Rancière, política e democracia: ruptura como expressão da igualdade

Ranciere2
Foto: Annette Bozorgan/Wikimedia Commons

A ruptura é geralmente vista como a ação de vândalos, que nada mais são do que uma gentalha sem sentido, ilegitimamente reivindicando participação em assuntos para os quais ela não teria nada a contribuir. De fato, essa parece ser a visão dominante sobre qualquer grupo que conteste o atual estado das coisas a fim de mudá-lo radicalmente. Por isso, considero aqui as ideias do filósofo francês Jacques Rancière sobre política como a expressão fundamental de igualdade, inseparável de uma real democracia. Trata-se, numa primeira análise, de uma resposta ao uso pervertido da palavra ‘democracia’ a fim de que, de um lado, dê-se a impressão da igualdade quando se permite, por exemplo, que se proteste (mas ‘sem bagunça’) e, de outro, use-se a própria palavra ‘democracia’ como uma fator limitante da ação, alegando-se que ela já existe como está e que, portanto, qualquer ruptura seria, na verdade, um ataque contra a democracia.

A distribuição do sensível e a polícia

‘L’État, c’est moi’. Diz-se que Luís XIV, também conhecido como o Rei Sol, bradou que ele mesmo era o Estado. À sua visão e à ideia geral de monarquia, o rei não é um representante do povo, não é guardião temporário do conhecimento e do poder. O rei é, pelo contrário, a encarnação da própria ideia de unidade. Seu papel lhe foi dado por Deus e é transmitido a seus herdeiros legítimos. O Rei está como se fosse o Uno.

Essa máxima, dita ou não por Luís XIV, representa, de qualquer forma, o conceito de que há dois elementos que se fundem e se confundem no corpo daquele com direito à coroa. Há primeiro um ordem simbólica, aquela do próprio Deus, que diz respeito à designação positiva do ser. Além dessa, há a ordem real, que é aquela do rei como pessoa, como indivíduo cujo papel é o de encarnar o poder do Uno simbólico. Ele deve garantir que tudo siga os planos de Deus; mesmo porque só o rei mesmo poderia entendê-los.

No entanto, fica a questão sobre a possível incongruência entre o rei como porta-voz de Deus e o rei como homem. E se o homem não for sábio mesmo que a coroa lhe pertença? Daí que surge a noção derradeira de que um verdadeiro rei é um rei sábio — o que porta duas conexões com as ideias de Jacques Rancière. A primeira tem a ver com a legitimidade do indivíduo soberano, o monarca. Quem tem direito à coroa? No fim, queda-se sendo ou o altonato — isto é, aquele que nasceu entre os nobres — ou o conquistador. Essas possibilidades denotam respectivamente as ideias de controle de acordo ou com berço ou com riqueza. Esta-cá sendo uma característica inevitável de qualquer conquista: a linha entre guerras de espadas e guerras de moedas são inquestionavelmente confusas — se se podem distingui-las de qualquer maneira.

Já que não são todos que podem governar, as pessoas recebem lugares e papeis únicos que supostamente se adequam à sua capacidade de contribuir para a comunidade como um todo — nenhum dos quais, no entanto, é equitativo um ao outro.

Interesso-me mais, porém, pela segunda conexão, que parece ser central para Rancière: aquela da sabedoria. A questão, aqui, não se trata de quem tenha direito à coroa, mas de quem seja capaz. Refiro-me à crítica que Rancière faz da República, de Platão, em que a figura do filósofo-rei vem à tona como o mais capaz de reger pois ele seria capaz de filosofar — basicamente, de pensar adequadamente. Platão escreveu sobre a ‘bela cidade’, a utópica kallipolis, como tendo três estratos, onde cada pessoa é devidamente alocada de acordo com suas habilidades: “Aqueles que são dominados pelo seu apetite ou pela parte aquisitiva, o melhor papel que podem desempenhar é o de comerciantes e produtores. Aqueles que são dominados pelo espírito são os guardiões da cidade. E aqueles que são dominados pela razão, que são capazes de apreender a natureza das formas e especialmente aquela do próprio Deus, devem reger” (May, 2008: 42).

Para Platão, assim, o poder para reger pertence àqueles que são essencialmente mais inteligentes do que os outros. O mais sábio deve ser o rei. Existe aí uma questão de distribuição. Já que não são todos que podem governar, as pessoas recebem lugares e papeis únicos que supostamente se adequam à sua capacidade de contribuir para a comunidade como um todo — nenhum dos quais, no entanto, é equitativo um ao outro.

Essa distribuição está enraizada na forma com que as coisas são percebidas, no mundo como um dado, arranjado ordenadamente e aparentemente organizado de acordo com atribuições metafísicas insuperáveis. Rancière lo chama de distribuição do sensível (le partage du sensible). É o “sistema de fatos evidentes por si mesmos da percepção sensorial que, simultaneamente, revela a existência de algo em comum e as delimitações que definem as partes e as posições respectivas dentro dele” (Rancière, 2004: 12).

A distribuição tem um sentido duplo. Em francês, partager denota tanto uma generalidade dividida com outros como uma divisão em porções separadas. “A partilha do sensível se refere à maneira com que uma relação entre um comum compartilhado (un commun partagé) e a distribuição das partes exclusivas é determinada na experiência sensorial” (Rancière, 2010: 36). É o princípio pelo qual existem simultaneamente participação por um lado e, por outro, separação e exclusão. O importante aqui é entender, além do significado duplo do termo original francês, o significado de distribuição, pois nele queda-se uma certa passividade. A distribuição do sensível é uma materialidade, passiva e inextricável por si só — recebe-se o que é distribuído de outrem, não necessariamente aquele que foi criado por si.

Antes de reprimir, portanto, a polícia reafirma a legitimidade da distribuição do sensível em termos um tanto tautológicos, como se dissesse ‘deve ficar assim porque está assim’.

Como se mantém essa passividade? A resposta, para Rancière, é a polícia, que pode ser entendida como aquilo a que Michel Foucault chamava de ‘governabilidade’, isto é, “a prática de governar” (May, 2008: 41). A polícia é o conjunto de instituições fundamentadas sobre uma suposta comunalidade ética, agindo como guardiões da distribuição do sensível. A polícia, dessa forma, diz respeito àquelas porções da distribuição do sensível supracitadas que contam de fato. Ou seja, “grupos reais definidos pelas diferenças de nascimento e pelas diferentes funções, pelos diferentes lugares e interesses que compõem o corpo social na base da exclusão de todos os suplementos” (Rancière, 2010: 36). Antes de reprimir, portanto, a polícia reafirma a legitimidade da distribuição do sensível em termos um tanto tautológicos, como se dissesse ‘deve ficar assim porque está assim’.

Além disso, há uma qualidade ontológica à polícia. Ela existe pela assunção da originalidade daquilo que tem sido sobre aquilo que poderia vir a ser. Relaciona-se profundamente com o conceito de arkhê, a ideia da primazia que se desenvolve em poder, que “pressupõe que uma determinada superioridade seja exercida sobre uma inferioridade igualmente determinada” (Rancière, 2010: 30). Assim, a polícia pode ser encarada como a materialização da crença no Uno, na unidade — seja a de Deus, do rei ou até mesmo da própria sociedade contratual.

A revolução da existência sensível

É claro que, na estrutura imposta pela arkhê, portanto, há um estrato superior da sociedade que tem direito a governar — ratificando as ideias de Platão sobre o filósofo-rei. Ademais, a percepção de que há um grupo capaz de governar leva à existência inevitável de uma porção da sociedade que não está apta a fazê-lo e que é, assim, banida a uma posição de inferioridade quintessencial.

Aqueles que são inferiorizados, cuja única função é a de serem súditos, formam primeiramente um ochlos indistinguível, isto é, “uma massa ou ralé turbulenta, disruptiva e indeterminada” (Valentine, 2006: 47). O ochlos é a derradeira massificação de todas as pessoas que são vistas como desiguais da forma mais perversa: elas não são intelectualmente capazes de fazer nada, elas representam uma negatividade no cerne da humanidade. Muito menos são elas capazes, então, de interferir com o governo do todo. O que sobra a essa ralé é ser controlada.

Quando o povo percebe que é enfraquecido ao lhe serem talhados quaisquer atributos positivos pela desigualdade disfarçada de incapacidade, o demos torna-se político.

Ao passo que o ochlos é controlado e lhe é ‘racionalmente’ designada uma posição por aqueles que têm direito a governar, pacifica-se-lo transformando-o numa versão simplista do povo — o demos. Enquanto o ochlos é uma gentalha irracional, o demos foi integrado à distribuição do sensível precisamente por sua exclusão de qualquer participação ativa em tal distribuição. O populacho tem um papel: ser inferior, ser governado e não governar. A gentalha, a ralé é uma ameaça de desordem; ela não tem nenhuma parte.

O ochlos, no entanto, deve ser entendido como um potencial controlado dentro do demos. O “ochlos é o nome para a divisão interna do nome do povo” (Valentine, 2006: 52). É a ruptura pela qual o demos pode se conscientizar de sua posição. Assim, quando o povo percebe que é enfraquecido ao lhe serem talhados quaisquer atributos positivos pela desigualdade disfarçada de incapacidade, o demos torna-se político.

Política é a quebra do consenso à medida que renuncia uma inferioridade essencial pela qual alguns devam governar e outros (o resto), obedecer.

A ideia de política, para Rancière, é, portanto, um desacordo “entre desigualdade ordenada e igualdade desordenada” (Hewlett, 2007: 101-102). A política rompe com a ordem que é guardada pela polícia. É uma asserção ativa da igualdade pelas partes do povo que não ‘fazem parte’, que não são ouvidos nem vistos. Essa asserção se baseia no dissenso, que “não é uma confrontação entre interesses e opiniões. É a manifestação de uma lacuna no sensível” (Rancière, 2010: 38). Política é a quebra do consenso à medida que renuncia uma inferioridade essencial pela qual alguns devam governar e outros (o resto), obedecer — estes-cá a quem nada mais há além de aceitar o que lhes é dado. Rancière argumenta que a verdadeira política é, assim, a expressão da igualdade pressuposta, uma que é anterior à ordem das coisas ao contrário de um “objetivo a longo-prazo pelo qual se deve lutar com a ajuda de uma abordagem localizada dentro da tradição iluminista de progresso social” (Hewlett, 2007: 94). Política se refere ao protagonismo do povo naquilo que concerne sua contribuição para o todo.

Rancière foi influenciado por Joseph Jacotot, um pedagogo francês que criou um método chamado ‘emancipação intelectual’. Rancière, como Jacotot, toma a igualdade como um ponto de partida para a análise política. Igualdade não é, portanto, a razão para um distribuição aparentemente justa de partes na sociedade de acordo com as capacidades desiguais das pessoas. Igualdade é a pressuposição de que todos são virtualmente aptos para se envolverem ativamente no governo do todo.

Como é que a política acontece então? Acontece quando essas porções marginais que foram banidas ao demos se manifestam e fazem suas vozes serem ouvidas e seus rostos, vistos.

A pressuposição da igualdade não implica, entretanto, a supressão de diferenças. Igualdade é “um marcador de semelhanças numa história de diferenças” (May, 2008: 68). Olhemos para o exemplo da cor de pele. Se nos debruçamos sobre o preconceito contra pessoas negras, por exemplo, há uma questão de desigualdade baseada numa diferença. Cor de pele é uma clara diferença corporal. Parece ridiculamente óbvio ter de dizê-lo, mas algumas pessoas têm pele preta, outras têm pele branca e existem ainda infinitos tons entre elas e além delas. Isso é diferença. Desigualdade, aqui, tem a ver com a designação desproporcional de participação baseada em tal diferença, o que significaria que brancos têm mais direitos, mais impacto sobre a sociedade — em outras palavras, são mais valorizados do que pessoas de outros tons de pele, pois são brancos. Racismo é a assunção simbólica de que a cor da pele não é só uma diferença, mas um marcador inescapável de desigualdade intelectual, de inaptidão intrínseca a ter-se uma parte autodeterminada na sociedade. A ideia de Rancière sobre igualdade, portanto, não ignora as diferenças — ela parte da noção de que a diferença é uma questão de perspectiva que não legitima arranjos desiguais do todo precisamente porque somos todos a priori iguais.

Dessa forma, a política acontece no reconhecimento da desigualdade na distribuição do sensível. “Não pressupõe simplesmente uma quebra com a distribuição ‘normal’ de posições que define quem exerce o poder e quem está a ele submetido. Também requer uma quebra com a ideia de que existem disposições ‘específicas’ a essas posições” (Rancière, 2010: 30).

Porém, como é que a política acontece então? Para Rancière, “ao suplementar-se [o arranjo das coisas] com uma parte daqueles que não tinham parte, identificados com a comunidade como um todo” (2010: 36). Ela acontece quando essas porções marginais que foram banidas ao demos se manifestam e fazem suas vozes serem ouvidas e seus rostos, vistos.

A definição de Rancière sobre democracia real é o único resultado possível da política e está fortemente conectada ao reconhecimento das visões e dos interesses das pessoas comuns à medida que elas “assumem significância universal” (Hewlett, 2007: 112). A política democrática se refere, assim, a um processo de emancipação, isto é, de supressão de limites entre centro e periferia, entre aqueles que regem e aqueles que obedecem. Igualdade é a razão pela qual a política advém da pessoa comum, antes sujeitada à ordem das coisas, em forçar a sua própria existência como um elemento a ser considerado na determinação do todo.

Finalmente, essa ideia de política leva à ideia de Rancière sobre a revolução da existência sensível, ou seja, “uma revolução dentro da própria ideia de revolução, na ideia de revolução das formas da existência sensível em contraponto à revolução das formas de Estado” (Rancière, 2009: 33-34). Política é, portanto, revolucionária à medida que se compromete a instituir dissenso permanente que vem da percepção própria dos sans-part, daqueles que não contam na sociedade.

Críticas e aspirações

As ideias de Rancière evocam certas críticas, especialmente no que tange duas grandes questões. A primeira delas tem a ver com o que eu chamo de limitação dos eventos políticos. A segunda não é exclusivamente aplicada a Rancière, mas é frequentemente posta às teorias sobre igualdade e emancipação, e tem a ver com a substituição do poder.

A questão da limitação dos eventos políticos se refere ao fato de que política, como Rancière a entende, torna-se algo bastante raro e efêmero. Só acontece no levante daqueles porções da sociedade que eram desconsideradas pelo todo. Isso significa que a política esteja fadada às margens? Isso não levaria a uma estigmatização da política como uma lacuna intransponível entre margens e centro, ou seja, entre política e polícia? Como escreveu Hewlett (2007: 111): “Como podem os sans-part, que Rancière promove tão eficientemente em sua teoria, ter um papel integral e positivo numa sociedade organizada democraticamente se a própria existência da democracia depende de seu papel marginal numa estado aparentemente constante de revolta”?

A característica a ser notada, aqui, é a ideia de que a limitação dos eventos políticos parece seguir o caminho inverso da ideia de Rancière. Política advém da distribuição desproporcional de posições e papeis na sociedade, não o contrário. Ou seja, a política é o resultado de se contestar a desigualdade através de uma asserção da igualdade, não através de naturalização da posição marginal. Não é, portanto, ao se aceitar uma posição marginal que se faz política. Existem eventos políticos à medida que essas posições são justamente negadas. Política se refere ao movimento das margens contra o papel do centro em determinar a marginalidade.

Política não tem, portanto, nada a ver com a inversão de posições na sociedade (o escravo tornar-se o mestre), mas com a ativação da igualdade pressuposta como o caminho para a emancipação dentro de um certo contexto de dominação e exclusão.

A segunda questão é: política significa, então, que as margens simplesmente querem tomar o poder do centro? Elas só querem destronar o rei para se tornarem, elas mesas, as novas rainhas? A resposta para essa pergunta é simplesmente: não. Novamente, política nada tem a ver com a administração do todo, para Rancière, mas com a possibilidade de se contestá-la. Olhemos para o exemplo do racismo mais uma vez: existe um discurso de que o que os negros querem fazer é ‘ganhar privilégios’ e ‘retirar direitos dos brancos’. Ou seja, querem dizer que querem simplesmente assumir a posição de novos mestres. Esse discurso é totalmente falso porque ignora a própria distribuição do sensível atual, em que negros (e tantos outros) foram deixados às margens justamente em detrimento dessa diferença tomada como índice histórico máximo de inaptidão. Ou seja, não se contesta quem está nas posições de centro e de margem, mas os processos e as noções pelos quais essas posições foram determinadas.

Enfim, precisam-se abandonar essas generalizações rápidas e rasas de que política significa sujeira, corrupção e descaso. Política é a percepção da igualdade em face da exclusão da sociedade como um todo. Ela contesta as distribuições de papeis e posições que enfatizam alguns grupos ao preço de se ignorarem outros. Política não tem, portanto, nada a ver com a inversão de posições na sociedade (o escravo tornar-se o mestre), mas com a ativação da igualdade pressuposta como o caminho para a emancipação dentro de um certo contexto de dominação e exclusão. Política não deve ter esse teor comum negativo — política é asserção da igualdade em romper com a ordem em referência a toda distribuição excludente que tenha sido imposta entre aqueles que podem governar e aqueles que nada podem além de se submeter. 

Referências:

Hallward, P. (2006). Jacques Rancière and the subversion of mastery. In: Robson, M. (ed.). (2006). Jacques Rancière: aesthetics, politics, philosophy. Paragraph 28(1): pp.26-45.

Hewlett, N. (2007). Jacques Rancière: politics is equality is democracy. In: Hewlett, N. (2007). Badiou, Balibar, Rancière: re-thinking emancipation. Londres: Continuum, pp.84-115.

May, T. (2008). Active equality: democratic politics. In: May, T. (2008). The political thought of Jacques Rancière: creating equality. Edimburgo: Edinburgh University Press, pp.38-77.

Rancière, J. (2009). Aesthetics as politics. In: Rancière, J. (2009). Aesthetics and its discontents. Londres: Continuum, pp.19-60.

___________. (2010). Ten theses on politics. In: Rancière, J. (2010). Dissensus: on politics and aesthetics. Londres: Continuum, pp.27-44.

___________. (2004). The politics of aesthetics: the distribution of the sensible. Londres: Continuum.

Robson, M. (2006). Introduction: hearing voices. In: Robson, M. (ed.). (2006). Jacques Rancière: aesthetics, politics, philosophy. Paragraph 28(1): pp.1-12.

Valentine, J. (2006). Rancière and contemporary political problems. In: Robson, M. (ed.). (2006). Jacques Rancière: aesthetics, politics, philosophy. Paragraph 28(1): pp.46-60.

RANCIÈRE, POLÍTICA E DEMOCRACIA: RUPTURA COMO EXPRESSÃO DA IGUALDADE, pelo viés de Gianlluca Simi

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

xxn xnnx hindi bf xnxxx junge nackte frauen

Posts Relacionados

Comece a digitar sua pesquisa acima e pressione Enter para pesquisar. Pressione ESC para cancelar.