Tabaré Vázquez nasceu no cinzento bairro operário de La Teja, situado na periferia de Montevideo, em janeiro de 1940. A região é conhecida por abrigar as refinarias de combustíveis da cidade, ramo que empregou o pai de Vázquez, Héctor, e o despediu e prendeu no início da década de 1950, em meio a um conflito sindical. Tabaré, o filho, permaneceria em La Teja e anos mais tarde chegaria a presidir o clube de futebol do bairro, o Progreso. A entrada na política institucional se daria através do Partido Socialista (PS), uma das forças da Frente Ampla (FA). Com Tabaré como candidato, a coalizão da esquerda uruguaia alcançaria as suas primeiras grandes vitórias eleitorais no país: a prefeitura de Montevideo, em 1989, e a presidência da República, em 2004. Mais do que isso, a FA passaria a romper a hegemonia histórica de blancos e colorados na política uruguaia. E no dia 26 de outubro buscará o terceiro mandato consecutivo na presidência, outra vez com Tabaré Vázquez à frente.
O socialista governou de 2005 a 2009 e deixou a torre da Plaza Independencia com altos índices de aprovação, por volta de 70%. No seu mandato, tiveram início os programas de distribuição de renda e pôde ser observada uma mudança no eixo das relações internacionais: a aproximação diplomática e comercial agora mirava mais a América Latina do que o norte. Em 2008, Vázquez contrariou a maioria da FA e vetou, desde a presidência, o projeto que despenalizaria o aborto no país. O veto é constantemente relacionado às convicções religiosas do ex-presidente, mas o tema não deixou de ser discutido após a primeira tentativa. Quatro anos mais tarde, já com José Mujica no lugar de Tabaré, o aborto seria rediscutido no Congresso e enfim descriminalizado no Uruguai.
Se eleito no dia 26 de outubro, Tabaré encontrará um cenário político muito distinto do seu primeiro governo: a Frente Ampla não é mais a novidade que rompeu com a sequência dos partidos tradicionais, pois já é situação há dez anos. E verá um país que, com Mujica e um Congresso impulsionado pela maioria parlamentar da FA, pôde aprovar também projetos relativos à regulação da produção, distribuição e venda da maconha e ao casamento gay. As decisões progressistas colocaram o Uruguai diversas vezes no foco da imprensa latino-americana e mesmo estrangeira, e Mujica fez com que seus discursos ecoassem na ONU e na cúpula do Rio+20, entre outras ocasiões. Dentro dos limites dos departamentos uruguaios, no entanto, a FA enfrenta certo desgaste político e, a jugar pelas pesquisas e a campanha eleitoral em andamento, as eleições do fim de outubro devem ser apertadíssimas.
Os adversários de Tabaré Vázquez são herdeiros de famílias tradicionais e exibem sobrenomes importantes. Luis Alberto Lacalle Pou, 41 anos, do Partido Nacional, é filho do ex-presidente blanco Luis Alberto Lacalle, que governou o Uruguai de 1990 a 1995. Jovem e com perfil empreendedor, Lacalle Pou aposta numa campanha “por la positiva” e garante manter, caso eleito, os programas criados nos dois últimos mandatos e que apresentaram bons resultados. Nos bairros centrais de Montevideo, a propaganda de Lacalle Pou supera por muito a dos demais candidatos e é também o rosto do candidato blanco o que mais aparece em placas de estrada nas principais rotas do país.
Para a disputa, o Partido Colorado aposta novamente no senador Pedro Bordaberry, filho do ex-ditador Juan María Bordaberry, que entregou o poder aos militares após o golpe de Estado de 1973. Juan María acabou preso e faleceu em 2011, quando ainda estava sob pena domiciliária por crimes de lesa-humanidade cometidos durante a ditadura. Pedro Bordaberry hoje é o principal quadro de um partido político que perdeu, com o tempo, grande parte do seu eleitorado, mas que atualmente leva adiante uma lenta, porém visível, reconstrução. À esquerda, concorrem Gonzalo Abella pela Unidad Popular (UP) e César Vega pelo Partido Ecologista Radical Intransigente (PERI). As últimas pesquisas mostram Tabaré Vázquez com aproximadamente 42% das intenções de voto, contra 32% de Lacalle Pou e 15% de Pedro Bordaberry. O cenário aponta para um provável segundo turno entre a Frente Ampla e o Partido Nacional, que deverá receber o apoio dos representantes colorados.
Em jogo
– Mais além da presidência, no dia 26 de outubro os uruguaios também opinarão sobre a possibilidade de reduzir a maioridade penal no país através de um plebiscito. O Partido Colorado e setores do Partido Nacional (como o de Lacalle Pou) são favoráveis à redução da idade penal mínima de 18 para 16 anos para determinados delitos. A Frente Ampla, as candidaturas independentes de esquerda e os movimentos sociais são contrários e se organizam num movimento denominado “no a la baja”.
– Ao longo do seu mandato, José Mujica defende uma postura de solidariedade internacional para o Uruguai. Na manhã desta quinta-feira (9), quarenta e dois refugiados da guerra civil da Síria foram recebidos no país pelo presidente. Outros devem chegar nas próximas semanas. Mujica também afirmou que o país aceita receber presos que seriam libertados do presídio estadunidense de Guantánamo em 2015. “O Uruguai sempre foi um país de refúgio e para nós é uma questão de princípio”, declarou ‘Pepe’ há alguns meses. O atual governo pretende que os ex-prisioneiros também recebam a condição de refugiados no momento em que desembarcarem no país. A decisão sobre Guantánamo caberá, no entanto, ao mandatário eleito. O Partido Nacional se posiciona de maneira contrária.
– A principal crítica da oposição aos dois últimos mandatos da Frente Ampla se refere à segurança pública. Lacalle Pou e Bordaberry apresentam dados sobre o aumento do número de furtos, roubos e assassinatos, principalmente em Montevideo, e prometem modificar e reforçar o policiamento. Ao tema, evidentemente, se relaciona o plebiscito de outubro que propõe a redução da maioridade penal no país.
O Uruguai corre o risco de sofrer uma virada à direita?, pelo viés do colunista Iuri Müller.