. Essas mídias não têm o poder de, sozinhas, construir ou arruinar o capital político de atores ou instituições. Entretanto, a sua ação no campo do simbólico, com o passar do tempo e a repetição de algumas mensagens, pode contribuir significativamente na concepção de determinados imaginários e correspondências. O caso do “mensalão” é bastante emblemático nesse sentido. Políticos de pelo menos seis partidos estavam envolvidos no “escândalo” de compra de votos, mas o imaginário criado a partir da forte midiatização e, eu diria, espetacularização do processo, foi o de que o PT é o partido mais corrupto do país por estar envolvido no “maior escândalo de corrupção de todos os tempos” – até então.
É verdade que a internet, como meio potencialmente massivo e potencialmente democrático, constitui-se, para atores e instituições políticas, como um espaço alternativo de disputa simbólica e questionamento das mensagens construídas pelos meios de massa. Entretanto, isso se coloca muito mais como uma potencialidade do que como realidade. Há uma enorme desigualdade de acesso em classes sociais: a pesquisa TIC Domicílios de 2014 indica que o acesso residencial à internet é de 98% na classe A e de apenas 8% nas classes D e E. Além disso, a desigualdade de acesso entre campo e cidade também é considerável: 15% das residências rurais têm internet, enquanto o acesso doméstico na zona urbana corresponde a 48%.
Essa disputa se dá principalmente pelo que o sociólogo francês Pierre Bourdieu coloca como a necessidade, entre os campos jornalístico e político, de “impor a visão legítima do mundo”. Os meios de massa, com isso, não atuam como meros mediadores da obtenção de capital político dos atores e instituições do campo da política, mas buscam eles mesmos reconhecimento para a sua visão do mundo. A mídia torna-se, em certos casos, o próprio ator político.
Como exemplo disso talvez possamos usar a edição da revista Veja de 29 de outubro de 2014. Essa edição trouxe na capa os rostos de Lula e Dilma com a manchete “Eles sabiam de tudo”, referindo-se a uma suposta declaração de Alberto Youssef na investigação de corrupção na Petrobras. A revista passa a agir como ator no campo político ao adiantar a distribuição da edição para três dias antes do segundo turno da eleição presidencial, que ocorreria no dia 26 daquele mês. Fotocópias da revista passaram a circular pelas cidades, servindo de panfleto para os simpatizante do candidato adversário.
Outro “fenômeno” na relação entre esses dois campos é a inserção “oficial” de atores do campo midiático no campo político. Esses agentes transferem para a política o capital obtido através de seu trabalho como jornalistas, apresentadores, etc., aproveitando-se da visibilidade do seu ofício. Visibilidade que, como foi colocado, é de fundamental importância no campo da política. Assim, elegem-se deputados, senadores e, até mesmo, governadores, a partir de um capital simbólico não necessariamente político. Uma outra verdade nessa relação é a que muitos políticos obtêm concessões de rádio e televisão, levando, em fluxo contrário ao do primeiro caso, a sua “visão legítima do mundo” da esfera política para a midiática.
Essas duas esferas demonstram recíproca porosidade e são muitas as intersecções entre elas que poderíamos citar. São dois campos que buscam e que, de alguma ordem, exercem muito poder. Por essa razão, essa relação de interposições e interdependência é também uma relação constantemente tensionada por disputas pela visibilidade de atores e instituições, sim; mas, principalmente, pela visibilidade de “visões legítimas do mundo”.
VISÕES LEGÍTIMAS DO MUNDO, pelo viés de Bruna Andrade*.
*Bruna é redatora do Jornalismo B.