A redução da maioridade penal, almejada por quase 93% da população, provavelmente não será aprovada no Brasil. Apesar da recente expansão da bancada conservadora no Congresso, é necessário que 3/5 da Câmara concordem com a mudança constitucional o que, na opinião de especialistas, não aconteceria atualmente.
O advogado com experiência em Direitos Humanos e coordenador do programa de justiça da ONG Conectas Direitos Humanos, Rafael Custódio, explica que, além da medida ser muito polêmica – o que prejudicaria a aprovação – ela é inconstitucional. Segundo ele, a maioridade penal aos 18 anos é uma cláusula pétrea da Constituição, ou seja, não pode ser alterada.
“Teríamos que elaborar uma nova Constituição. Além disso, representaria um retrocesso à sociedade e uma restrição de direitos, o que é proibido pela lei”
A proposta é de autoria do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB – SP), que era candidato a vice-presidente da chapa de Aécio Neves, e prevê a possibilidade de desconsiderar a imputabilidade penal para menores entre 16 e 18 anos que venham a cometer crimes tipificados como hediondos.
O projeto, registrado como PEC 33/2012, tramita no Senado Federal. Apesar de ter sido rejeitado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Nunes conseguiu a assinatura de 27 senadores para aprovação de um requerimento que permite que o texto entre em discussão no Plenário. Se não houver alterações, ele poderá ser votado e, se aprovado por 49 senadores (3/5 da Casa), é encaminhado para a Câmara, onde precisa da aprovação de 308 deputados. Um levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) indica que, dos 513 deputados eleitos, 20 são ligados à área da segurança. Eles defenderão temas ligados a mudanças na legislação penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, reforma do sistema prisional e novas políticas sobre drogas e adolescentes infratores.
No Congresso, mais de 50 propostas tratam do tema. A professora de Direito da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Ana Paula Motta Costa, afirma que alguns desses projetos não têm como proposta alterar a idade, mas utilizam-se de outros artifícios – como o aumento do grau de responsabilização – para aplicar medidas mais punitivas aos adolescentes.
O 7º promotor de Justiça em atividade do 1º Tribunal do Juri de Porto Alegre, Eugênio Paes Amorim, propõe a criação de uma emenda constitucional para reduzir a maioridade penal. De acordo com ele, a solução seria mudar, na Constituição, somente a regra que diz respeito à idade.
“Existem os princípios, que são imutáveis, e as regras, que podem ser mexidas. Nesse caso, o princípio é que deve haver uma idade limite para a responsabilidade penal, e a regra é quantos anos em si, e isso é possível de ser modificado”
Amorim sugere reduzir a maioridade penal para 12 anos em casos de crimes hediondos. Entretanto, ao ir para a cadeia comum, essa criança ou adolescente seria separada dos adultos. Ele explica que a sociedade evoluiu e que já foi alterada a idade para outros direitos, como votar e dirigir. Além disso, afirma que, muitas vezes, os adultos se utilizam dos adolescentes para assumir a culpa pelos crimes.
“O presídio não vai resolver a situação e não é para fazer isso mesmo, é para punir. Quem comete crimes graves deve ser punido. Hoje, você gasta 7 mil reais por mês com um tratamento piegas que vê os adolescentes como coitadinhos.”
O promotor acha, porém, que a proposta dificilmente será levada adiante, pois o número de deputados contra a medida é bem maior.
93% da população é a favor da redução da maioridade penal
O apoio para a aprovação do projeto é muito grande. No Brasil, 92,7% das pessoas são a favor, de acordo com uma pesquisa feita em junho do ano passado pela Confederação Nacional dos Transportes, em conjunto com o instituto MDA.
Ana Paula acredita que os governantes querem atender a um apelo do povo.
“A sociedade é punitivista, acha que tudo se resolve pela punição. Os adolescentes já respondem pelos seus atos de forma muito rígida, mas ainda há uma desinformação sobre isso.”
O Estatuto da Criança e do Adolescente atesta que o jovem que cometer um ato infracional deve ser responsabilizado com medidas socioeducativas, como advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. A medida é aplicada segundo a gravidade da infração. No Rio Grande do Sul, eles são enviados para a Fundação de Atendimento Sócioeducativo do Rio Grande do Sul (Fase). Atualmente, as unidades abrigam, em todo o Estado, 1.202 internos, 54,9% na Capital.
Dos crimes cometidos no Brasil, apenas 4% do total foi por adolescentes. Destes, somente 2,9% foram hediondos. Os atos infracionais análogos aos crimes contra o patrimônio (roubo tentado e consumado, furto, estelionato e receptação) e tráfico de drogas correspondem a 72% desse total. Além disso, grande parte da literatura sobre o tema denuncia que as taxas de incidência de ato infracional por adolescentes têm caído significativamente ao longo do século XX quando em comparação aos crimes. Os dados são do 7º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em 2013, e que apresenta os números de atos infracionais cometidos em todo território nacional no ano de 2011. No Rio Grande do Sul, o crime mais comum é roubo, que representa 43,2%.
Redução da maioridade penal não é a resposta para violência
Custódio alega que a redução da maioridade penal privaria crianças e jovens do direito à reeducação, e faz apenas com que pessoas ingressem cada vez mais cedo num ambiente que é, por natureza, inadequado para quem ainda está em fase de formação.
Ele diz, ainda, que ocorre uma dupla punição do poder público, já que o adolescente que seria compreendido pela alteração provavelmente é aquele que, por omissão do Estado, chegou ao ponto de estar cometendo um crime.
“O Estado não só deixou de provir o que era para ter sido provido, como agora quer prender aquele menor que delinquiu. Nós estamos somente criminalizando a pobreza com outras medidas.”
Já Ana Paula pensa que o presídio adulto é muito mais difícil de ser governado pelo executivo. Ela afirma que no sistema socioeducativo ainda é possível fazer um tratamento diferenciado, de acordo com as particularidades do adolescente.
Amorim também crê que a medida, por si só, não conterá a violência. Segundo ele, o governo deve investir em educação. Do contrário, a redução será apenas uma resposta paliativa.
Proposta de reduzir a maioridade penal não será aprovada no Brasil, dizem especialistas, pelo viés de Carolina Fortes.
Carolina Fortes é estudante de Jornalismo da PUCRS