“Para onde vai o Brasil?” fora a pergunta que tencionou uma série de debates no seminário “Eleições 2014”, promovido pelo programa de pós-graduação em ciência política e núcleo de pesquisa e documentação da política rio-grandense, nos dias 2, 3 e 4 de setembro na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Perfilados atrás da mesa de madeira, para onde o auditório do Instituo de Estudos Latino-americanos (ILEA) é voltado, cientistas políticos das principais universidades do país debateram os diferentes fatores que tornam a eleição de 2014 a mais aguardada e acirrada desde o pleito de 1989. Para contextualizar e evidenciar a complexidade do cenário da disputa, o ano de 2014 é simbólico por marcar o ano 50 desde o golpe militar e o ano 25 desde a inauguração do regime democrático a partir da Constituição de 1988. A sétima vez consecutiva que a democracia brasileira escolhe o presidente em um processo seguro de fraudes e distorções.
Uma eleição com fatores decisivos para torna-la inédita sob diversos prismas: os ecos e ares das grandes jornadas que levaram milhões de brasileiros às ruas em junho de 2013 exigiram uma nova postura dos candidatos e partidos em relação aos grandes temas da democracia brasileira; uma eleição em momento de recessão econômica do país se comparado a outros momentos de crescimento recorde; uma eleição híper midiatizada desde o desastre aéreo que vitimou um dos candidatos em disputa – fato que alterou subitamente o cenário eleitoral e as peças do jogo.
A política brasileira há algum tempo se tornara um caldeirão efervescente e imprevisível. Novos atores começam a criar força e a surgir dentro do cenário, alterando-o, redistribuindo as posições no campo e consequentemente aplicando novas perspectivas dentro das relações de poder que cerceiam o protagonismo da disputa eleitoral. O exercício de tentar mapear o campo, avaliar singularmente a evolução e eventual declínio dos candidatos e partidos, com a intenção de traçar prognósticos, é uma tarefa deveras ingrata. Inclusive para os especialistas, que mesmo amparados nas pesquisas como meio de aprimorar suas ferramentas de análise, estão em uma posição pouco confortável. É mesmo insensato traçar qualquer prognóstico antes de avaliar friamente o rumo que a política terá a partir da sentença máxima que virá das urnas e, quem sabe, da providência divina.
Para onde vai o Brasil? Eis a questão capaz de irromper e instigar nossa criatividade no sentido de ir atrás de uma resposta. E foi o que me propus, abordando os cientistas políticos José Álvaro Moises, professor titular do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), Claudio Couto, professor do Departamento de Gestão Pública (GEP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e Antônio Lavareda, presidente do conselho científico do IPESPE (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas), em entrevistas realizadas entre os dias 3 e 4 de setembro, dentro de um carro, a caminho do aeroporto.
Calvin Furtado: O que torna essa eleição, vou recapitular um pouco, a sétima eleição desde a abertura democrática, no ano 50 após o golpe militar, 25 após a abertura, diferente das demais?
José Álvaro Moisés: Nós estamos 50 anos após o golpe militar e 25 anos, quer dizer, um quarto de século da superação do regime militar e da ditadura, não é pouca coisa. Então é preciso colocar isso em contexto. O que torna essa eleição particularmente nova, diferente, com seu caráter inovador é o fato de que 20 anos depois de se ter estabelecido uma polarização entre PT e PSDB apareceu um novo polo no funcionamento da democracia brasileira. É um polo que tá de alguma maneira aglutinando uma força da esquerda moderada, que defende as teses da estabilidade econômica como parte de um tripé, que normalmente consolida essa estabilidade: cambio flutuante, controle da inflação, superávit fiscal para pagar a dívida do Estado; mas ao mesmo tempo uma posição de uma esquerda moderada que quer aprofundar as políticas sociais, e ela traz, e ela inova ao incluir na agenda do debate o tema do desenvolvimento sustentável. Isto por uma série de razões está polarizando uma nova posição. E é preciso dizer que essa polarização, esse novo polo que está surgindo também de alguma maneira conseguiu estabelecer um diálogo, conseguiu estabelecer uma voz em uma série de segmentos da sociedade brasileira que se demostram insatisfeitos com os rumos da política e com o funcionamento da política.
“Em relação aos partidos políticos, a desconfiança alcança 82%, 83%. Em relação ao Congresso Nacional chega perto de 80%. É muito. É uma taxa muito alta”.
Isso já estava aparecendo nas pesquisas sobre desconfiança política que vinham sendo feitas na universidade, inclusive pelo meu centro de pesquisa, que eu coordeno, pesquisas que eu coordenei que estão publicadas em dois livros sobre o tema da confiança, mas isso também aparece praticamente em pesquisas de opinião eleitoral, em pesquisas da universidade de Campinas, em pesquisas de organismos internacionais como o latino barômetro. Segundo a qual tem uma insatisfação, tem uma descrença, tem um distanciamento muito grande de uma parte substancial da população. E em relação aos partidos políticos, a desconfiança alcança 82%, 83%. Em relação ao Congresso Nacional chega perto de 80%. É muito. É uma taxa muito alta.
O meu argumento é que este novo polo que apareceu na competição eleitoral de 2014 de alguma maneira, pelo bem ou pelo mal, quaisquer que sejam os seus méritos ou seus defeitos, está conseguindo dialogar com esse mal estar da democracia brasileira. Está conseguindo dialogar e de alguma maneira está trazendo para dentro do sistema o segmento dos eleitores que diziam que não tinham candidato, que não queriam votar, que votariam em branco, queriam anular o voto, ou seja, tá de alguma maneira sendo capaz de polarizar, isto no entanto não resolve o problema. Embora traga para dentro e mobilize este segmentos que de alguma maneira estavam se situando fora do sistema, ou os que tem uma posição crítica em relação ao sistema, essa posição não está sendo suficiente ainda, pode ser que venha a ser até o final da campanha, mas não tá sendo suficiente para explicar o que que se teria no polo da chamada nova política que tá propondo.
Veja que isto não é pouca coisa porque em relação à posição dos outros dois candidatos, a candidata Dilma Roussef que pretende a reeleição, muito embora ela ainda se refira a estes problemas, ela ainda não conseguiu, digamos, polarizar o sentimento, a disposição dos segmentos que começaram a se manifestar de junho do ano passado e que tem uma posição crítica quanto ao governo. Ela fez uma tentativa, ela tentou ir nessa direção, mas talvez as coisas, a sua abordagem, as suas proposições não foram suficientes. Da mesma maneira, em relação a outro polo que tradicionalmente se contrapõe ao PT, que é o PSDB, embora o candidato Aécio Neves tenha, digamos, agido bem em enfatizar que em seu governo, se fosse eleito, não abriria mão das políticas sociais nem da estabilidade econômica, embora ele faça bem nesse sentido, o Aécio até agora não disse sequer uma palavra sobre como o governo do PSDB enfrentaria a necessidade da reforma política.
A única candidata que tá fazendo referência a isso é a Marina Silva, ainda que a meu juízo de uma maneira insuficiente, porque ela anuncia e ao mesmo tempo ela mobiliza com a ideia da nova política, sem explicar em mais detalhes como seria essa nova política; por exemplo: vai envolver o controle de financiamento de campanhas eleitorais? Vai envolver a modificação do sistema eleitoral, do sistema de eleição proporcional? Vai envolver o voto distrital misto ou não, ou majoritário? Vai, por exemplo, implicar na cláusula de barreira para você não ter o crescimento de partidos que muitas vezes não tem muita significação nem muita representação na sociedade? Todos estes temas que são fundamentalmente importantes na definição de uma possível nova política e de uma reforma não apareceram com clareza no debate. Então, eu acho que estamos em uma situação paradoxal, a eleição abriu um fenômeno inteiramente novo, é completamente diferente o panorama dessa eleição, por exemplo, em relação a 2010, mas algumas questões, alguns temas centrais ainda não tiveram suficiente maturação, suficiente debate para esclarecer o eleitor em que direção nós podemos ir, e se nós votarmos em A, em B ou em C, qual vai ser o resultado disso quando o governo se formar.
CF: Quais os elementos ou fenômenos dessa eleição que tornam ela uma eleição diferente das outras sete, dentro deste novo processo, deste novo momento do Brasil, dentro de um Estado democrático, o que torna esta eleição diferente das demais?
Claudio Couto: O que torna esta eleição diferente das demais é o fato de que esta é uma eleição na qual um centro padrão de competição que estava estabelecido e ele de alguma forma começa a se romper, que é a bipolarização entre PT e PSDB. Isso marcou o país, de 1994 para cá, todas essas eleições foram eleições as quais PT e PSDB tiveram o primeiro ou o segundo lugar, às vezes com segundo turno às vezes sem, mas sempre polarizando. E essa é uma eleição na qual uma terceira candidatura conseguiu romper esse momento e acho que isso deve se manter: a bipolarização deslocando um dos competidores, no caso o PSDB, e acho que esta é uma mudança de padrão da maior relevância.
“[Se] o eleitor tem mais alternativas a sua disposição, isso aumenta o grau de incerteza do jogo político, porque torna necessário que todos os elementos da classe política tenham que apresentar para o eleitorado alternativas mais viáveis, mais atraentes, e não necessariamente isso acontece quando você tem um cenário muito simplificado, muito bipolarizado, em que voto nesse porque eu rejeito muito fortemente aquele”.
CF: Por quê?
Claudio Couto: Ela é uma mudança da maior relevância porque ela na verdade mostra que existe mais diversidade no sistema partidário brasileiro que aquilo que se supunha. De que o jogo não está necessariamente definido de antemão. Ou seja, que o eleitor tem mais alternativas a sua disposição, isso aumenta o grau de incerteza do jogo político, o que pode ser um elemento positivo, porque torna necessário que todos os elementos da classe política tenham que apresentar para o eleitorado alternativas mais viáveis, alternativas mais atraentes, e não necessariamente isso acontece quando você tem um cenário muito simplificado, muito bipolarizado, em que o voto nesse porque eu rejeito muito fortemente aquele, quando aparece uma terceira alternativa essa mera rejeição ao outro se torna uma coisa menos fácil de ser utilizada por cada um dos contendores.
CF: É a eleição mais acirrada dos últimos anos?
Claudio Couto: Sem dúvida nenhuma, é a eleição mais acirrada no Brasil desde 1989, que foi uma eleição particularmente crítica, porque era uma eleição de definição do novo quadro partidário, todos os partidos particularmente apresentaram candidatos, os dois grandes partidos à época, PMDB e PFL, estavam em crise, tanto que tiveram resultado pífio naquela eleição, pelo menos no ponto de vista da disputa presidencial. No ano seguinte, na eleição congressual se recuperaram razoavelmente, mas foi uma eleição crítica. Essa é uma eleição novamente crítica, que leva essa redefinição do cenário de bipolarização que a gente viu até agora. Não quer dizer que essa bipolarização não possa ser retomada mais à frente, mas isso não dá para saber agora, a gente o que sabe é que esse cenário já foi quebrado, ou seja, que a bipolarização embora fosse uma tendência que se construía, não era uma tendência inexorável.
CF: Eu queria que o senhor refletisse a respeito dos fatos que tornam esta eleição tão diferente das demais, especificamente após a tragédia envolvendo um dos candidatos, é natural ou aceitável que ocorra uma mudança tão rápida de cenário como ocorreu no Brasil?
Antonio Lavareda: Primeiro, o que torna esse eleição diferente, entre outras coisas, duas, dois elementos importantes: uma eleição que de 1994 para cá é uma eleição que se dá num quadro de recessão técnica, o país tendo entrado em uma fase de recessão técnica; e em segundo lugar, uma eleição precedida no ano anterior pelas manifestações absolutamente singulares na história do país. Então estas duas coisas fazem dessa eleição de 2014 algo bastante diferente. Nesta curta série de eleições presidenciais que nós temos.
“parece que nós temos e vamos ter um grande debate entre a rejeição a Dilma Rousseff, a aversão a Dilma Rousseff, a raiva a Dilma Rousseff versus um certo temor, um certo medo, uma certa dúvida, uma certa desconfiança em relação ao que poderá ser o governo de Marina Silva”.
CF: O senhor costuma pensar um fator, que pode influenciar na hora do voto, que é o fator da emoção. Nesta eleição de 2014, este fator emoção pode ser um combustível importante e decisivo na hora da eleição?
Antonio Lavareda: Eu digo que a equação emocional que pode sintetizar, resumir o complexo processo de despertar de emoções e de consolidação de sentimentos que ocorre ao longo de uma campanha eleitoral, nesse pleito e nessa campanha especificamente de 2014; é possível de forma simplificada definir a equação emocional que nós temos ao final desse primeiro turno e provavelmente teremos no segundo turno como um embate entre duas emoções negativas, sobretudo entre duas emoções negativas. É lógico que o que move os adeptos de um candidato, de uma candidata ou de outra no caso Marina e Dilma é o entusiasmo, o entusiasmo é uma emoção, é o sentimento básico que impele os adeptos de uma candidatura na direção do endosso, da confirmação do voto aos respectivos candidatos e candidatas, mas no terreno das emoções negativas, dos sentimentos negativos, parece que nós temos e vamos ter um grande debate entre a rejeição a Dilma Rousseff, a aversão a Dilma Rousseff, a raiva a Dilma Rousseff versus um certo temor, um certo medo, uma certa dúvida, uma certa desconfiança em relação ao que poderá ser o governo de Marina Silva.
2014: a eleição que (ainda) não terminou, pelo viés de Calvin Furtado