Ela tinha 21 anos e descobriu-se lésbica. Filha de um pastor evangélico homofóbico, sofreu com a recriminação por causa de sua orientação sexual. Foi encontrada, um dia, enforcada. Deste modo bruto, depois de complexos conflitos pelos quais passam pessoas que desviam dos padrões que circulam no discurso do senso comum, acabam-se muitas vidas. Quando se sai à rua de modo glamuroso, sustentando bandeiras com as cores do arco-íris, com purpurina e paetês, reivindicando que se tem o direito de beijar quem se quiser, seja homem ou mulher, se fala de algo sério, de preconceitos que matam. Nas falas das apresentadoras Cilene e Elen Bianchini, bem como nos discursos de outros representantes da luta pelos direitos LGBT, como Nei D’Ogum, encontra-se a origem da necessidade de ocupar as ruas.
No último domingo, 21, ocorreu em Santa Maria a 13ª Parada Livre da região Centro do Estado, pondo fim às atividades da 9ª Semana da Diversidade, organizada pela ONG Igualdade, Coletivo Voe, Geografia UFSM, Sou SUS e Prefeitura Municipal da cidade. O evento, que tinha como tema “Sai do Armário, Tchê”, estava marcado para ocorrer no dia 14, porém teve sua data adiada devido ao mau tempo da semana anterior, e acabou ocorrendo no dia posterior ao desfile tradicionalista de 20 de setembro, data que marca o início da Revolução Farroupilha, em 1835.
O tema da Parada e a data de sua realização vieram ao encontro dos debates a respeito de tradicionalismo e diversidade (res)suscitados pelos recentes acontecimentos que tiveram grande repercussão no estado: no dia 11 de setembro, o Centro de Tradições Gaúchas (CTG) Sentinelas do Planalto, em Santana do Livramento, foi vítima de um incêndio criminoso, após a polêmica do casamento coletivo que seria realizado no local, em que um dos 29 casais que celebrariam sua união no local era composto por duas mulheres. Após o incêndio, o casamento acabou sendo realizado no Fórum da cdade, pela juíza Carine Labres, que oficializou a cerimônia vestida de prenda.
No dia 20, em Carazinho, região norte do Rio Grande do Sul, o desfile tradicionalista foi acompanhado pelo protesto de Leonardo Chaves, jovem militante LGBT, que entrou na avenida usando bombachas e um salto alto vermelho, carregando uma placa com os seguintes dizeres: “Vai ter bicha dos pampas, sim. E se reclamar, vai ter travesti também!” e “Homem de saia e de bigode – gaúcho também pode!”.
Os dois fatos denunciaram a pouca tolerância do tradicionalismo gaúcho à diversidade. Há 30 anos, por exemplo, negros não podiam participar dos mesmos CTGs que brancos, e, por isso, tiveram que criar suas próprias agremiações. Tal tradição felizmente mudou, porém hoje em dia o público alvo da intolerância tradicionalista é a população LGBT, que não aceita sequer cogitar que o gaúcho mítico, que vagava sozinho pelos pampas, e que raramente possuía família, poderia, sim, ser eventualmente homossexual.
Dessa forma, foi considerado pelo movimento LGBT o fato de que a Parada Livre de Santa Maria teve público recorde, de mais de 2.500 pessoas, enquanto que o desfile de 20 de setembro, que ocorreu no dia anterior, teve um público de 10 mil pessoas, número ainda expressivo, porém bem menor que das edições anteriores.
A multidão que percorreu a Avenida Rio Branco, da Praça Saldanha Marinho em direção à Gare da Estação Férrea, onde o palco aguardava para a realização dos shows, pedia a criminalização da homofobia – equiparando os crimes de ódios contra a população LGBT ao crime de racismo – e pedindo visibilidade para as pautas de Gays, Lésbicas, Bissexuais e pessoas Trans*.
Confira abaixo algumas fotos da 13ª Parada Livre da região Centro do estado.
13ª PARADA LIVRE DA REGIÃO CENTRO, pelo viés de Caren Rhoden e Felipe Severo e pelas lentes de Caren Rhoden e Luciele Oliveira