Pra não passar em branco: Zumbi dos Palmares, resistência e ‘racismo cordial’ no Brasil

Geanine Escobar, integrante do coletivo Juventude Negra Feminina de Santa Maria (JUNF), declama Oliveira Silveira durante Kizomba realizada em Santa Maria, dia 20 de novembro de 2014. Foto: Bibiano Girard

“Grito negro de ZUMBI

Vem dos Palmares

Em novos tempos

Pra romper a tempestade

Já com trezentos anos que se passaram

Ainda se ouve o eco

Liberdade, liberdade, liberdade!”

Zé Pinto

Novembro pode até ter sua “black friday”, mas é para aquecer o consumo e manter o setor varejista longe do vermelho, às custas do nosso consumismo frenético. Novembro também pode ter o azul das campanhas de prevenção ao câncer de próstata. Podemos ter também o Novembro Verde com todos os debates e o ativismo pela descriminalização da cannabis, seus componentes e derivações. Novembro pode ser colorido e rico em diversidade. Mas especialmente novembro é negro! É negra! É mês da Consciência Negra!

O 20 de novembro, celebrado nacionalmente é feriado decretado em muitas cidades brasileiras. As listas de cidades, em geral, estão infladas por incluirem muitas daquelas nas quais existem leis (municipais ou no âmbito da unidade da federação da qual fazem parte) que apenas reconhecem ou instituem a data como parte do calendário oficial – o que não é sinônimo de feriado. Nestes termos todas as cidades gaúchas já reconhecem o 20 de novembro desde 1987 quando legislação sancionada pelo então governador Pedro Simon criou o Dia ESTADUAL da Consciência Negra. No ano de 1995, uma grande marcha em Brasília, reuniu milhares de ativistas e lutadorXs do movimento negro brasileiro (fala-se em 30 mil ou mais em marcha). Esta marcha, no dia dos 300 anos da morte de Zumbi consagrou definitivamente a data. Em nível nacional a data foi oficializada apenas em 2011, quando a Lei 12519 foi sancionada pela Presidenta Dilma Roussef estabelecendo o Dia NACIONAL da Consciência Negra.

A data resgata e celebra a imortalidade de Zumbi do Palmares. Principal liderança das resistências negras no Brasil colonial, Zumbi integrou o lendário Quilombo dos Palmares cuja capital política era o Quilombo do Macaco, na Serra da Barriga, no atual estado das Alagoas. Sim, é isso mesmo: eram vários quilombos, ou como alguns chama, mocambos que consistiam uma unidade política-econômica-militar.

Palmares era praticamente um Estado; praticamente um país dentro da maior colônia portuguesa d’além-mar. Com suas fortificações e organização militar para proteção e defesa, e toda uma estrutura econômica e política que garantiu a longevidade de cerca de um século – de fins do século XVI até 1695 – para a mais dura e mais radical crítica ao colonialismo mercantil escravocrata.

O povo palmarino atraiu para si o olhar e a ira dos poderosos do seu tempo. Desde os prepostos coloniais, governadores das províncias até, do outro lado do Atlântico, as Cortes do Velho Mundo – em particular a Coroa Portuguesa afinal, quem tem, tem medo.

A história de Palmares é a história de um século de resistências aos ataques ferozes que sofreram o tempo todo por parte das milícias coloniais. E Zumbi é parte fundamental desta história e do nobre – apesar de violento –  desfecho de Palmares.

Nascido livre em território palmarino, foi capturado (sequestrado) e entregue aos cuidados do Padre Antônio Melo, em Porto Calvo. Batizado Francisco, na sua vivência católica aprendeu português e latim, além de ter tido contato com a literatura clássica que teriam contribuído na formação do futuro líder e estrategista quilombola. Aos quinze anos, foge de Porto Calvo e retorna a Palmares. (sobre esta versão da história de Zumbi, assista à animação “O Coroinha”). Estima-se que Zumbi tenha nascido na primeira metade dos anos 1650 – com pequenas variações nas quais preponderam as hipóteses de 1652 e 1655 como as mais citadas – e teria retornado ao território livre de Palmares por volta de 1666 (ou, pelo menos antes de 1670). Os primeiros registros escritos sobre Zumbi são do ano de 1873, em relato das frustradas e derrotadas expedições militares que se sucediam para derrubar Palmares. relatavam a presença de um “grande general; astucioso e audaz”, indicando a reconhecida autoridade e liderança militar em que se constitui, ainda muito jovem.

Por volta de 1678, quando Zumbi tinha entre 19 ou 25 anos, substitui ao seu tio, Ganga-Zumba que confiou no então governador de Pernambuco que ofereceu a liberdade a toda a população aquilomabada em Palmares, em troca do fim das atividades paralelas do quilombo (libertação de escravos e comercialização com as cidades “brancas” coloniais). Zumbi não aceitou este acordo. Ganga-Zumba teve um fim que parece emblemático se tomamos em conta a política brasileira atual: ao aliar-se e conchavar-se com seus inimigos, “com a melhor das intenções”, recebeu de volta a traição e a morte, além do aviltamento de sua história pregressa.

Zumbi assume o papel de principal liderança política da nação palmarina que contava então com cerca de 20mil habitantes. Para termos noção da grandiosidade desse emprendimento – extra-oficil e clandestino – Salvador, Capital do brasil desde 1549, contava ao fim do século XVII com quantidade similar de habitantes. No final do século XVII, Salvador e o Recôncavo tinham cerca de 35 mil habitantes, dos quais 20 mil eram escravos. Apenas em 1724 dispomos de um dado que indica uma população soteropolitana de 28 mil habitantes. Dá pra ter uma ideia de quanto Palmares incomodava! Pela proporção que tomou e pela inspiração contestatória que representava.

Empenhando toda sua força e investimento nas tropas de Domingos Jorge Velho, o governo de Pernambuco, a serviço da Coroa Portuguesa, deslocou um exército de dois mil homens experimentados nos desserviços de apresamento, rapto e estupro das populações indígenas ou escravizados fugidos. Em 1692, Velho cercou o Mocambo (ou Quilombo) do Macaco, onde estava Zumbi, mas teve suas tropas rechaçadas pela resistência palmarina. Após cerca de dois anos de cerco permanente, foi sitiado novamente em janeiro de 1694, capitulando por completo em 6 de fevereiro. Daí então deu-se início a uma verdadeira caçada respondida por uma audaciosa tática de guerrilhas que só teve fim com a execução de Zumbi no dia 20 de novembro de 1695.

A exposição do corpo esquartejado espalhado por vário pontos de Pernambuco era para ser exemplar. A cabeça em praça pública, com o pênis e testículos dentro da boca, deveria ser um terrível aviso para quem ousasse seguir o exemplo de Palmares!

Esta é apenas umas das histórias que forjaram nossa sociedade, tida por alguns como caso exemplar de democracia racial, na qual o amálgama das raças teria gerado um país sem conflitos raciais – pelo menos não nos termos de confronto físico como já se viu no Apartheid da África do Sul ou sobretudo nos confrontos nos Estados Unidos – como Los Angeles nos anos 90 ou agora há pouco em Ferguson. No entanto, se o exemplo da repressão aos palmarinos soa como algo distante para algumas almas incautas, podemos olhar para a nossa volta, hoje!

Vivemos uma situação que, sem nenhum exagero, é nomeada como genocídio da juventude negra no Brasil! De cada 4 jovens assassinados, 3 são negros!

Dados da Anistia Internacional apontam para o elevado número de 30 mil jovens, entre 15 e 29 anos, assassinados anualmente – são 7 a cada 2 horas! Deste total, 77% são negros. Em geral tais execuções/homicídios tem a mão direta do Estado e da sociedade. A sociedade condescendente com esta chacina parece se importar menos com a morte de jovens negros do que a de jovens brancos, conforme dados de pesquisa realizada pelo DATASENADO, em 2012.

Alguém lembra da tragédia que vitimou o menino João Hélio, em 2007? Um carro roubado por três homens que exigem que a mãe e os dois filhos saiam do carro rapidamente. Na pressa e na tensão do momento, o menino de 5 anos (ou pouco mais que isso) fica preso pelo cinto de segurança, pelo lado de fora do carro e é arrastado por alguns quilômetros até sua morte. Campanhas nacionais, editoriais indignados, comoção nacional. Alguns meses atrás, a polícia carioca, em uma ação desastrada atingiu com munição letal – eufemismo para dizer que no morro a bala come pra valer! – uma mulher, trabalhadora, que havia saído de casa para comprar pão para os filhos e sobrinhos de quem tomava conta. Ao socorrerem a sua vítima, os algozes policiais, a colocam no porta malas. Supostamente levariam-na para receber atendimento médico, no entanto, no afã de sumirem do flagrante, deixam o porta-malas mal fechado e ela fica pendurada à viatura, sendo arrastada pelo asfalto até sua morte. A “mulher arrastada pela polícia” tinha um nome, pouco citado pela imprensa: era Claudia Silva Ferreira.

O que há de diferente entre estes casos? Uma foi realizada por assaltantes e bandidos(sic) e outra pelas autoridade policiais? Também. Mas coincidentemente há uma assimetria de raça e cor entre as duas tragédias: Cláudia era negra e pobre.

Não trata-se de reduzir uma tragédia ou ampliar outra. Certamente a dor de cada uma das famílias é imensurável e incomparável. Apenas quero apontar para a perversa seletividade com que atua a mídia e a sociedade brasileiras, agindo de forma desigual e racializada. Seletividade que também é visível na ação repressora e genocida do Estado, da polícia e da justiça. Além da raríssima efetividade nas investigações ou punições aos assassinos de jovens negros é sobre estes que recai a pecha de suspeito padrão.

Nas célebres jornadas de junho/julho de 2013, entre tantas significações e interpretações possíveis, tivemos mais um exemplo da seletividade racista com que operam a polícia e a justiça: temos apenas um preso por protestos no Brasil. É Rafael Braga, jovem, negro, que portava Pinho Sol na mochila e passava perto de uma manifestação em 20 d ejunho do ano passado.

Enquanto arrastam nossas Claudias – negras! – e somem e prendem com nossos Amarildos e Rafaeis – negros! – os bandeirantes de outrora continuam sua perseguição nos dias de hoje. Ao passo que alguns insistem em ignorar o racismo que opera diariamente entre nós.

 

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P.S.¹: Ao enfatizar Zumbi, em função da data, fui lembrando também de muitas mulheres negras que merecem páginas e páginas para destacar sua coragem, bravura e grandeza na luta e na resistência negra no Brasil. Quem sabe uma inspiração (compromisso) para algum texto futuro por aqui?

P.S.²: Fiquei imaginando a cobertura “jornalísitca” que teria tido o combate aos palmarinos, nos termos da mídia corporativa atual. 

Pra não passar em branco: Zumbi dos Palmares, resistência e ‘racismo cordial’ no Brasil, pelo viés de Alcir Martins

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