Na manhã desta quarta-feira, dia 4, cerca de 50 pessoas foram removidas de suas casas na Ocupação Vasco da Gama. A ocupação começara há cerca de quatro meses num terreno particular na Vila Caturrita, zona norte de Santa Maria, ao lado da sede do Círculo Militar de Santa Maria.
De acordo com moradores e com estudantes do curso de Direito da UFSM que acompanharam a reintegração, pouco se sabe sobre o dono do terreno. Informações extra-oficiais dão conta de que a propriedade acumula 52 anos de dívidas com o município.
As famílias haviam contratado um advogado para ajudá-los com os trâmites legais de desapropriação. Segundo os moradores, o advogado cobrou R$8.000,00 além de requerer dois lotes – ainda que irregulares – na propriedade. Os moradores dizem que ele sabia, desde sexta-feira, da ordem de reintegração, mas que ele não avisou as famílias. Consequentemente, muitas delas não tinham para onde ir e tiveram que desmanchar suas casas e arrumar suas mudanças às pressas. As famílias relatam que o advogado deixou o local ainda de manhã e não respondeu aos apelos de seus clientes.
Uma das moradoras, Elizângela Faria, aponta que os terrenos de ambos os lados da ocupação avançaram suas cercas após a chegada das famílias. Enquanto retroescavadeiras e caminhões trabalhavam na retirada das casas, as cercas impropriamente deslocadas continuavam em pé.
Outro detalhe foi o excesso de contingente policial: cerca de 130 policiais do Batalhão de Operações Especiais (BOE) foram deslocados de Porto Alegre até o local — mais do que o dobro do número de pessoas a serem removidas. Havia ainda nove oficiais de justiça e alguns conselheiros tutelares que acompanhavam a retirada das famílias. A Prefeitura ofereceu um depósito para guardar os pertences dos moradores, mas não apresentou nenhuma alternativa para abrigá-los até que sejam contemplados pelo programa ‘Minha Casa, Minha Vida’, no qual a maioria dos moradores já estava inscrita.
Perto do final da manhã, seis moradoras foram até a Secretaria de Habitação e Regularização Fundiária, de onde foram encaminhados à Secretaria de Desenvolvimento Social. Chegando lá, a secretária Margarida da Silva Mayer se mostrou surpresa e informou que a sua pasta nada podia fazer pelos moradores já que era, de fato, só a Secretaria de Habitação que poderia orientá-los. Depois de ser contatada pela secretária Mayer, Magali Marques da Rocha, secretária de Habitação, compareceu à sede da Prefeitura por volta das duas horas da tarde.
Na reunião, a única solução apresentada, a longo prazo, foi a inscrição no programa habitacional “Minha Casa, Minha Vida”. A curto prazo, a alternativa seria a estadia temporária no Albergue Municipal, uma opção inviável para a maioria das mães chefes de família que não querem ser separadas de seus filhos, já que o albergue não acolhe crianças.
Durante a conversa, a secretária da pasta de Habitação relatou que já existe, inclusive, um investimento privado planejado para a área em que estava a ocupação. Ironicamente, um prédio de moradia popular, pré-alocado para o “Minha casa, Minha Vida” e destinado a pessoas com renda de até três salários mínimos.
“O que nós podemos oferecer hoje é que elas se inscrevam, façam seu cadastro e que venham durante a semana, de forma particular, ter uma conversa com as nossas assistentes sociais para que a gente possa conhecer cada realidade em forma individual”, afirmou a secretária. “O que nós não consideramos justo, é que a gente interrompa um trabalho de cadastros já em andamento”, acrescentou, a respeito da impossibilidade de passar as famílias desabrigadas à frente de outros inscritos para o sorteio.
Aparício dos Santos, o Tito, que acompanhou a reunião representando o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), questiona a falta de alternativas oferecidas pela Prefeitura. “É um grande problema tu saber que não tem para onde voltar. Agora vai ser retornar lá no espaço da ocupação, pegar seus pertences, sabendo que não tem para onde ir. A prefeitura tem, sim, que apresentar alguma alternativa. Por que eles não apresentaram para nós, então, uma área onde as pessoas pudessem deixar seus barracos? Deixar o barraco montado até o dia do sorteio”.
Tito afirma que o MNLM já criticava o poder público no início dos anos 2000, e que desde então o déficil habitacional não diminuiu muito na cidade, apesar de todos os programas governamentais. “Aqui estão todos inscritos e amanhã vai um restante ainda se inscrever. Mas isso não garante nem 5% de que as pessoas serão contempladas. Eu gostaria muito de rever a forma como as pessoas estão sendo contempladas”.
Sem a garantia de um abrigo nem perspectiva de um local definitivo para ficarem, as famílias tiveram que buscar locais temporários para passarem a noite. Entre as limitações financeiras, a espera que pode levar anos e o desamparo, poucas são as opções que restam. “Agora é esquecer o que aconteceu para amanhã retomar a nossa luta. Outra coisa: elas experimentaram a forma de luta, luta por justiça social”, destaca Tito. “Acredito que a partir de hoje elas não retornam aquela vida antiga, que é trabalhar de dia para comer de noite. Ou escolher comprar o pão ou pagar o aluguel. Todos têm família. É necessário que eles repensem”.
Confira abaixo o vídeo realizado durante a ocupação:
FAMÍLIAS DA OCUPAÇÃO VASCO DA GAMA SÃO SURPREENDIDAS POR ORDEM DE REINTEGRAÇÃO, pelo viés de Tiago Miotto e Gianlluca Simi.
tiagomiotto@revistaovies.com
gianllucasimi@revistaovies.com
Parabéns pela matéria!! Só podemos agradecer a vocês Revista o Viés que colocou a situação realmente como ela foi, e não como outras mídias que colocaram as pessoas de lá como vagabundos ou desocupados que simplesmente invadiram o local, esta é a realidade, pessoas que foram enganada e ludibriada por um advogado, que simplesmente levou o dinheiro de todos e os deixou a mercê da sorte (ou do azar) !! Obrigado !
Estive no local no evento da desocupação. Pude perceber que fomos ludibriados pelo advogado e algum vizinho do terreno. Coisa injusta. De quem quase nada tem, ainda armam um golpe destes. O proprietário mostrou a escritura aos invasores já no primeiro dia de ocupação. EU ESTAVA LÁ. O advogado insistiu e garantiu que ganharia a ação. Isso não se faz. Busquemos justiça. Queremos os R$ 8.500,00 de volta.