Em 2013, após décadas esperando uma resolução do Governo para que se cumpram os preceitos constitucionais da demarcação de seus territórios tradicionais, o povo Kaingang decidiu que os marcos limites das áreas seriam colocados sobre a terra pelas mãos dos próprios indígenas, mesmo que isto desenhasse no horizonte pesados conflitos com sindicatos rurais e entidades ligadas ao ruralismo, como os que ocorreram em Passo Grande do Rio Forquilha (Sananduva) e Rio dos Índios (Vicente Dutra).
O movimento cessou após os primeiros conflitos e mais de 40 lideranças Kaingang partiram em março deste ano para Brasília, onde arrancaram do Senhor José Eduardo Cardoso, Ministro da Justiça, o compromisso com a demarcação de quatro Terras indígenas ainda no primeiro semestre de 2014.
Para dar continuidade aos procedimentos demarcatórios, foi agendada para o dia 04 de abril uma “mesa de diálogo” entre as lideranças indígenas, o Ministro da Justiça e o Governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, porém, esta reunião foi sistematicamente desmarcada em cinco oportunidades e segue sem previsão para acontecer.
O caso continua sem resolução por parte do Ministério da Justiça e do Governo do RS. E se soma a outras várias questões que vem ocorrendo no último período. Dos recentes pronunciamentos racistas de deputados da chamada “bancada ruralista” – que incitaram a violência e a retirada dos indígenas de seus territórios, inclusive pela via armada -, aos ataques covardes de pistoleiros às comunidades indígenas e aos inúmeros projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que visam desmontar os direitos conquistados pelos povos originários na Constituição de 1988.
O não cumprimento das atribuições dos órgãos governamentais significa, para as comunidades indígenas, não só a já reiterada inoperância, mas um retrocesso no que já foi garantido com muita luta popular. O momento é de completa falta de alternativa dos meios legais nos poderes Executivo e Legislativo, e de um horizonte que antevê ainda mais derrotas frente ao avanço do latifúndio e de seus tentáculos políticos. Diante da limitação de opções é que o povo Kaingang, em todo norte do RS, saiu novamente em luta pela demarcação de seus territórios.
No município de Faxinalzinho, um infeliz confronto entre indígenas e agricultores no último dia 28 de abril acabou com a morte de dois trabalhadores rurais. Durante o protesto dos Kaingang, parte de uma tragédia anunciada, segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), um grupo de agricultores tentava desbloquear a estrada trancada pelos indígenas e afastá-los à força do local. Segundo o relato de lideranças Kaingang, um menino foi levado como refém por dois homens que estavam num caminhão carregado de ração. O confronto começou na perseguição para resgatar o menino. Os dois ocupantes do caminhão acabaram mortos. O povo Kaingang no norte do Rio Grande do Sul já havia realizado mais de quinze ocupações como reivindicação pelas terras de parte de seu território tradicional, mas a negligência do governo quanto às demarcações e aos recentes protestos indígenas do local foi unânime.
O CIMI, em nota, diz que o fato é lamentável, mas que fazia parte de algo previsto. O órgão havia alertado (leia aqui) para a gravidade da situação, à espera que o governo tomasse providências no sentido de se evitar derramamento de sangue. Na nota, o Conselho lembra que “a violência foi incentivada e anunciada, inclusive, pelos deputados federais Luiz Carlos Heinze (PP/RS) e Alceu Moreira (PMDB/RS) durante audiência pública no município de Vicente Dutra (assista aqui)”. A negligência do poder público frente ao caso expõe como a situação das demarcações de territórios tradicionais tramita no governo federal, deixando pequenos agricultores e indígenas à mercê de uma relação conflituosa e politicamente violenta.
Já na aldeia de Passo Grande do Rio Forquilha (vídeo), em Sananduva, os Kaingang retomaram parte de sua terra junto a uma vila de agricultores, onde fica a capela do Bom Sossego, e observam movimentações da FETRAF-SUL e entidades ruralistas na incitação dos pequenos agricultores contra o movimento de ocupação. Os indígenas temem novos conflitos em que possa haver mais derramamento de sangue.
Foi em Sananduva, em novembro de 2013, que indígenas e agricultores fizeram proposta conjunta ao Governo para uma solução pacífica que envolvesse a demarcação das terras indígenas e a indenização dos colonos. Mas até agora a resposta é a negligência e o silêncio.
Em mais cinco municípios do estado, o povo Kaingang está pronto para iniciar um movimento maior de autodemarcações de seus territórios, e as consequências desse processo têm sido alertadas há muito tempo ao Ministério da Justiça e ao Governo do Estado. Sem alternativas, os Kaingang não tem outra opção a não ser avançar diante do que se vislumbra como um conflito inflado pelo belicismo ruralista e pela morosidade dos órgãos públicos. Está na mão do Governo decidir.
NEGLIGENCIADOS, KAINGANGS DEMARCAM TERRAS POR CONTA PRÓPRIA.
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