“O modo primordial e elementar em que a economia existe para o homem comum é a preocupação”. Karel Kosik
Faltando pouco menos de cinco meses para a eleição presidencial de outubro, o cenário da disputa entre as três principais candidaturas toma forma e a diferença das posições se torna mais nítida. Na concorrência por votos e por apoio político, Dilma Rousseff, Aécio Neves e Eduardo Campos sinalizam através de seus discursos econômicos como pretendem seduzir politicamente as classes populares e as elites empresariais.
Líder nas pesquisas de intenção de voto, mas vendo sua margem de vantagem diminuir, a presidenta Dilma vestiu o figurino varguista e foi à TV na véspera do primeiro de maio, dia do trabalhador. Anunciou a correção da tabela do Imposto de Renda na fonte, a atualização em 10% dos valores do Bolsa Família e a continuidade da política de valorização do salario mínimo. Com tais medidas, a candidata petista parece estar adotando neste momento a tática de estabelecer contato direto com os interesses materiais dos mais pobres, que apesar de serem, em sua grande maioria, desorganizados politicamente, constituem a fração de classe decisiva na resolução das eleições no Brasil, já que cerca da metade do contingente eleitoral do país tem rendimento médio de até dois salários mínimos mensais.
Priorizando a aproximação com o eleitorado pobre, Dilma contraria ainda mais os interesses de setores das elites empresariais já descontentes com sua forma de condução da economia. Numa conjuntura em que “o mercado” (leia-se: capital financeiro) cobra de forma cada vez mais incisiva políticas econômicas austeras, as medidas populares (os populistas?) do governo, que representam um aumento do gasto do Estado com políticas sociais, soam como afronta aos ouvidos dos círculos do empresariado.
Mesmo que durante os doze anos de governos do PT os interesses do grande Capital não tenham sido ameaçados em momento algum, para diversos segmentos empresariais chegou o momento de uma mudança que aprofunde as reformas liberalizantes pró-mercado na economia brasileira. Com o desgaste do mecanismo de crescimento calcado na exportação de commodities agrícolas, que possibilitou o pacto lulista de classes da última década, se torna muito difícil manter a defesa dos privilégios dos setores dominantes conciliada à diminuição da pobreza.
Diante dos dilemas da situação atual, um segmento importante do grande empresariado parece estar cansando do cenário conciliador proposto pelos petistas.
Na edição do dia sete de maio, o jornal “Valor Econômico” publicou o resultado de uma pesquisa informal de intenção de voto realizada na festa de entrega do prêmio “Executivo de Valor”. Os números não deixam dúvidas sobre o franco favoritismo do tucano Aécio Neves na elite empresarial: de 249 convidados presentes, entre eles chefes-executivos premiados de 23 setores econômicos e gestores influentes de grandes empresas brasileiras, votaram 103. Aécio Neves ficou com 72 votos, 70% do total. O candidato do PSB, Eduardo Campos, teve 17 votos, 16,5% das preferências. A presidente Dilma Rousseff teve apenas 3 votos. O jornal também solicitou aos convidados que dessem nota de zero a dez ao governo. 88,5% dos votantes deram notas de zero a cinco, sendo que 16,67% atribuíram nota zero. Somente uma pessoa deu nota 10.
A predileção de amplos segmentos capitalistas pela candidatura oposicionista do PSDB pode ser explicada, entre outros fatores, pelo caráter das manifestações públicas recentes de Aécio e sua equipe.
Em apresentação oferecida a empresários paulistas no começo de abril, o tucano afirmou estar “preparado para tomar decisões necessárias, por mais que elas sejam impopulares” (Folha de São Paulo, 03/04). Dias depois, o ex-presidente do Banco Central de FHC e coordenador do programa econômico de Aécio, Armínio Fraga, em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, reforçou a afirmação e deu pistas do seu significado concreto.
Na sua avaliação, a economia brasileira precisa de um choque de disciplina restritiva no próximo período, com diminuição do gasto público, centralidade no controle da inflação, retomada do programa de privatizações e desaceleração do consumo e do emprego. Quando questionado sobre a política do salário mínimo a ser adotada no próximo período, com vistas a garantir a estabilidade econômica, Armínio foi categórico ao responder que “É outro tema que precisa ser discutido. O salário mínimo cresceu muito ao longo dos anos. É uma questão de fazer conta. Mesmo as grandes lideranças sindicais reconhecem que, não apenas o salário mínimo, mas o salário em geral, precisa guardar alguma proporção com a produtividade, sob pena de, em algum momento, engessar o mercado de trabalho. A política do salário mínimo tem tido impactos relevantes”.
Na visão da ortodoxia liberal tucana, as políticas recentes de expansão da renda – criação de empregos, elevação real do salário mínimo, expansão do crédito e programas sociais –, desacompanhadas da elevação de produtividade, estão gerando o desequilíbrio entre oferta e demanda, abrindo assim as portas para o descontrole inflacionário. Em síntese: esgotou-se a capacidade de crescer pelo consumo (da população).
É compreensível que o receituário ortodoxo soe como uma canção fantástica aos ouvidos empresariais.
A questão é como Aécio Neves poderá maquiar seu discurso para poder apresentá-lo de forma aceitável aos eleitores das classes populares que dependem do gasto estatal para diminuir sua situação de vulnerabilidade social. Nessa missão, o tucano tem um aliado cênico importante: a grande mídia. Os principais oligopólios de comunicação do país vêm utilizando o catastrofismo em torno do aumento da inflação, que corrói o salário e o poder de compra dos mais pobres, para forçar o rebaixamento da avaliação popular do governo. Desestabilizada a confiança em Dilma, aumenta a possibilidade de Aécio apresentar seu programa ultra liberal como um programa popular.
Correndo por fora, em terceiro lugar nas pesquisas, aparece Eduardo Campos, candidato pelo PSB. Do ponto de vista das concepções de política econômica, o roteiro de Campos não difere em essência do de Aécio. Seu projeto é também o rigor macroeconômico com disciplina fiscal, estabilidade monetária e flutuação cambial. Contudo, em virtude de suas vacilações decorrentes de discordâncias com sua vice, Marina Silva, em relação a temas importantes para o sistema financeiro, como a garantia de autonomia operacional do Banco Central, o ex-governador de Pernambuco vem perdendo as confianças empresarial e midiática que vinha adquirindo recentemente.
Ainda assim, joga a seu favor a seguinte equação eleitoral: em um eventual 2º turno, suas chances seriam muito maiores que a do tucano, porque ele contaria com o voto dos eleitores de Aécio, enquanto o contrário não se daria. Dificilmente os eleitores atraídos à candidatura de Campos pela sua vice Marina Silva votariam em Aécio. Seria alta a probabilidade de que os eleitores de Marina se dividissem entre Aécio e Dilma, levando a candidata do PT à vitória em 2º turno. Se Campos tiver capacidade de transformar esta equação em confiança política empresarial, suas chances podem aumentar.
A tendência é que o próximo pleito presidencial confirme a clivagem social observada em 2006 e 2010, quando os setores mais pobres, com renda mensal inferior de até dois salários mínimos, atraídos pelas políticas sociais, aderiram ao voto nas candidaturas petistas, enquanto as classes médias e ricas, com renda mensal superior a cinco e a dez salários mínimos, votaram maciçamente nas candidaturas tucanas.
Do ponto de vista quantitativo, a escolha eleitoral dos mais pobres pesa mais. Por isto, Dilma é favorita para a reeleição.
Em última instância, para além de suas diferenças, as três candidaturas buscam o apoio do voto popular para ganhar as eleições. Depois sua governabilidade estará a serviço e dependerá dos interesses das elites econômicas que financiam suas campanhas.
O financiamento privado das campanhas é o mecanismo através do qual o poder econômico dos grandes capitas coloniza o sistema político brasileiro. Para se ter ideia do quadro, juntos, PT, PSDB e PSB estimam gastar algo em torno de R$ 500 milhões com a campanha eleitoral de 2014, quase o dobro do que gastaram em 2010 (R$ 266 milhões). O PSDB deve gastar em torno de R$ 200 milhões, enquanto PT e PSB gastarão R$ 150 milhões em suas respectivas campanhas.
Até outubro, muita água vai rolar no moinho satânico da política. Para além e para aquém da retórica eleitoral, nos subterrâneos do debate público, é a dialética entre economia e correlação entre as classes que dá sentido concreto aos interesses em jogo.
POR TRÁS DA RETÓRICA ELEITORAL, pelo viés do colaborador Gabriel Vaccari*
*Gabriel Vaccari é graduado em Filosofia e e mestrando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Fontes:
http://oglobo.globo.com/pais/pt-psdb-psb-estimam-gastar-500-milhoes-na-campanha-eleitoral-12466710
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/159317-monica-bergamo.shtml
SINGER, André Vítor. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo. Companhia das Letras, 2012.