Ode ao Pastor Parlamentar

Fala com Deus
todos os dias
por telefone.
E faz política
porque crê ter
missão celeste.
A sua tarefa
é controlar
o cu do próximo.
O cu é ungido:
coisa sagrada,
ente sublime.
O cu só pode ser
instrumento
de elevação.
Se caga, pode;
se peida, pode;
se dá, não pode.
O cu está
na infalível
mira dos anjos.
O cu é o mote
que tira o sono
da Divindade.
O cu é causa
da comoção
do Santo Espírito.
Do cu depende
o Fogo Eterno
ou Paraíso.
O cu, de fato,
é alfa e ômega
da ação moral.
O cu faz parte
da ocupação
do Onipotente.
Buraco negro
mais importante
do Universo,
Tendão de Aquiles
das almas fracas;
bastião das fortes.
Síntese das
viabilidades
contraditórias:
via de mão
dupla, para uns;
para outros, única.
Objeto implícito
de mil desejos
inconfessáveis.
Templo de culto
e adoração;
vão do pecado.
Apoio e ponto
arquimediano
da redenção
ou sucursal
da antecâmara
do próprio Inferno.
Incontornável
campo em disputa,
teatro de luta
das forças cósmicas,
frente avançada
do amor divino,
vital trincheira
e casamata
da fé e virtude,
paiol de Eros,
flanco onde ataca,
sem dó, o Diabo,
rubra maçã
que é da Discórdia
contemporânea,
valor de uso,
mas à mercê
do vil metal…
Mas, afinal:
quem é o senhor
que toma púlpitos
e fiscaliza
o cu alheio?
Xis da questão:
quem é o sujeito
que cobra à vista
e caça votos?
Que vende o Céu,
que colhe dízimos
e que acumula?
Que tem carrão
e bela casa
e é grã-fino?
Quais deveriam
ser as perguntas
de um fiel que lê?
Quem é o pastor
que atira pedras
nas “Madalenas”?
Com quem parece
tal criatura?
Em quem se mira?
Terno e gravata,
como empresário:
foi Deus quem deu?
Foi a pombinha
que lhe engordou
conta bancária?
Não quer pobreza,
tem bolso cheio:
igual Jesus?
ODE AO PASTOR PARLAMENTAR, pelo viés do colaborador Demétrio Cherobini*.
*Demétrio é cientista social e doutorando em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina.