Soprava um vento frio e o Céu resolveu casar. Colocou um anel daqueles multicoloridos ao redor da Lua, feito dessas cores que não nos ensinaram a enxergar, mas que se consegue sentir no toque da brisa ao arrepiar da pele.
Na chegada, as flores estavam espalhadas pelo caminho onde todos teriam que percorrer e o aroma primaveril se fez presente em meio aos sorrisos e abraços de boas vindas.
A janela estava aberta desde o início e através dela se avistava uma cascata de flores que despencava em uma espécie de chuva de cores da estação. Uma linda moça dançava embalada por um batuque lunar, em um frenesi que enchia os olhos. Junto com ela todos os corações presentes vibravam através do som, que não sabiam, mas levariam consigo ao sair dali todo afeto que transbordava daquele palco.
Um flautado doce tocava a pele que sentia cada nota como um carinho. A mão, que transportava a energia para o outro e, por meio do calor, produzia uma série de ligações que saltavam, giravam e rodavam como uma ciranda mágica.
Um canto agudo que acalentava almas temerosas para que se entregassem àquele rito de passagem. A seguir, os graves intensificavam os movimentos e um berimbau chegou marcando o vigor dos passos, a ancestralidade que pulsa em cada um através da batida, através das cores das peles misturadas, deixando trans(bordar) a paixão da vida que se une através da dança.
O tambor revela a inquietude corporal provocada pela ressonância modular, de um toar que toca a alma, que embala o corpo, que nos faz essência, nem que esse pertencimento se faça apenas através do olhar.
A roupa que quer abandonar o corpo, mas permanece, o corpo que quer transpirar, mas suspira, as palmas que batucam, mas bailam.
Um ritmo que tem sabor, que tem toque, que tem sentidos outros que não só o da escuta e dos impulsos motores. Um imã que atrai todos a um único centro, que faz as peles se tocarem, os suores misturarem, que faz o calor evaporar felicidade e riso.
A plateia ofegante não se fez mera espectadora. Uniu-se à celebração desse pequeno grande grupo, que tornou-se uno, aglutinando-se àquelas centenas de pessoas como um líquido sonoro e dançante através do brilho nos olhos e cada respiração e suspiro dado.
Durante o trajeto de volta para casa, enquanto o coração ainda batia no ritmo daqueles passos, sob a Lua e o Céu, caminhando em um azul profundo e pulsante, o Sopro vivia em mim numa espécie de união que insiste em se perfazer através da lembrança das luzes coloridas e de cada movimento capturado dessa dança cósmica, que vou carregar em mim por onde for.
Texto inspirado no espetáculo Sopro, da Acasos Cia de Dança, que aconteceu dia 03 de outubro de 2014, no Theatro Treze de Maio.
Ficha Técnica do espetáculo:
Intérpretes-criadores: Caroline Turchielo, Clarissa Ferrer, Guilherme Capaverde, Letícia Nascimento Gomes, Pâmela Ferreira, Vinicio do Carmo.
Trilha sonora: Módulo Lunar (Ronaldo Palma)
Iluminação: Djefri Ramon
Confecção de figurino: Giza
Material Gráfico: Giacomo Giacomoni
Fotografia: Giacomo Giacomoni e Rafael Happke
Colaboradores: Alice Dalmaso, Thiago Santos, Joyce Noronha Rodrigues, Tiago Teles.
Sopro: Ritual de passagem para receber a primavera, pelo viés da colaboradora Carol Ferreira* e pelas lentes de Everton Tolves**.
*Carol Ferreira é blogueira e produtora cultural, participa do site de fotografia Lomocinhas, da marca de acessórios Cogumelices e é responsável pelo projeto Circuito Elétrico
**Everton Tolves é estudante de Arquivologia na UFSM.