De Chiapas a Rojava: mares nos dividem, a autonomia nos une

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Imagem: Flickr/Seth Anderson

 

 

“O poder ao povo só pode ser colocado em prática quando o poder exercido pelas elites sociais for dissolvido entre o povo” (Murray Bookchin, em ‘Anarquismo Pós-Escassez’)

 

Até seis meses atrás, poucas pessoas já tinham ouvido falar de Kobane, mas, quando o Estado Islâmico do Iraque e de al-Sham (EIIS) lançou um fútil ataque contra a cidade em setembro de 2014, o pequeno reduto tornou-se um ponto central na luta contra os extremistas religiosos. Nos meses vindouros, Kobane se transformou num símbolo internacional de resistência, comparada tanto a Barcelona quanto a Stalingrado por seus papéis de bastiões contra o fascismo.

A brava resistência das Unidades de Proteção Popular e das Mulheres (YPG e YPJ) foi louvada por uma gama de grupos e de indivíduos — desde anarquistas, militantes de esquerda e liberais até conservadores de direita — que expressaram simpatia e admiração pelos homens e pelas mulheres de Kobane em sua batalha histórica contra as forças do EIIS.

Como resultado, a mídia tradicional logo viu-se forçada a quebrar o silêncio sobre o esforço dos curdos do Norte da Síria, que haviam declarado sua autonomia no verão de 2012. Inúmeros artigos e notícias retrataram a ‘tenacidade’ e a determinação dos soldados curdos, frequentemente com uma certa dose de romantismo. No entanto, a atenção da mídia foi por vezes seletiva e parcial. A essência do projeto político em Rojava (no Oeste do Curdistão) foi deixada de lado e jornalistas ocidentais geralmente acabaram optando por apresentar a resistência em Kobane com uma exceção inexplicável ao suposto barbarismo do Oriente Médio.

Como era de se esperar, a vitoriosa bandeira das YPG/YPJ, brandindo a icônica estrela vermelha, não foi uma imagem agradável aos olhos dos poderes ocidentais. Os cantões autônomos de Rojava representam uma solução local aos conflitos no Oriente Médio, focando-se em igualdade de gênero, sustentabilidade ambiental e processos democráticos horizontais que incluem os diversos grupos sociais e étnicos ao mesmo tempo que resiste ao terror do EIIS e rejeitam ambas democracia liberal e modernidade capitalista.

Embora muitos no Ocidente preferiram calar-se sobre o assunto, o ativista e acadêmico curdo Dilar Dirik afirmou com razão que as fundações ideológicas do movimento curdo por autonomia democrática são essenciais para que se entenda o espírito que encorajou a resistência em Kobane.

 

Já basta!

 

Ao passo que a batalha por cada rua e cada esquina da cidade se intensificava, Kobane conseguiu capturar a imaginação da esquerda mundial — e de grupos esquerdo-libertários em particular — como um símbolo de resistência. Não sem razão, portanto, que o grupo marxista-leninista turco MLKP, que se uniu às YPG/YPJ no campo de batalha, levantou a bandeira da República Espanhola sobre as ruínas da cidade no dia da sua libertação enquanto clamava pela formação de Brigadas Internacionais segundo o exemplo da Revolução Espanhola.

Não foi necessariamente a batalha por Kobane em si mas a essência libertária dos cantões de Rojava, a implementação de democracia direta nas bases e a participação das mulheres no governo autônomo que deu base a tais comparações históricas. Rojava, porém, não foi comparada só à Catalunha revolucionária. Outra notável comparação — com a luta dos zapatistas por autonomia no sul do México — pode, na verdade, ser a chave para se entender o paradigma da revolução no Curdistão e o que ela significa para aqueles que acreditam que outro mundo seja possível.

Desde sua aparição no início da década de 1990, o movimento zapatista tem provavelmente sido um dos elementos mais simbólicos e influentes do imaginário de revolução em todo o mundo. Na manhã do dia primeiro de janeiro de 1994, uma força de guerrilha desconhecida composto de indígenas maias conquistou as principais cidades de Chiapas, o estado mais pobre do México. A operação militar foi desempenhada com esplendor estratégico e, junto a um inovador uso da internet, ressonou pelo mundo inteiro, a inspirar solidariedade internacional e o aparecimento do Movimento por Justiça Global (Global Justice Movement).

Os zapatistas se rebelaram contra o neoliberalismo e o genocídio social e cultural das populações indígenas do México. Ya Basta!, ou ‘Já Basta!’, era o grito de guerra “fruto de 500 anos de opressão”, como afirmava a Primeira Declaração da Selva Lacandona. Os zapatistas tomaram as armas enquanto o capitalismo global celebrava o suposto fim da história e a ideia de revolução social parecia um anacronismo romântico pertencente ao passado. O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) foi prontamente expulso das cidades depois de intensas batalhas com o exército federal que duraram doze dias. Entretanto, provou-se que a profunda organização horizontal das comunidades indígenas não poderia ser erradicada por terrorismo de estado nem por campanhas militares.

O porta-voz mascarado do exército rebelde, Subcomandante Marcos, desafiou a noção de vanguarda histórica e contrapôs a esta a ideia de “revolução de baixo para cima” (revolution from below), uma forma de luta social que não pretende assumir o controle do poder do Estado mas, sim, pretende o abolir. Essa concetualização de autonomia e de democracia direta tornou-se pois central para muitos dos movimentos anti-capitalistas de massa que temos visto desde então — dos protestos em Seattle e em Gênova às ocupações de Syntagma, Puerta del Sol e Zuccotti Park.

 

Uma trajetória histórica compartilhada

 

As raízes da luta por autonomia democrática em Rojava podem ser encontradas na história do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), organização esta que tem sido central para o movimento de libertação curda desde sua criação em 1978. O PKK foi criado como um grupo de guerrilha marxista-leninista no Norte do Curdistão (Sudeste da Turquia), combinando uma forma de nacionalismo curdo à luta por emancipação social. Sob a liderança de Abdullah Öcalan, o partido cresceu e tornou-se uma substancial força de guerrilha que conseguiu resistir aos ataques do segundo maior exército da OTAN num conflito que ceifou a vida de mais de 40 mil pessoas ao longo de 30 anos.

O Estado turco deslocou centenas de milhares e alega-se ainda que tenha usado tortura, assassinato e estupro contra a população civil. Mesmo assim, não conseguiu quebrar a resistência curda. Desde sua criação, o PKK expandiu sua influência tanto na Turquia quanto em outras partes do Curdistão. A principal força política na revolução de Rojava — o Partido da União Democrática (PYD) — foi fundado como uma organização-irmã do PKK na Síria depois deste ter sido banido no final da década de 1990. Atualmente, as duas organizações estão conectadas através da União das Comunidades do Curdistão (KCK), a organização guarda-chuva que envolve vários grupos políticos e revolucionários que compartilham das mesmas ideias do PKK.

A ideologia que une os diferentes grupos civis e revolucionários no KCK chama-se confederalismo democrático e se baseia nas ideias do anarquista estadunidense Murray Bookchin, que argumenta em favor de uma sociedade não-hierárquica baseada na ecologia social, no municipalismo libertário e na democracia direta. Depois que Öcalan foi capturado pelo Estado turco em 1999 e sentenciado à prisão perpétua, ele rejeitou o passado marxista-leninista do PKK e voltou-se a Bookchin, levando-o à convicção de que autonomia local e regional para as comunidades curdas é, de fato, a solução mais viável.

Apesar de os zapatistas serem famosos por seu autogoverno e pela rejeição da noção de vanguarda histórica, as raízes do Exército Zapatista de Libertação Nacional são similarmente marxistas-leninistas em essência. Assim como o PKK, as ideias de autogoverno e de revolução de baixo para cima dos zapatistas provinham de uma longa evolução histórica.

O EZLN foi fundado em 1983 por um grupo de guerrilhas urbanas que decidiram criar uma célula revolucionária entre a população indígena de Chiapas, organizar uma força militar e, finalmente, tomar o poder do Estado através da guerra de guerrilha. Logo que perceberam que o seu dogma de vanguarda ideológica não era aplicável às realidades culturais das comunidades locais, começaram a aprender com as tradições de gestão coletiva dos povos indígenas. Assim, o zapatismo nasceu como uma fusão entre marxismo ocidental e as experiências e o conhecimento da população americana nativa que tem resistido ao Estado espanhol e ao Estado federal mexicano há cinco séculos.

Essa trajetória ideológica compartilhada das duas organizações de guerrilha demonstra uma virada histórica na compreensão contemporânea do processo revolucionário. O levante zapatista e a construção da autonomia em Chiapas marcaram o rompimento com a tradicional estratégia de foquismo, predominantemente inspirada pela revolução cubana. Deixou-se bem clara a rejeição do vanguardismo numa carta escrita pelo Subcomandante Marcos ao movimento de libertação basca ETA, na qual ele afirma claramente: “Estou me cagando para todas as vanguardas revolucionárias neste planeta”.

Em Chiapas, não é a vanguarda que impulsiona o povo — depende dele mesmo a construção da revolução de baixo para cima e a sua manutenção como tal. Esta é a lógica à qual, agora, o PKK tem-se voltado na última década sob a influência de Murray Bookchin, o que demonstra sua transformação de um movimento para o povo num movimento do povo.

 

Cantões e Caracoles

 

A similaridade mais importante entre as revoluções em Rojava e em Chiapas provavelmente seja a reorganização política e social que vem sendo feita em ambas as regiões com base na visão de mundo socialista e libertária do PKK e do EZLN.

A luta dos zapatistas por autonomia originou-se do fracasso das negociações de paz com o governo mexicano depois do levante de 1994. Durante as negociações, os rebeldes exigiam que o governo aderisse aos acordos de San Andrés, que davam aos povos indígenas maior autodeterminação sobre educação, justiça e organização política com base em suas tradições e no controle coletivo de terras e recursos locais.

Os acordos nunca foram implementados pelo governo e, em 2001, o então-presidente do México, Vicente Fox, apoiou uma versão editada dos acordos que foi aprovada no Congresso mas não atendia às demandas dos zapatistas e de outros grupos da resistência indígena. Dois anos depois, o EZLN criou cinco zonas rebeldes, ou Caracoles (‘caracóis’ ou ‘espirais’), que agora servem como centros administrativos. O nome Caracoles representa a temporalidade revolucionária particular dos zapatistas: “Fazemos tudo por nós mesmos, aprendemos no processo e, assim, avançamos. Lentamente, mas avançamos”.

Os Caracoles incluem três níveis de governo autônomo: a comunidade, a municipalidade e o Conselho de Bom Governo (Junta de Buen Gobierno). As duas primeiras são baseadas em assembleias de base; os Conselhos de Bom Governo são eleitos com a intenção de atrair o maior número possível de pessoas a compô-los ao longo dos anos através do princípio de rotatividade. Os Caracoles têm seus próprios sistemas de educação, saúde e justiça e também possuem cooperativas produtoras de café, artesanato e pecuária — entre outras coisas.

Duma certa forma, os cantões em Rojava se parecem com os Caracoles. Eles foram proclamados pelo Movimento por uma Sociedade Democrática (TEV-DEM) em 2014 e funcionam através de assembleias e Conselhos Populares recentemente estabelecidos. As mulheres participam do processos de tomada de decisão em pé de igualdade e são representadas em todas as posições eleitas, que são sempre compartilhadas por um homem e uma mulher.

Todos os grupos étnicos são representados nos diferentes conselhos e instituições. Saúde e educação também são garantidos pelo sistema de confederalismo democrático. A primeira universidade de Rojava, a Academia Mesopotâmia de Ciências Sociais, foi recentemente inaugurada com planos de desafiar a estrutura hierárquica da educação e de abordar o ensino de forma diferente.

Assim como no caso dos zapatistas, a revolução em Rojava vislumbra-se como uma possível solução para os problemas de todo o país e da região. Não é somente uma expressão de tendências separatistas. Como afirmou uma delegação de acadêmicos europeus e norte-americanos que recentemente visitou Rojava, esse sistema genuinamente democrático aponta para um futuro diferente para o Oriente Médio — um futuro baseado na participação popular, na libertação das mulheres e na paz justa entre os diferentes grupos étnicos.

 

Uma revolução das mulheres

 

Gênero sempre foi um tema central para a revolução zapatista. Antes da disseminação de formas autônomas de organização e da adoção da libertação das mulheres como fundamental à luta, a posição das mulheres era marcada por exploração, marginalização, casamentos forçados, discriminação e violência física.

É por isso que o Subcomandante Marcos afirma que o levante não começou em 1994 mas já um ano antes, com a adoção da Lei Revolucionária das Mulheres em 1993. Essa lei estabeleceu as bases para justiça e igualdade de gênero, garantindo direitos à autonomia pessoal, à emancipação e à dignidade das mulheres no território rebelde. Hoje, as mulheres participam de todos os níveis de governo e administram suas próprias cooperativas e estruturas econômicas que garantem sua independência.

As mulheres ainda formam uma grande parte da força de guerrilha zapatistas e assumem altas posições no comando militar. A tomada de San Cristobal de las Casas, a cidade mais importante a ser capturada pelo EZLN no levante de 1994, foi liderada pela Comandante Ramona, que foi também a primeira zapatista a ser enviada à Cidade do México para representar o movimento nas negociações com o governo.

O massivo envolvimento de mulheres indígenas no projeto político dos zapatistas é facilmente comparável ao envolvimento das mulheres na defesa de Kobane e, em termos mais gerais, nas Unidades de Proteção das Mulheres (YPJ). A bravura e a determinação das mulheres curdas na guerra contra o EIIS é fruto da longa tradição da participação das mulheres nas guerras armadas pela libertação social no Curdistão. As mulheres têm um importante papel no PKK e a libertação de gênero tem há tempos sido central na luta curda.

A revolução de Rojava reforçou a libertação das mulheres como indispensável para a libertação da sociedade como um todo. O quadro teórico que coloca o desmantelamento do patriarcado no centro da luta é chamado de ‘jineologia’ (jîn significa ‘mulher’ em curdo). A aplicação desse conceito resultou num inaudito empoderamento das mulheres — um feito notável não só no contexto do Oriente Médio mas também em comparação ao feminismo liberal ocidental.

As assembleias de mulheres, as estruturas cooperativas e as milícias de mulheres pulsam no cerne da revolução de Rojava, vista como incompleta enquanto não se destruírem as estruturas patriarcais na base da sociedade capitalista. Como escreveu Janet Biehl depois de sua recente visita a Rojava, lá as mulheres cumpriram o papel que o proletariado (masculino) cumpriu nas revoluções do século XX.

 

O caminho para a autonomia

 

A Ecologia da Liberdade é provavelmente o mais importante trabalho de Bookchin, cujo conceito de ecologia social ali desenvolvido tem sido amplamente adotado pelos revolucionários em Rojava. Bookchin estava convencido de que “a própria noção da dominação da natureza pelos seres humanos originava-se da real dominação de humanos por humanos”. Ao conectar capitalismo, patriarcado e destruição ambiental, ele apontou sua abolição conjunta como a única forma de se avançar rumo a uma sociedade justa.

Uma abordagem holística semelhante a essa foi promovida e implementada também pelos zapatistas. Sustentabilidade tem sido um ponto de referência em Chiapas, especialmente desde a criação dos Caracoles em 2003. O governo autônomo tem tentado recuperar conhecimentos ancestrais sobre o uso sustentável da terra e combiná-los com novas práticas agroecológicas. Essa lógica não é somente uma questão de melhorar as condições de vida nas comunidades e evitar o uso de agrotóxicos, mas também constitui-se como uma rejeição à ideia de que a agricultura industrial, em grande escala e para exportação seja superior à forma ‘primitiva’ com que os povos indígenas trabalhavam a terra.

As similaridades entre o sistema de confederalismo democrático que está sendo desenvolvido no Oeste do Curdistão e a autonomia sendo construída em Chiapas vão além daquelas apontadas neste artigo. Desde lemas como Ya Basta! — adaptado para o curdo como êdi bes e! — até o desenvolvimento de democracia de bases, de estruturas econômicas coletivas e da participação das mulheres, os caminhos similares entre o movimento curdo e os zapatistas demonstram um rompimento decisivo com a noção de vanguarda do Marxismo-Leninismo e uma nova abordagem à revolução — a surgir desde baixo e a visar à libertação integral da sociedade e sua reorganização de forma não-hierárquica.

Embora ambos movimentos tenham recebido fortes críticas dos elementos mais sectários da esquerda, o próprio fato de que os únicos grandes e exitosos experimentos em mudança social revolucionária tenham se originado de grupos não-ocidentais, marginalizados e colonizados deveria ser considerado como um tapa na cara dos dogmáticos e privilegiados ‘revolucionários’ brancos do Norte global, que têm tido menos do que sucesso em desafiar a opressão em seus próprios países, mas que ainda acreditam que lhes caiba decidir o que deva ser a revolução.

A realidade é que as lutas em Rojava e em Chiapas são exemplos poderosos para o mundo, demonstrando o vasto potencial da auto-organização de base e a importância de laços comunais para combater a atomização social forjada pelo capitalismo. Ademais, elas têm forçado muitas pessoas da esquerda ocidental — inclusive alguns anarquistas — a reconsiderar suas mentalidades colonais e seu dogmatismo ideológico.

Um mundo sem capitalismo, sem hierarquia, sem dominação e sem destruição ambiental — ou, como os zapatistas diriam, um mundo em que vários mundos sejam possíveis — é frequentemente descrito como ‘utópico’ ou ‘irreal’. No entanto, este mundo não é uma miragem futurística que vem de livros: ele já está sendo construído pelos zapatistas e pelos curdos, permitindo que nós reimaginemos o que é mudança social radical  e oferecendo um modelo possível para nossas próprias lutas locais. A estrela vermelha que brilha sobre Chiapas e Rojava ilumina o caminho para a libertação. Se necessário fosse resumir numa palavra o que une essas duas lutas, essa palavra definitivamente seria ‘autonomia’. 

 

De Chiapas a Rojava: mares nos dividem, a autonomia nos une, pelo viés de Petar Stanchev* e traduzido por Gianlluca Simi


*Stanchev é mestrando em Estudos Latino-Americanos e Direitos Humanos na Universidade de Essex (Inglaterra). Ele já morou e estudou no México e milita há quatro anos no movimento em solidariedade com os zapatistas. A versão aqui traduzida foi editada e publicada por RoarMagazine. A primeira versão do texto ainda pode ser lida em Kurdish Question. A revista o Viés traduziu e publicou o texto com autorização do autor.

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