OUÇA OS PASSARINHOS

Um samba, um blues, uma valsa…um espetáculo! Se tentarmos definir o que é a Geringonça, percebemos o quanto seu nome já é autoexplicativo. Nascida em 2011, pelos arredores denominados “Camobi”, a banda com mais gambiarras da cidade ganhou espaço na Boca do Monte aos pouquinhos. E assim foi: de boca em boca, e de sorriso a sorriso, que os seis geringonceados formadores dessa misturança artística completaram dois anos em 2013, com um EP lançado e com o show “Música Típica do Lado de Lá” conhecido por várias regiões do estado.

O formato nada convencional de fazer música deu à banda liberdade de criar personagens, letras, danças e arranjos partindo das inspirações individual e coletiva. Evelíny Pedroso, Adriano Taques, Cezar Gomes, Rodrigo Cidade, Vinicius Bertolo e Vinicius Nicolini conversaram, tomaram umas cervejas, apresentaram trabalhos autorais e… TCHARAM! Após gravarem algumas composições, deram origem ao Pedaço da Natureza, Palhaço Zuli, Ivan Kchowski, Grilo-Cantor, Julián Ramirez e Voodoo – provavelmente as identidades mais conhecidas pela plateia.

Desde a primeira vez no palco, os seis integrantes tinham em mente que nada era intencional ou planejado, um dos principais motivos que fez a Geringonça simplesmente acontecer e se caracterizar como “uma concha de retalhos”, conseguindo juntar o que de melhor há na arte de seus criadores.

Com muita alegria, disposição e amor, o estilo geringonça de ser conquistou a nossa Redação, e a entrevista com os performáticos brincalhões da cena musical independente pode ser conferida na íntegra a seguir.

 Iniciando pelo bem básico, como vocês se encontraram, formaram a banda, como surgiu o nome Geringonça, qual a relação que vocês tinham e passaram a ter…?

Adriano Taques: A Nega (Evelíny) tem uma resposta boa.

Vinicius Bertolo: Era uma vez em 1955…

Evelíny Pedroso: Nós era bem amigo…

Adriano Taques: É que assim, a gente tinha o plano de fazer um trio, que era o trio Genipapo. Era eu, a Evelíny e o Vinicius.

Evelíny Pedroso: E era música cover.

Adriano Taques: Aí depois a Eve mostrou algumas coisas próprias e a gente se juntou. E é Geringonça porque a gente teve sempre a ideia de fazer essa questão geringoceada, trazer outras coisas pra cima do palco. Como a gente já esboça hoje em dia.

Vinicius Bertolo: E tem uma coisa que o Cezar falou, porque a banda quando ela tem um nome muito grandioso corre o risco de decepcionar. O cara vai lá e vê “Os Ases”. Assim, “Geringonça”, a pessoa já não espera muito…

Adriano Taques: Tipo “Espinha de Peixe”, saca? Você não espera nada de uma banda que se chama “Espinha de Peixe”.

Vinicius Bertolo: Se eles conseguirem tocar já tá bom, e aí essa é a ideia.

Adriano Taques: Aí surpreende.

Cezar Gomes: No caso, Geringonça não é só um nome, uma palavra, é um estilo de vida. É o estilo de vida gambiarrento, assim, deu uma zica ali, tu vai lá e ata um pedaço de arame e foda-se, e vai funcionando, não liga pra estética, interessa que funcione. Não precisa ser bom, não precisa funcionar bem, precisa que funcione e deu.

Evelíny Pedroso: É você ter o objetivo e tentar achar uma solução pra ele, mesmo que essa solução não seja…

Cezar Gomes: A mais elegante.

Evelíny Pedroso: É, a mais refinada.

Rodrigo Cidade: Tem uma frase bonita, “não sabendo que era impossível, foi lá e fez”.

Cezar Gomes: Nós, sabendo que é possível, fomos lá e fizemos…

Vinicius Bertolo: Mal.

Adriano Taques: Sabendo que é possível a gente vai lá, tenta fazer…

Cezar Gomes:  E às vezes dá.

A ideia dos personagens existe desde o início também? Como eles surgiram?

Rodrigo Cidade: Não. Foi bem espontâneo e, de certa forma, bem acertado. Porque você trabalhar com uma música que não é a música da moda, nós não estamos na moda, aí tu vai trabalhar com música própria. Aí a gente puxou muito essa questão da arte visual. E isso foi muito rápido. Nós entramos, gravamos as quatro primeiras músicas e, de repente, nós estávamos pensando no espetáculo e  foi muito rápido.

Vinicius Bertolo: Mas muito rápido mesmo, e muito natural, “vamos se fantasiar como se fosse uma festa a fantasia”. Nunca pensamos que fossem durar os personagens, não, nós pensamos “vamos aparecer fantasiados”.

Mas são os mesmos personagens desde sempre.

Vinicius Bertolo: É que daí a gente gostou.

Rodrigo Cidade: É, o processo de criação foi meio que numa chuva de ideias. Toda a ideia que vinha era bem vinda, e aí a gente começava a ir num lugar que aquela ideia não existia de fato, que era “passáro transparente”, “cachoeira de fogo”. Então a gente permitiu fazer isso aí. Cada um colocava cada coisa, “e se nós fizesse isso, e se nós fizesse aquilo”, e dentro desse “se nós fizesse” nós fizemos o que deu pra fazer.

Evelíny Pedroso: A escolha foi bem espontânea, porém não é também cada vez vai ser um personagem, cada show vai ser só uma fantasia diferente. Depois dessa escolha espontânea, a gente quis dar um aprofundamento.

Vinicius Bertolo: A gente não usou um método científico “como nós vamos fazer para”, usando hipótese e coisa e tal. A gente foi…

Adriano Taques: Fez e depois tentou justificar. O que a gente faz na academia? A gente diz o que vai fazer, procura meios de fazer, que são os métodos, depois mostra os resultados. A gente, no caso, já tinha os resultados, depois teve que tentar encaixar o método para poder achar uma justificativa. Então é tudo ao contrário.

Rodrigo Cidade: É o método japonês, né, que veio do Japão. Por isso que as pessoas às vezes não entendem. Também, né, método japonês.

Vinicius Bertolo: Depois disso as fichas vão caindo, porque primeiro a gente fez as músicas, gravou as músicas, depois resolveu ir ao palco, quando resolveu ir ao palco, resolveu os personagens. Depois que tinha os personagens, resolveu criar um enredo pra encaixar. É completamente ao contrário. E se mostrou no final das contas uma coisa acertada. Primeiro, porque deu liberdade, deu um nonsense legal. Talvez, se a gente tivesse feito pesquisa pra fazer, ia ficar apagadinho. É legal que a gente não via, eu não tinha visto ninguém tocar assim, fantasiado.

Cezar Gomes: Não é fantasiado, é com figurino. Fantasia é tu botar uma coisa para ir numa festa a fantasia, e tu vai lá e bota uma fantasia do Batman. Outra coisa é tu ter um figurino, que ele vai esclarecer mais coisas além disso.

Vinicius Bertolo: O lance é que a gente não procurou se encaixar numa tradição, “bandas assim são assim”. Mas a gente percebeu, vai caindo a ficha de que hoje em dia só musica tá ficando pobre, porque as pessoas estão tão acostumadas a verem clipes. Antigamente, tu só podia ouvir uma música ao vivo. Depois veio o disco e tu podia ouvir ele em casa, mas pra ver tinha que ser ao vivo. Hoje eu até acho estranho que as pessoas pagam uma fortuna pra ver o artista, se elas podem ver ele o tempo inteiro, pelado, com 20 guitarras, ou sei lá, fazendo a micagem que ele faz na internet, tão fácil. Então eu acho que acabou servindo, porque a gente trouxe uma coisa que para as pessoas faz mais sentido do que essa coisa da música parada. “Eu sou tão bom na música que eu não preciso fazer nada para as pessoas, que eles vão lá e vão ficar babando pra mim”.

Adriano Taques: Sabe que isso surpreende onde a gente vai, porque quando a gente tocou no Rio de Janeiro, a gente viu que lá também isso era uma coisa extremamente surpreendente para as pessoas. Quando a gente subiu no palco, com as bandas no bastidor, a gente nota. A gente era a única banda que fazia esse tipo de coisa em meio a 24 bandas de todo o Brasil. Mesmo lá no Rio de Janeiro, de onde as novidades deveriam vir, ou São Paulo, é surpreendente pra eles de alguma forma…

Rodrigo Cidade: E a fotógrafa falava “ai que lindo, quero tirar foto de vocês”.

Vocês acham então que acabaram estabelecendo um contato que o público não está mais acostumado?

Evelíny Pedroso: Eu acredito que é um estranhamento frente ao fato de a gente não lidar só com música. Porque normalmente está vinculado a você ir a um festival, a um lugar e é música, o foco é música, e lá também era música, só que a gente respeita bastante a pesquisa de cada um aqui, o que quer estudar com tudo isso que está fazendo. E o que eu penso com  isso é tentar juntar. Não que eu vou fazer um negócio que junte “artes visuais, cinema, música e teatro”, mas eu acho que tudo está tão compartimentado que a gente não está conseguindo compreender quase nada. No momento que a gente começa a tentar juntar, a gente começa a achar soluções. Não só na música.

Rodrigo Cidade: A máxima das maiores de todas, foi esse show no (Theatro) Treze de Maio. Aí conseguimos lá, passamos no Treze de Maio, tá. Aí tivemos uma ideia, foi batizado o negócio de “Chirinfulinfula”, “Chirinfofa”, “Chiringuela”, né, cada hora tinha um nome, aí ficou o nome que mais pegou, que foi Chirinfulinfula, que era um negocinho pequenininho, que eu botava ali em cima a furadeira e outras coisas, mas aí pensamos “não, vamos fazer um que seja um caixa eletrônico, e aí engole a pessoa e vai ter um lance e o cara fica louco com aquilo, fica brigando com aquela máquina e tal”. Daí fomos ali nas Ferragens Bolson, madeirama, pregaiama, montamos um troço e usamos só aquela vez lá.

Vinicius Bertolo: Gastamos mil reais, passamos 10 dias construindo….

Adriano Taques: E a cena ao vivo nem foi tão boa.

Rodrigo Cidade : Demorou 3 minutos…

Vinicius Bertolo: E depois tá lá, apodrecendo.

Rodrigo Cidade: Bota trabalhar naquilo.

Adriano Taques: Nós trabalhamos pra caralho nesse troço.

Vinicius Bertolo: Isso é uma marca da Geringonça. Porque assim, já ouvi, comentário de internet tem muito e geralmente é virulento, “é, fazem caras e bocas”, como se isso fosse um defeito, como se pra ser legal tu tem que ir lá e fazer cara de cu pras pessoas…

Adriano Taques: Que tem bastante, né, vamos combinar.

Vinicius Bertolo: Eu acho que a grande diferença da Geringonça, a gente não é uma banda melhor musicalmente nem muito mais criativa do que a maioria, mas a gente trabalha pra caralho.

Adriano Taques: Por exemplo, hoje a gente montou aquele palco duas vezes.

 É sempre assim? É sempre esse o processo de vocês estarem no palco e nos bastidores?

Adriano Taques: Lá na Gare a gente estava limpando os banheiros, cara, no final da festa, entendeu? Juntando os lixos da galera.

Vinicius Bertolo: A gente capina em barro duro. O que for necessário pra que a gente possa subir no palco e dizer o que a gente quer dizer, inclusive se fantasiar, passar calor. Não é uma coisa pra compensar que a gente é ruim de musica, como tem muita gente que gosta de, não pra nós, mas eu vejo muito isso, “ah, os caras fazem caras e bocas porque não tocam nada”.

Adriano Taques: Talvez o fato de não tocar nada não esteja mentindo muito.

Vinicius Bertolo: É, mas não é por isso que a gente faz micagem, é porque realmente, eu acho que se eu vou ver um show, vestidos de fantasia ou não, nós vamos tocar as mesmas musicas, então é melhor que, ao invés de olhar pra nossa cara feia, a pessoa tenha uma ceninha pra ver, tenha um figurino pra viajar, tem uma coisa que vá mexer com a imaginação…

Rodrigo Cidade: Se divertir. Vamos se divertir.

Vinicius Bertolo: Todo mundo tem rádio em casa, todo mundo tem som, mas hoje em dia, eu mesmo, “ah eu quero escutar uma música lá de fulano de tal”, eu vou no Youtube. Então tu quer ver também.

Adriano Taques: A gente ta mudando a forma de escutar música, eu acho.

Vinicius Bertolo: A gente não, o mundo tá mudando, né. A gente tá só acompanhando.

Adriano Taques: Antes o que eu fazia, eu baixava discografia, tinha os discos, botava num MP3, pesquisava. Hoje em dia eu vou no Youtube, coloco no Youtube. Tem o show inteiro e eu ainda vejo o cara.

Vinicius Bertolo: Acabou que essa nossa bobajada toda aí tá em conjuminância com a coisa de hoje. Não que fosse a intenção inicial.

Cezar Gomes: Não foi pensado pra isso aí.

Evelíny Pedroso: Não foi intencional.

Nada foi intencional, com planejamento? As coisas foram acontecendo?

Cezar Gomes: Pra mim, a única coisa intencional que houve na Geringonça, no quesito figurino e personagem, foi uma maneira mais elegante de costurar as músicas de estilos diferentes. Por que é uma banda sem característica, não é uma banda de rock’n’roll, não é de samba, não é de blues, não é de nada. E tem uma música em cada estilo…

Rodrigo Cidade: É, e também é uma banda que não tem nenhum músico, não tem nenhum ator.

Cezar Gomes: E aí como é que tu vai chegar lá, vai assistir o show de uma banda que vai tocar um pouco de cada coisa assim de cara limpa? Não sei, pode acabar desinteressando a pessoa.

Vinicius Bertolo: É, o roteiro, os personagens, acabaram costurando, vieram colar aquela cacaiama que a gente tinha feito…

Rodrigo Cidade: Uma concha de retalhos.

Sobre o termo “música da moda”. Hoje existem produtores e gravadoras que têm uma fórmula matemática de fazer música. Tu vai pegar o refrão, determinada linha harmônica, pronto tá feito o “hit”. Não se ouve isso com a música de vocês. Como funciona a composição? É essa bagunça organizada também?

Vinicius Bertolo: Também.

Adriano Taques: Já funcionou de várias formas.

Vinicius Bertolo: Não, mas só uma coisa, não colocando nós na roda, esse é o jeito de ontem. Esse jeito matemático é o jeito de ontem. A gente ainda vai ver isso aí por 10 anos, mas já é um jeito antes, um jeito anos 80, anos 90, que ainda existe e ainda dá dinheiro, mas tá diminuindo o bolo rapidamente. Daqui um tempo, eu acho que o artista regional, o compositor regional vai ter que ganhar espaço, a lógica é essa. E o artista pré-fabricado vai acabar perdendo espaço. Ainda hoje a internet replica o modelo TV, rádio, o modelo de um grande artista, sabe, que vende milhões. Mas eles mesmos sabem disso, que tem esse tempo aí. A gente não fez a música do amanhã ainda. É um acaso.

Adriano Taques: Não, e o processo de composição já foi de várias maneiras…

Rodrigo Cidade: E ainda é.

Adriano Taques: É, e ainda é de várias maneiras. Porque começou de uma forma mais individual, por exemplo, vem a Evelíny com uma música, e a gente vai lá, acha os acordes, normalmente  vai lá e dá uma ideia, ou chega com uma ideia, e a gente faz o arranjo junto. Hoje em dia, “Farmacê”, por exemplo, foi uma coisa que marcou uma outra forma de escrever. A gente se reuniu, lá no Salto do Jacuí, e fez a música todo mundo junto, dando pitaco ao mesmo tempo. A gente chegava com as músicas prontas, eu chegava com as músicas prontas, o Vini também e o Cidade. E hoje em dia a gente tá num processo de lançar ideia, lançar ritmo. Por exemplo, essa música do “Fósforo” foi a partir de uma ideia que a gente tinha de costurar um novo espetáculo, eu peguei e gravei um vídeo de eu tocando uma base que tinha feito. O Vini, lá no Salto do Jacuí olhou o vídeo e trouxe uma letra…

Vinicius Bertolo: A letra veio e foi reformulada de novo, então todo mundo mexeu e coisa e tal.

Adriano Taques: É, os processos de composição têm sido assim, heterogêneos.

Rodrigo Cidade: Mas, assim, estamos sempre compondo. Tem coisa que é Geringonça, né, umas músicas que o cara traz porque é da Geringonça. O Zuli tem músicas dele, que ele canta lá, Going To Colombia, e aí é dele, o Vinicius tem outras músicas também…

Vinicius Bertolo: Que não são Geringonça, né. Porque o que é Geringonça? Nossa principal preocupação é a gente não estilizar, a gente manter uma coisa que as pessoas possam entender com facilidade. É mais do que popular, sabe. Muitas vezes chamaram de cafona…

Adriano Taques: E eu adorei.

Vinicius Bertolo: Cafona é até um elogio, cafona é bom, cafona é antes de as pessoas se acharem “cool”

Rodrigo Cidade: Hipsters.

Adriano Taques: A Geringonça é o anti-hipster.

Vinicius Bertolo: A Geringonça não tem contratempos, a Geringonça não parece o Coldplay.  Até, de repente, eu posso compor, ou esse aqui pode compor, uma música de boca mole lá, que nem Going To Colombia, que é uma coisa que tá dentro de uma estética mais moderna, ou aquele ali faz uma música que tem uma estética mais particular dele. Agora, a gente já faz sabendo que isso não é uma coisa Geringonça. A Eve é uma pessoa muito Geringonça, eu penso nela sempre, as músicas que ela compõe, elas têm uma verdade muito grande, elas não partem de uma tentativa de trabalhar alguma coisa. Ela fala na música dela. Eu estou sempre cutucando ela, “traz letras, traz música, traz música”, porque eu acho que as músicas dela são muito melhores que a média.

Evelíny Pedroso: É muito natural, não tem como escolher assim “essa é a época da minha vida que eu vou escrever, oh”, não.

Adriano Taques: Eu até funciono sobre demanda, se tu me disser: “faz uma música sobre tal coisa”, eu consigo fazer alguma coisa, eu até funciono assim. Mas é melhor quando vem assim.

Evelíny Pedroso: O processo do “Farmacê” eu acho que foi muito massa, porque foi um processo espontâneo, bem natural e coletivo. Foi um momento, que se tinha a ideia de falar dessa questão do paracetamol, mas não sabia como, aí disse o Adriano “tá, mas conta”. Sabe o que é quando você abre a atmosfera da alma assim e aí vai trocar aquela energia com outro. “Mas conta o que tu quer falar”, “ah eu quero dizer que é muito remédio, que as pessoas não dão bola pras coisas naturais” e chutando, nós começamos a rimar e trocar um refrão que era outro, escolher uma parte, e aí nós escrevemos. Aí a gente foi dormir e quando levantou esse aqui (Vinicius Bertolo) olhou e mudou tudo, toda a letra, sem…

Cezar Gomes: Sem mudar o que queria falar…

Adriano Taques: É que ele é melhor com as palavras do que a gente, por isso que quem escreve pra gente é ele.

Rodrigo Cidade: Só que naquele dia ele matou o Vô. Naquele dia ele matou o Vô.

Vinicius Bertolo: É, eu tendo a, a gente, todos nós tendemos a matar alguém nas músicas…

Adriano Taques: Adoro, adoro.

Rodrigo Cidade: E eu fui lá e revivei o Vô.

Adriano Taques: Ele não gosta muito de falar de morte não.

Vinicius Bertolo: É, a gente tá evitando música que morra gente.

Evelíny Pedroso: Mas nesse processo do “Farmacê” foi um momento que parou de ser individuais as letras. Os arranjos não eram individuais…

Adriano Taques: É, nunca foram.

Evelíny Pedroso: Daí que a gente começou a ver o quanto ficava massa.

Adriano Taques: E agora a gente tá, não em pleno processo, mas num processo já de continuar. A música do “Fósforo” é um exemplo de uma coisa que á vindo nova. Tem outras coisas já surgindo.

E vocês também já se conhecem mais, fica até mais fácil de casar as ideias…

Adriano Taques: É, porque por mais que a gente seja ruim, acontece que quando a gente se reúne tanto, e tanto, e tanto, e o tempo passa, a gente acaba ficando melhor na ruindade, né.

Vinicius Bertolo: Não, e é aquela, a gente se dispõe a fazer o feijão com arroz. Ainda bem que nós temos aquele ali (Adriano Taques) e esse aqui (Cezar Gomes), que são, como é que eu vou te dizer, se nós fossemos um time, eles são dribladores, eles tem toda…

Evelíny Pedroso: A malemolência.

Vinicius Bertolo: Não escolhemos eles assim, “vamos escolher um guitarrista que tenha uma técnica apurada”, sabe, “para compensar”. Não, ele era nosso amigo, tomava cerveja conosco a vida inteira, obviamente ia ser ele. E aquele rapaz (Adriano Taques) também era nosso amigo, também era conhecido, e a vantagem é que eles têm um domínio maior do instrumento do que a média. Esse rapaz (Vinicius Nicolini) também toca bem…

Rodrigo Cidade: Eu tenho problemas.

Vinicius Bertolo: Eu também tenho problemas.

Rodrigo Cidade: Eu comecei a tocar violão eu tinha 21 anos. “Agora vou aprender a tocar violão”, com 21 anos…

Vinicius Bertolo: E tinha que beber toda a cachaça do mundo. Acabou que a gente, sem também planejar, acabou formando um time que se completa, sabe. É legal que eles conseguem encontrar soluções. O Zuli consegue. Às vezes com uma música que tem duas ou três notas fica bacana. E uma coisa…

Cezar Gomes: E não é aquele bacana que cansa.

Vinicius Bertolo: A gente vê muita gente compor, que o cara começa a cantar, ou começa a sair a música, e tu vê de onde é que ele chupou aquilo ali, sabe, o arranjo de onde que vem, no que ele se inspira, em que tradição ele se insere. Eu acho que a gente consegue circular numa coisa mais livre, mais, como é que eu vou te dizer, tu vai achar influência do Chaves, por exemplo.

Evelíny Pedroso: É que ninguém de nós quis fazer para vender, ninguém quis fazer a música para ser vendida. Também não é uma intenção…

Vinicius Bertolo: Mas se quiserem comprar, bá.

Evelíny Pedroso: É, não, se comprarem melhor, mas pode dizer para trazerem abóbora, trazer mandioca, a gente tá aceitando.

Rodrigo Cidade: É por isso que a gente tá vendendo camiseta, bóton, adesivo.

Vinicius Bertolo: Pra não vender a alma, nós estamos vendendo outras coisas.

Evelíny Pedroso: É, mas também não foi só para que milhões de pessoas escutassem nossa música.

Adriano Taques: Mas uma coisa tem que ser dita, esses dias eu li em algum headline desses de Facebook, que grupos não uniformes, onde tem muitas pessoas diferentes uma da outra, tendem, se conseguem se ajeitar no andar da carruagem, tendem a ser mais interessantes. E a gente é o exemplo disso. A forma com que eu penso é totalmente prática. Me diz alguma coisa e eu vou tentar, “tá, e aí, quando? Vamos lá? Foi? Vamos viabilizar?”.  A Nega é totalmente emocional, saca…

Rodrigo Cidade: Ela tem que esperar a natureza.

Adriano Taques: É, então a gente tem que acabar, com muita paciência, é claro, tentando se entender.

Rodrigo Cidade: Tem que às vezes ligar para um cara, pra ligar para outro, “ó, dá um recado pra ela que nós estamos querendo ir lá”, e dali uns dois dias liga a Nega.

Vinicius Bertolo: Ó, quando tem show, favor dar uma passadinha no Facebook uns dias antes pra ver como são as combinações”, aí ela “aham”. Aí quando chega no dia do show: “bá, não sabia que ia ser assim”. Bom, isso deve acontecer com vocês também, né.

 Sobre não fazer música para vender, com o horizonte da venda, hoje, por exemplo, tem o disco físico pra vender e o download gratuito na internet. Como funciona?

Evelíny Pedroso: Eu acho que é inadmissível que a cultura seja vendida, entendeu? Quando a gente era índio…

Vinicius Bertolo: Eu não era.

Evelíny Pedroso: A beleza estava no cotidiano, estava com a gente. Depois, se tira a beleza pra que as pessoas tenham que comprar ela, entende? É complicado, porque a gente  tem que receber o pão de cada dia. Eu sou artista, todo mundo aqui tem outra profissão além dessa. E é difícil, saca? Mas a cultura, ela não precisava ser vendida, eu acho que ela é a oferenda, ela é o sútil, ela é o que não é material. Ela alimenta não o corpo físico, também, porque ela cura, mas ela alimenta a parte espiritual da gente. Por mais que alguém venha me dizer assim “sou ateu”, tranquilo, alimenta a sua energia. Então eu acredito que… Nem sei o que eu falei agora.

Vinicius Bertolo: Na real, o negócio é o seguinte, tu pode ver por esse viés “vocês estão vendendo o CD”, mas nós damos a música. A gente sempre disse, desde o primeiro dia, quando a gente lançou o EP, que a música ia estar disponível, a música tá dada. O que a gente faz é o seguinte, a gente oferece uma maneira de as pessoas ajudarem a gente a pagar outras coisas que a gente vai precisar comprar, como estúdio pra gravar novas músicas, cenário, som, a gente tá comprando som próprio, aquele som que nós estávamos ali hoje é todo nosso. Então, se a pessoa tiver disponibilidade, tiver interesse em nos ajudar, ela paga 15 reais e leva não um disquinho com as nossas músicas, mas um zine com as letras e as cifras, a Belina montável, a capinha que é bacana, um CD legal, um adesivinho, um imã de geladeira. Então a gente não encara como “estamos vendendo”, as pessoas adquirem alguma coisa, uma camiseta, numa maneira de ajudar a banda, se elas assim acham. Muitas vezes a gente toca, como hoje tocamos, e nós pensamos o seguinte tu paga R$ 10,00, R$ 15,00 de couvert pra ver uma banda. Com a gente, a pessoa não paga nada e pode muito bem levar um disquinho. Vai levar mais coisa pra casa, além da lembrança de ter visto a banda, e vai estar nos ajudando.

Adriano Taques: Mas se não quiser levar e ir lá na internet escutar.

 Esse era o eixo da pergunta, se não quiser pagar e quiser ter igual…

Vinicius Bertolo: A música tá dada desde o primeiro momento. Tá dada. Agora nós viabilizamos uma maneira de as pessoas nos ajudarem.

Adriano Taques: E a gente fica alimentando o site lá e bota da forma mais, que a gente consegue, da forma mais tranquila pra pessoa ir lá, e mais fácil, e não tem problema nenhum. Vai lá e vê.

Vinicius Bertolo: Não tem anúncio no nosso site, não tem que clicar em 3 coisas pra chegar. Não, tá lá…

Adriano Taques: É, clica no download e já vem.

Evelíny Pedroso: E a gente pagou pra ter um meio de produção, dessa gravação, com qualidade. Aí tem essa busca também, porque a gente pagou. Eu acredito que esse meio de produção devia ter um estúdio público, onde a gente tivesse a mesma qualidade. Aí seria diferente.

 Falando então dessa gravação, como foi lá no estúdio Midas em São Paulo?

Adriano Taques: A gente foi no peito, porque tinha uma promoção, era de 50% de desconto na hora do estúdio, que tem uma hora cara. Mas sempre teve, desde o começo, essa vontade. Eu fui uma pessoa que sempre puxei, o Vinicius também, “a gente precisa ter o que mostrar parar as pessoas, gerar conteúdo de alguma forma”, eu sempre fui contra fazer show sem ter música gravada. Então a gente foi primeiro pro estúdio e depois fazer o show. Eu acho estranho ir ver a banda, mas tá, eu quero ouvir a banda pra ver se eu quero ir no show ou não. Mas eu sempre tive isso na minha cabeça, e eu sempre disse, “não, a gente tem que ter um áudio profissional, tem que ser um áudio bacana, tem que ser bom”.

Vinicius Bertolo: É, e não é porque é gratuito que tem que ser mal feito também.

Adriano Taques: Isso é uma coisa que agora, talvez, a gente começou a encontrar novos horizontes. E tu busca lá em Porto Alegre ou lá em São Paulo. Em Porto Alegre ainda é difícil, tu precisa ir pra São Paulo.

Vinicius Bertolo: Até tu consegue chegar numa qualidade decente de áudio em Santa Maria mesmo, só que daí rola o seguinte, primeiro a gente queria ver nossas músicas no pleno da coisa. Nós queríamos, se nós tivéssemos a mesma parafernália dos Titãs, como que ia sair a nossa música? Então essa era uma curiosidade, e é o que tá no EP. E o seguinte, além disso, se transforma pra nós numa possibilidade de viajar, conhecer e aprender. Nós voltamos de São Paulo sabendo como é que se faz na qualidade, aquela que o comércio julga a melhor possível. Então a gente aprendeu uns truques que agora, se a gente for gravar aqui em Santa Maria, o cara tá gravando e a gente já pode dizer alguma coisa. Porque a gente viu, a gente aprendeu. Eu estudo bastante esse negócio de áudio. O Zuli entende um pouco, todos nós estamos começando a surfar isso aí também, porque faz parte.

Adriano Taques: Nessa de aprender e ficar junto, né, porque a gente ficou junto 6 dias dentro de um quarto…

Vinicius Bertolo: E não morreu.

Adriano Taques: É, e ninguém morreu, ninguém brigou. Com a Evelíny no meio de 5 homens…

Evelíny Pedroso: Na cama do meio e um monte beliche…

Adriano Taques: E o quarto fedido, cara.

Vinicius Bertolo: É, e ele (Rodrigo Cidade) roncava.

Rodrigo Cidade: Não, eu não. Isso aí é mentira. Eu nunca vi.

 Então essa experiência em São Paulo foi financiada por vocês mesmos?

Adriano Taques: Sim, totalmente.

Rodrigo Cidade: Foi uma briga, liga pra um, liga pra outro…

Adriano Taques: E eu botando pressão, “gente, vamos! Vamos!”.

Vinicius Bertolo: E um tá aqui, outro tá ali, outro tá na comunidade hippie, outro…

Rodrigo Cidade: Tava de férias…

Adriano Taques: Porque além de tu ter que ir lá gravar e pagar por isso, claro, menos 50%, você entra dentro de uma triagem das bandas de todo o Brasil que enviam coisa pra lá. Então quando a gente recebeu o e-mail de resposta “você está selecionado”, nós tivemos que ir, né. E eu fiquei botando pressão, botando pressão. E a Nega tava sei lá, no vale do morro dos hippie, e não tinha como falar com ela, e a gente tinha que responder.

Rodrigo Cidade: Eu quando cheguei em Santa Maria, eu tava viajando, o Zuli tava puto da cara. Eu não sei o que lá, “não, nós temos que ir”. E aí liga, liga, liga.

Evelíny Pedroso: E ele conseguiu, cara. Ele ligou pra casa, bá, cara, se tu soubesse o que tu conseguiu. O telefone ficava pendurado numa janela, que é o único lugar que pega naquele lugar. Que sorte.

Adriano Taques: Hippie é foda, cara. Tem que pegar e botar todos os hippies no mesmo lugar e explodir. Junto com os hipsters.

Vinicius Bertolo: A Eve é legal que tu liga pra ela, “Eve onde é que tu tá?”. E ela, ao invés de dizer, “estou no mercado”, ela diz “ah, estou aqui em Itaara com um pessoal, aqui fazendo uma purificação, eu estou no meio do mato aqui não sei onde”. Nossa baiana.

 E qual vocês acham que é o reflexo na música de vocês, pelo fato de o processo ser assim, auto-financiado, matando no peito, correndo atrás?

Vinicius Bertolo: É que a gente só conhece esse jeito, né.

Rodrigo Cidade: Mas, eu pelo menos penso que de certa maneira nos dá essa liberdade. Ninguém é uma fábrica de vender ilusões. Nos dá a liberdade de falar o que a gente tá afim de falar.

 Não tem patrão.

Rodrigo Cidade: Nós demitimos o patrão.

Evelíny Pedroso: É o processo da liberdade, porque eu não tenho que cantar o que alguém diga que eu cante…

Rodrigo Cidade: O que é bonitinho ou o que tá certo.

Vinicius Bertolo: Mas se pagarem bem, depende do canto que eles querem. Brincadeira, brincadeira.

 No CD físico tem ali “esse é um disco independente”. O que representa pra vocês ser artista independente?

Adriano Taques: Na verdade a gente não sabe o outro lado, né.

Vinicius Bertolo: Ninguém mostrou nada para a gente.

Adriano Taques: Eu acho que trampar com a Geringonça é sempre isso, cara, esse trampo enorme, mas muito, muito, muito bem recompensado. O sorriso das pessoas sabe?

Cezar Gomes: É, ele não é recompensado financeiramente, mas ele é recompensado por um outro lado que, pelo menos pra nós, pra mim e pra eles, tem muito mais valor do que o dinheiro.

Adriano Taques: Eu, particularmente, gosto de olhar as fotos da plateia depois do show. Dá pra ver as pessoas sorrindo. É legal quando a tua vida, as coisas que tu faz, tocam a outra pessoa de uma forma positiva. Acho que isso é uma grande recompensa, então enquanto a gente conseguir fazer isso.

Vinicius Bertolo: A Geringonça tem muito pra mim, e eu acho que pra todo mundo, a oportunidade de transcedência. Porque a gente vive com pouca religião, nenhum de nós é muito religioso e a gente não acredita no trabalho também, no sucesso de gravar, de ficar rico. E a gente também não acredita em mudar o mundo. No que a gente acredita? Eu acredito na Geringonça. Eu acho que tem isso na Geringonça, da oportunidade de a gente fazer uma coisa que dá sentido. Ela transcende. Eu trabalho a semana inteira, todos nós trabalhamos. Se tiver a oportunidade de, nesse final de semana, fechar com todo mundo pra gente poder ensaiar, tocar, se juntar, é uma coisa de fé mesmo. É uma fé . Se for parar pra fazer todos os cálculos, de repente nem vale a pena, de repente tu tá movendo uma usina pra acender uma lâmpada, mas é fé.

Rodrigo Cidade: Mas tem uma coisa assim, além dessa galera que tá aqui, tem mais umas 40 pessoas em volta disso aqui. E muito de fazer esse movimento que existe em Santa Maria, cultural, que fica meio pelos calabouços, não se aparece. Tem o TUI (Teatro Universitário Independente) lá, que é o espaço que a gente começou a ter uma relação com o Teatro Por Que Não?, que nos ajudou a fazer o processo de iluminação, de direção de cena, o Ateliê Casa 9, aí tem a revista em quadrinhos do Jorge e do Heinen, que também vem nesse movimento aí, o Jorge é o que concebeu, vamos dizer, essa parte da imagem. Quando nós fizemos as músicas, aí a gente teve o contato com o pessoal das artes visuais e o pessoal desenhou as músicas. Teve um cara que fez um ensaio do “Baile de Máscaras”, que se tu vê, tá lá no site. E aí a Michele também que, de certa maneira, pensou os figurinos, trabalhou em cima disso. Então tem uma galera. A Macarena que sempre esteve tirando foto, também sempre esteve trabalhando nessa questão de registrar o momento, o ensaio. Eu acho que nós conseguimos construir uma mística e fazer, com essa coisa de trabalhar imagem, de trabalhar os sons, os arranjos, e que são músicas populares, são músicas populares humanas. Eu acho que isso só colaborou pra que as pessoas parassem pra prestar atenção, ver. Eu já vi uma guria que botou lá na abertura da tese dela…

Adriano Taques: Tem uma menina que botou na dissertação de mestrado dela o “Baile de Máscaras”.

Rodrigo Cidade: O “Maquinário”, eu já vi dois trabalhos que se chamam “Maquinário”. De fato, nós nos juntamos pela universidade, todo mundo estudando.

Vinicius Bertolo: Esse é o Brasil do Lula, todo mundo formado.

Evelíny Pedroso: Eu sinto assim, que pra mim a Geringonça, a maior contribuição emocional pra mim, é a questão de nós conseguirmos trabalhar entre várias pessoas. Ser além da banda, sabe. Porque hoje em dia, parece que quanto mais algo for comunitário, ou em conjunto, coletivo, social, mais difícil. Acontece oque? Arranca rabo e já era, tchau. As pessoas não estão querendo ficar junto.

Vinicius Bertolo: As pessoas não foram treinadas pra ficar junto, foram treinadas pra competir.

Evelíny Pedroso: É, e a gente meio que não se poda.  Se fosse uma plantação…

Vinicius Bertolo: Opa! Dava cadeia.

Evelíny Pedroso: Não seria algo que a gente estivesse matando tudo, seria algo que a gente respeita a natureza das pessoas e permite a elas um suporte de mostrar o seu sentido pra cada coisa. Porque lá vem a diretora de teatro e diz “ah, mas eu acho que tu podia escorregar numa porta, fazer uma cena”. Vai, vai também. “Ah não, nós vamos fazer uma máquina gigante que não sei o que”. Vem também. “Ah, mas o fósforo, eu quero fazer uma música sobre o último palito que está pra terminar”. Vem também. E não “não, nós só vamos falar de amor, não, não, não”…

Vinicius Bertolo: Isso aí é feio, é cafona.

Evelíny Pedroso: No momento que você poda, existe um líder. No momento que começa a se podar, existe um líder…

Vinicius Bertolo: Tem muito a ver com a dinâmica da brincadeira, né. A gente faz muitas coisas como a criança brinca, só por diversão. Se fosse comercial, de repente a gente não ia poder brincar.

 Pensando justamente nisso, a fórmula de criação de vocês é muito liberta, não tem amarras, mas o humor é uma tônica. Como funciona isso, é natural, da personalidade de vocês?

Adriano Taques: Tem horas que descamba pra uma bobice sem fim, cara. Tu não tem noção. E eu sou muito responsável por isso.

Vinicius Bertolo: Tá todo mundo sóbrio. Registre-se isso. Tá todo mundo sóbrio.

Evelíny Pedroso: É alongamento de tripa direto. Alongamento de tripa é quando você ri de rir até, ri demais…

Adriano Taques: Saca o cara que trabalha a semana inteira? É uma terapia, é tu sair um pouco pra fazer isso, mesmo que tu tenha que trabalhar um monte pra poder fazer isso.

 Hoje, por exemplo, o show foi terapêutico?

Vinicius Bertolo: Foi aeróbico. Hoje o show foi aeróbico.

Adriano Taques: Eu adorei pular dos degrauzinhos, cara.

Cezar Gomes: Eu não adorei tropeçar neles, porque degrau mais tapa olho é uma coisa que não dá certo, definitivamente.

 Voltando ao EP, como foi o processo de escolha das músicas que iriam ser gravadas?

Vinicius Bertolo: A gente levou em consideração o conselho do Tim Maia, é uma seca sovaco e uma mela cueca. É sobe e desce. Começa alegre, termina alegre. Não, na verdade a gente escolheu as que a gente sabia tocar.

Rodrigo Cidade: Nós fizemos uma análise assim, nós vamos parar dentro de um estúdio, o estúdio é um que tem bastante recurso, então nós vamos trabalhar as músicas em que nós temos mais complicação. A primeira que entrou no set foi a “Geringonça”, a música de abertura, que ela tem três ritmos diferentes, é uma valsa, é um samba… E tinham vários instrumentos, tinha banjo, tinha não sei o que. Então nós começamos a pensar nesse sentido.

Vinicius Bertolo: Vamos aproveitar essa qualidade.

Rodrigo Cidade: Tanto que tem músicas que nós estamos guardando pra gravar aqui em Sobradinho.

Vinicius Bertolo: A gente quer gravar o “Baile de 2053” num estúdio de bandinha de verdade.

Adriano Taques: A gente quer ir num estúdio de bandinha onde eles só produzem bandinha há 20 anos.

Vinicius Bertolo: A reposta basicamente é essa, a gente queria aproveitar a qualidade do som pra mostrar essa coisa que a gente tem de muito instrumento e muita coisa.

Adriano Taques: Mas uma coisa que a gente quis, é que a gente tinha quatro músicas gravadas, que não fosse nenhuma dessas quatro.  A primeira coisa foi isso.

Vinicius Bertolo: Nós temos 6, mas duas não prestaram, duas gorou. Não ficaram legal.

Adriano Taques: Até tinha que largar aquilo uma hora. Só pra…

Vinicius Bertolo: Não. Bá, eu escutei esses dias.

Adriano Taques: Mas eu acho que foi mais ou menos assim. Tiveram algumas coisas que foram unânimes, tipo “Maria”, “Silêncio” e “Florisbela”.

Vinicius Bertolo: Elas tavam na fila já. Dava para sentir que elas queriam ser gravadas.

Adriano Taques: É, e a música que tá na fila agora é o “Farmacê”, que a gente vai gravar agora. Tem coisas que estão na fila, o “Fósforo” tá na fila, “Meu Amigo Violão” tá na fila.

Cezar Gomes: Pra mim todas que não estão gravadas, estão na fila.

Adriano Taques: É, mas tem algumas que estão mais na frente da fila, né.

Vinicius Bertolo: Pra ter uma ideia do universo, a gente deve ter mais de 30 músicas. A gente apresenta  17 no espetáculo e tá sempre cortando coisa.

 E clipe, vocês tem idéia de fazer outro clipe?

Vinicius Bertolo: É o complemento, né, nós estamos discutindo bastante isso. Uma ideia é fazer um CD, mas custa uma fortuna pra alcançar um álbum completo. Então, enveredar, juntar todos os esforços pra viabilizar esse CD…

Rodrigo Cidade: Um CD com 14 músicas e tal.

Vinicius Bertolo: Ou viabilizar 2 ou 3 clipes? Eu pendo muito pro clipe. O álbum é de grande valor, tu capta todo um momento, nuances. O álbum é uma obra completa.

Vinicius Nicolini: Aquela banda mais birrenta da cidade, como é que é…

Vinicius Bertolo: A banda mais feiosa…

Adriano Taques: A Banda Mais Bonita (da Cidade)…

Vinicius Nicolini: Todo mundo conheceu a banda por causa do clipe, né.

Vinicius Bertolo: Esse tipo de coisa também não resolve, né. Porque depois do primeiro estouro todo mundo odiou eles.

Adriano Taques: A banda mais odiada daí…

Vinicius Bertolo: O álbum é o formato de ontem, só que o álbum mostra uma determinada banda, por exemplo, tu pega o Abbey Road, tu pega um momento da história dos Beatles. Eles estavam ali, crise interna, mas criativamente efervescentes, o George Martin podendo usar de tudo. Tudo aquilo se forma, tu vai escutar, de repente, uma das músicas num shuffle, tu vai curtir, mas não é a mesma coisa. Se tu escutar o álbum inteiro, aquilo pesa. É uma coisa com mais peso. Só que já não tá mais indo, não vai.  Tu consegue um alcance, uma abrangência, muito maior com um clipe. Se desse pra fazer as duas coisas, um álbum, botar com os clipes, isso aí não é só uma fórmula comercial, isso também tem uma lógica, a lógica de tu poder apresentar aquele momento de forma completa com todos os nuances, de tu poder gravar música triste, música lenta, que a gente tem, toda a banda tem, que a vida tem. E ao mesmo tempo tu conseguir fazer com que algumas delas vão lá dar a mão pras pessoas, trazer as pessoas. Algumas músicas a gente sabe que tem mais potencial de fazer isso. Só que a verba é curta.

Adriano Taques: No momento a gente está pensando muito no “Farmacê”. Falar nessa questão do “Farmacê”. Fazer um clipe nessa música, e tal, abordar essa questão. Ou não, sei lá. A gente não entrou num acordo ainda, mas acho que sim.

Vinicius Bertolo: Vamos amadurecendo, né, primeiro tomando seu tempo, ficando vermelhinho. O EP foi muito isso, ele amadureceu.

E como foi a experiência no Rio de Janeiro, tocar no Circo Voador?

Vinicius Bertolo: Sabe o que a gente sentiu?

Evelíny Pedroso: Medo.

Vinicius Bertolo: Medo. Medo pra caralho.

Rodrigo Cidade: Eu tava sossegado.

Evelíny Pedroso: Não tava nada.

Vinicius Bertolo: Não, na verdade é o seguinte, uma coisa que chamou, pra mim, muita atenção, é que se tu pegar as 24 bandas que estavam lá, tu vai ver que houve uma seleção completamente diferente do que se pode imaginar. Talvez a Filarmônica de Pasárgada foi uma banda que tenha uma circulação dentro do cenário daquela musiquinha que se faz lá em São Paulo, lá no Rio, com aquele Marcelo Jeneci. E o resto eles pensaram em bandas de frevo, bandas de blues, e chamaram muito pela diferença. Então nós chegamos lá e todo mundo tinha 10 anos de estrada. Todo mundo tinha um equipamento que a gente não consegue ter ainda. Então a gente era meio que os caçulas lá. Mas foi muito legal, porque…

Adriano Taques: Na passagem de som a galera já veio conosco. De saída. Isso que na passagem de som a gente tava vestido assim (sem maquiagens e figurinos).

Rodrigo Cidade: O que eu gostei mesmo foi ter tomado cerveja no lugar onde é a boemia mais antiga do Brasil, que é ali na Lapa.

Vinicius Bertolo: No mesmo lugar onde o Pixinguinha tomava cerveja.

Rodrigo Cidade: Ei que coisa massa!

Vinicius Nicolini: Uma coisa muito legal lá no Rio é que..

Vinicius Bertolo: Tem praia, bota bom. Vou mandar fazer uma aqui em Camobi.

Vinicius Nicolini: Era uma competição de bandas, né, mas entre as bandas o clima era de “vamos lá galera”.

Evelíny Pedroso: O clima era “somos artistas”, todo mundo na mesma vibe.

Vinicius Bertolo: Mas é que daí tu pensa, eu falei isso com um rapaz lá, “ah como todo mundo é gente boa”, disse o cara, mas aqui todo mundo é banda independente. Todo mundo aqui é Cristo. Todo mundo aqui tá carregando uma cruz por motivo nenhum, por motivo de gostar mesmo. Tava todo mundo na mesma vibe que a gente…

Adriano Taques: Tava todo mundo num hotel tri bom, no meio da Lapa, sem gastar nada, com comida de graça…

Rodrigo Cidade: Isso é de se dizer, a forma que o pessoal nos recebeu, que nós ficamos hospedados…

Adriano Taques: São muito organizados, cara. Muito organizados mesmo. Uma coisa que eu sempre falo e já falei em outros lugares é que, em termos de técnicos, de pessoas que trabalham com áudio tanto em volta de um palco quanto dentro de estúdio, eu só fui tratado como alguma pessoa que existe em cima dessa terra no momento que eu fui para São Paulo e para o Rio de Janeiro. Por que a gente entra nesses estúdios que tem aqui e os caras tratam a gente que nem uns cusco velho…

Cezar Gomes: Pior que um cusco velho.

Adriano Taques: Pior que um cusco. Sobe no palco, sei lá, do Macondo Circus e o técnico te olha com uma cara como se ele quisesse que tu não estivesse ali.

 Sobre essa questão bem contemporânea da cultura, de coletivos como Fora do Eixo, entre outros, desse novo modelo de gestão, como vocês se sentem?

Adriano Taques: A gente se sente fora…

Vinicius Bertolo: Fora do fora do eixo. Não, eu não sei, eu, da minha parte, me abstenho desse assunto aí.  Abre muita interpretação. A gente não tem trabalhado, estamos tentando fazer um caminho mais no peito mesmo.

Evelíny Pedroso: Mas sobre isso eu tenho uma coisa para dizer. Produção artística, produtor cultural e artista são iguais, mesmo valor para os dois, não valor diferente.

Adriano Taques: Mas sobre a questão de quem tá em volta do palco. Aqui em Santa Maria é complicado, chega dentro do bar pra passar som e o cara boicota a tua banda. A troco de nada.

Vinicius Bertolo: Ele é o profissional, tu é o amador.

Adriano Taques: Ele é o profissional e tu é o amador. Daí o cara tá ali…

Cezar Gomes: Parece que ele tá fazendo um favor para o cara de estar ali.

Vinicius Bertolo: O troço não está como tu quer, tu tá esperando que o teu instrumento venha, ele não vem no teu ouvido, tu reclama e ele acha ruim.

Adriano Taques: É, enquanto que no palco do Circo Voador, onde eu esperava ser mal tratado, eu esperava…

Vinicius Bertolo: O cara ficava o tempo inteiro olhando pra gente pra saber se tava bom, como é que tava…

Adriano Taques: Eu cheguei lá de cabeça baixa, assim, como quem pede desculpa pra passar. E os caras “tá legal, tá bacana?”. Peguei a guitarra e o cara veio plugar o cabo na minha guitarra.

Vinicius Bertolo: No estúdio em São Paulo a mesma coisa.

Adriano Taques: Hoje em dia “ah, não dá pra fazer por isso, por aquilo”. Um mau humor. Eu só fui bem tratado por técnico de estúdio e por técnico de palco nos melhores lugares que eu já, por felicidade, consegui ir.

Cezar Gomes: Os caras estão sendo pagos pra viabilizar aquilo e estão ali como se estivessem fazendo um favor pra ti.

Vinicius Bertolo: Rola uma coisa há muitos anos no negócio do entretenimento. Técnico de estúdio, técnico de som, eu acredito que cansa. Também não vou dizer que essas pessoas são más de natureza, mas elas já escutaram tanto esporro, já brigaram com tanta gente. Mesmo artista velho fica chato. A gente acabou convivendo com alguns artistinhas mais afirmados, mais antigos no mercado, e a gente nota que eles não têm a paciência, a bondade de trocar uma ideia contigo. Tá todo mundo de saco cheio. O cara profissional, como são lá, ele não transparece, ele trabalha pra ti, ele faz com excelência aquilo, é isso que dá para sentir. Eu acho que essa é a grande diferença. O cara tem a humildade de saber, que apesar de ele estar ali há 50 anos e de ser uma das maiores autoridades daquilo, sabendo muito mais que tu, ele tá trabalhando junto contigo, ele tem que te escutar. Faz parte do serviço. Pra ser um bom produtor precisa ter um bom ouvido e um ótimo saco.

 Antes vocês se referiram ao Rio de Janeiro como “lá de onde deveriam vir as novidades”. Nós estamos aqui, no centro do estado, no interior, e existe uma questão geográfica, óbvio, mas  tratando-se de espaço para apresentar uma música sem caráter comercial, sem fórmula matemática, vocês acham que o espaço para músicas desse tipo está aumentando? E se sim, por que está aumentando?

Vinicius Bertolo: Espaço tem, dinheiro não.

Rodrigo Cidade: Não, tá aumentando sim. Nós estamos caminhando para um outro momento aí do universo…

Vinicius Bertolo: Olha, Era de Aquarius!

Rodrigo Cidade: Acredito nisso mesmo, e é percebido isso nesses movimentos populares, nesse processo que tem acontecido. E aí isso não é muito organizado mesmo, porque é um movimento espontâneo, é um movimento…

Vinicius Bertolo: Peristáltico.

Rodrigo Cidade: É um movimento de caráter popular, as pessoas estão cada vez mais tendo a oportunidade de falar o que pensam, dizer o que acham. De ser, de fato, quem se é.

Evelíny Pedroso: É o Zezinho que busca uma caixa de som, que junta com o Mariozinho que busca outra caixa de som, que junta com o outro que tem a boa vontade de emprestar um microfone, que junta com o outro que vai ali vender umas coisas, que junta com o outro que quer tocar.

Rodrigo Cidade: Acho que cada vez mais isso está sendo possível e acho que um dos processos que é por conta da internet mesmo. A internet permite, é uma ferramenta fantástica mesmo. E aí eu vejo, nós fomos tocar lá no festival do Seu Valda e estamos cantando “Famarcê” e o cara é da indústria farmacêutica. Então vamos numa boa, vamos lá apresentar o que nós temos pra dizer, apresentar a arte que conseguimos fazer que é isso daí. Acho que isso tem uma diferença, nós não fomos pra lá e de lá nós nos transformamos em outra coisa para poder se apresentar. Nós fomos lá sendo o que a gente é, e eu acho que ser independente permite isso, de a gente continuar sendo o que de fato a gente é.

Adriano Taques: Eu não sei se tá aumentando ou não. Eu acho que talvez sim.

Vinicius Bertolo: É porque eu acho que a frase resume bem, o cara fala brincando mas é sério, espaço tem, dinheiro não. Vai ter espaço cada vez mais, aqui em Santa Maria mesmo, se tu pensar em 10, 15 anos atrás. O espaço para uma banda tocar hoje é muito maior. Agora, antigamente, quando tu conseguia gravar com uma banda, que uma banda chegava a ter, como nós temos hoje, 9 músicas publicadas, tu esperava já estar ganhando algum dinheiro. E hoje a gente tem e sabe que todo o dinheiro que entrar a gente vai precisar reverter, não vai dar dinheiro. Então todo mundo tá aprendendo a trabalhar sob essa perspectiva.

Evelíny Pedroso: Mas eu acho que a gente é muito valorizado por projetos independentes, e não por projetos financiados pela prefeitura, pelo governo. Ou seja, eu acredito que o espaço não tá se abrindo. Porque esse espaço que poderia abrir para o novo, as novas bandas, ainda está em cima do folclore, ainda investe em apresentação de 20 de setembro, em rodeio, entendeu? Em folclore.

Cezar Gomes: Em Marcha pra Jesus.

Rodrigo Cidade: Eu pergunto se nós temos direito de acessar um recurso público. Será que nós somos uma banda que representa o povo, as pessoas que trabalham. Será que nós temos direito de acessar um recurso público? Aí tu vê reportagens, acessam R$ 2 milhões lá, não sei que banda, e aí a gente se questiona isso. E às vezes nós pensamos em fazer isso, eu fui até fazer curso pra captar, mas eu vi que o processo é num tranco muito louco, o circuito é bem fechado, ele serve pra algumas coisas. Iniciativa assim que nem nós falamos, de ter um estúdio público, um estúdio da universidade, parece que não se consegue fazer, é muito difícil tu conseguir ter.

Vinicius Bertolo: Vocês percebem que o assunto tá no dinheiro, não no espaço.

Rodrigo Cidade: Nós mudando um pouco desse acesso à tecnologia, tu consegue também ter. Hoje talvez nós não conseguimos gravar com a melhor qualidade que tenha, mas com o que nós temos hoje em Santa Maria nós conseguimos gravar uma boa música.

Vinicius Bertolo: Uma coisa importante de dizer nesse aspecto, as pessoas são muito, mas surpreendentemente, muito generosas com a Geringonça. Talvez pela sinceridade com que a gente faz, talvez porque a gente não tenha maneirismos e não tenha escolhido um público. Mas, assim, amigos meus de longas datas ou desconhecidos, repercutem a gente com louvor, repercutem a gente com coração, brigam por nós, enchem alguns espaços por nós. É uma das coisas que, se o dinheiro não vem, o espaço tá começando a se abrir e o retorno, um carinho, compreensão, é muito maior pra todos nós, acho que posso dizer isso, do que a gente chegou a suspeitar no começo. Quando a pessoa bota uma matéria no jornal, ou toca a nossa música na rádio, ou na internet, a pessoa vai lá e “olha o EP da Geringonça, é ótimo”, bá, que massa, sabe? Da parte das pessoas isso é bacana. Tá rolando uma compreensão da parte das pessoas. O gosto das pessoas é até mais do que a gente chegou a esperar.

 O movimento das pessoas, podemos dizer então, é o que tá furando esse bloqueio?

Vinicius Bertolo: Por um lado, das pessoas nos gostarem, e por outro de a gente ter a disposição de fazer sem ganhar. Ou ganhando pouco. Porque a gente também faz ganhando, às vezes faz até ganhando bem. Mas também faz sem ganhar. E a gente tá cavocando. Estamos começando um troca-troca com uma banda de Porto Alegre pra eles virem aqui tocar, mostrar uma coisa que o pessoal não tem visto aqui, que é diferente, e a gente ir lá também e as pessoas de lá também poderem ver. Desse jeito também com os meios de comunicação.

Rodrigo Cidade: Se transforma num intercâmbio cultural sem…

Vinicius Bertolo: Sem grana.

 Embora isso não paute o processo criativo, vocês têm o objetivo de poder sobreviver da Geringonça?

Cezar Gomes: Ah, com certeza. É praticamente um sonho.

Vinicius Bertolo: É um sonho, não é um projeto.

Evelíny Pedroso: Eu não tenho esperança que dentro de um sistema capitalista eu ainda vá viver de música, mas eu tenho a esperança que dentro de um sistema anarquista…

Vinicius Bertolo: Só tem que derrubar o sistema.

Rodrigo Cidade: Isso aí tá fácil.

Adriano Taques: Já estamos no caminho.

Evelíny Pedroso: Mas no capitalista não tenho muita esperança não.

Vinicius Bertolo: Não, mas é que é o seguinte, a gente pode ter no mínimo um capitalismo melhor, um capitalismo legal, um capitalismo bacana.

Adriano Taques: Um capitalismo do bem.

Vinicius Bertolo: Não, agora falando sério, cada um vem de um viés, cada um vem de um momento. Mas é claro que assim, entre o que é totalmente fechado, totalmente comercial, totalmente, vou te dizer, comercial ou capitalista não é bem o termo, o termo é dinheirista. Porque o troço é completamente dinheirista, fissurado em dinheiro, pautado em dinheiro. E o que é totalmente libertário, pautado no amor, existem várias nuances. Se a gente conseguir acender uma luzinha dentro de uma perspectiva histórica, estamo fazendo. Talvez um pouquinho, duas, três cabeças em Camobi, duas, três cabeça no Bairro do Rosário, talvez. Além disso, a gente se diverte pra caralho. No meio tempo a gente se diverte.

 Agora em dezembro (de 2013) vocês fazem dois anos de banda. Qual a programação a partir de agora, as perspectivas?

Vinicius Bertolo: A gente vai fazer uma suruba…

Adriano Taques: E várias execuções.

Vinicius Bertolo: A gente vai fazer uma suruba na Várzea do Meio, e a gente quer convidar toda a população, os movimentos sociais, para ir na Várzea do Meio, de Agudo.

Adriano Taques: A gente vai tocar…

Vinicius Bertolo: Uma coisa para ser dita nesse quesito é que a gente tá, pela primeira vez na história, com uma agenda. Sempre o pessoal perguntava “e aí, como que está a agenda de vocês”?

Adriano Taques: “Vocês tem algum show programado?”, “não, não, nenhum”.

Vinicius Bertolo: Fechando com o Psicodália no carnaval.

Rodrigo Cidade: Aí também pro ano que vem nós já demos meio que uma conversada, já estamos bem mais ou menos, a natureza tá encaminhando, pra gravar o “Farmacê” e gravar mais uma música.

Adriano Taques: Dar um jeito de lançar conteúdo, de fazer alguma coisa para as pessoas escutarem…

Vinicius Bertolo: Para as pessoas não cansarem das mesmas músicas.

Adriano Taques: É, porque o EP tá ali, tá legal, tá bonitinho, tá bacana. Mas cadê? Tem que ter mais.

Rodrigo Cidade: E estamos fazendo um outro espetáculo

Vinicius Bertolo: Uma hora sai. No seu ritmo ele tá nascendo.

Adriano Taques: É, a ideia é poder fazer um outro lance, onde eu não seja mais um palhaço, ele não seja mais um grilo, que a gente possa mudar, mudar os personagens, sair da zona de conforto. Talvez a gente já esteja aprendendo a lidar com esses figurinos, com esse espetáculo e de alguma forma a gente precisa sair deles.

Rodrigo Cidade: E isso é uma coisa que também nos perguntam muito, “e aí, vocês vão trocar, e a marca, e como que é”.

Vinicius Bertolo: É que o artista grande ele troca o público, né, ele faz o mesmo show e vai trocando a plateia. A gente não faz show quase sempre pra mesma platéia? Então a gente vai ter que trocar o show, as músicas.

 Inventar uma nova gambiarra.

Vinicius Bertolo: Uma nova gambiarra, é, começar a improvisar. E outra, estamos todo mundo crescendo, envelhecendo e trocando de cabeça.

Rodrigo Cidade: Eu estou sendo pai. Nesse momento.

Adriano Taques: Devia ser proibido, inclusive.

Vinicius Bertolo: Mas tem uma coisa que não calhou de dizer, mas é importante dizer dentro da perspectiva da Geringonça. Se tu pegar discos brasileiros dos anos 60 e 70, e eu não falo dos Tropicalistas, eu falo desde o Roberto Carlos ao Valdique Soriano, a liberdade musical era muito maior do que as bandas mais anárquicas de hoje. Pega um CD do Raul tu vai escutar um tango, dali a pouco um mambo, dali a pouco um samba. O que nós estamos fazendo, as pessoas estranham que a gente faça isso de tão acostumadas que estão de escutar o Tequila Baby fazendo um disco com 12 punk rock.

Adriano Taques: Aí você vê o Los Hermanos… Tá, não vou entrar no assunto.

Vinicius Bertolo: Não tá sendo inventada nenhuma roda, sabe, a Geringonça não se propõe a isso. Eu acho que os artistas, a banda, o músico, tem aquela coisinha que tu gosta. De repente tu assistiu tanto Tom e Jerry na vida que tu tem o “tumba, tumba, tumba, tumba” na tua cabeça, e aí tu não pode fazer “porque minha banda é de samba”. Ou lá na tua casa tu gosta do Mano Lima, mas tu não pode replicar, não pode compor naquele estilo.

Adriano Taques: Eu já ouvi comentários assim “ah, cara, gostei do show, mas tinha um funk lá no meio. Aí não”.

Rodrigo Cidade: Eu já escutei o contrário, “ó, isso aí não é a minha praia, eu gosto de heavy metal, mas foi da hora”.

Cezar Gomes: Inclusive eu já ouvi comentário de gente dizendo que odiou o show da Geringonça. “Não, não gostei. É uma bosta, não se decide o que quer fazer”.

Adriano Taques: Talvez seja o comentário mais sensato, a pessoa mais sensata.

Cezar Gomes: É. Ela não gostou.

Adriano Taques: Mas essa questão é muito ruim, inclusive hoje em dia. A banda se reúne pra tocar e não se permite sair fora do quadradinho, da fórmula.

Vinicius Bertolo: E esse esquema não é natural, ele não vem da pessoa. A pessoa, e vocês sabem disso, quando vocês estão no banheiro, e a gente faz essa analogia sempre, se vocês entrarem no nosso site tem isso, que a MPH (Música Popular Humana) é a música que se canta no banheiro. Vocês devem se pegar cantando às vezes alguma coisa.

Adriano Taques: “Show das Poderosas”, eu sei.

Vinicius Bertolo: Isso não é gratuito, isso é porque a gente é assim. Só que daí pra quem é útil a ideia de tu compartimentar? Pra gravadora, porque dai ela consegue formar público. Aí a pessoa precisa externar, daí ela vai pagar a camiseta, ela vai pagar o pôster, ela vai pagar o disco novo daquele artista. E tu vai também replicar aquilo como conteúdo. Então eles ganham. Até falei da Tequila Baby agora e me lembrei, eu conheci eles e eles conhecem muito, conhecem samba, conhecem muito. Só que  eles têm a profissão que é tocar o punk rock e repetiram isso durante 3, 4, 5 discos. Eles ganharam dinheiro, mas, de repente, chegou um ponto em que a banda não consegue mais fazer aquilo, pelo menos com propriedade.

Adriano Taques: Ou  talvez isso não se aplique para algumas pessoas, sabe.  Eu conheço pessoas que há 20 anos gostam do mesmo tipo de música, só que elas gostam mesmo, saca. Enxergo sinceridade também nisso.

Evelíny Pedroso: Não, gente, nada a vê, tem galera que tem um ritmo só e aquilo é a natureza da banda.

Adriano Taques: É, não sei.

Vinicius Bertolo: Não, as pessoas não são asssim.

Cezar Gomes: Olha, cu e gosto cada um tem o seu.

Evelíny Pedroso: Vocês tem que escrever isso na entrevista.

Cezar Gomes: Eu toco com pessoas que são blueseiro, e vive uma vida de blueseiro, e são assim, e só ouvem blues. É assim, o negócio é daquele jeito. Eles ouviram a Geringonça, curtiram, mas tu não pensa que eles tem no carro. Não, eles ouviram, acharam bonito e deu. “Tá, eu conheci, é bonito. Bom vou ficar ouvindo meu blues aqui”, e ele ouve aquilo, toca aquilo e faz aquilo, é aquilo. E se sentem felizes.

Vinicius Bertolo: Bom, a parte importante dessa conversa toda é que é bem natural que a música seja maior do que o rótulo. É só tu deixar vir. A Nega começou isso aí, por que as primeiras músicas que a gente pensou em fazer, quando a gente começou, foram duas músicas dela, e uma era um samba e a outra era um blues. Isso já explicou pra nós, desde o começo, sem muitas palavras, que a coisa era assim mesmo.

Adriano Taques: E eu acho que o mais importante de tudo nessa entrevista, o que fica aqui é uma idéia que a gente tem bem clara, que é que a gente não sabe de nada. Tudo isso que a gente acabou de falar, a gente não sabe direito ainda. Sabe com o andar da carruagem as melancias vão se ajeitando? A gente não sabe. A gente só ta indo.

Vinicius Bertolo: E a gente também não é sério, a gente pode depois desdizer tudo que a gente tá dizendo.

Adriano Taques: Pode ser que sim, pode ser que não. Mas a gente não sabe.

 Geringonça é um estilo de vida mesmo?

Adriano Taques: Pra mim é, com certeza.

Vinicius Bertolo: É, só que é um estilo de vida muito anterior a Geringonça.

Adriano Taques: A gente não tem forma, não tem fórmula. Uma vez perguntaram para nós, “bá, vocês estão sendo bem vistos, o pessoal está gostando, e aí, como que faz para manter isso?”, a gente olhou e disse “não sei”. Eu acho isso bonito, cara. Poder falar isso, porque no fim a gente não sabe. Vocês não sabem, eu não sei, ninguém sabe.

Vinicius Bertolo: Erga tua mão pro céu.

Adriano Taques: É, erga tua mão para o céu e dê um viva do tamanho da tua vitória. É, mas eu acho isso bonito, cara.

Vinicius Bertolo: A vida é assim. A nossa é pelo menos. Guizado de segunda, tênis falsificado.

Evelíny Pedroso: A gente vive bastante o presente.

Vinicius Bertolo: É o que dá pra fazer.

Adriano Taques: Dá uma planejadinha ali, pra tentar fazer alguma coisa ali…

Vinicius Bertolo: Não sai daquele jeito, mas sai.

Cezar Gomes: O bom é que a Geringonça proporciona o cara não apenas sobreviver, mas viver. O estilo de vida geringonceado permite o cara viver, e não sobreviver. Eu não preciso ter dinheiro, eu não preciso ir no camarote, não preciso agregar valor.

Vinicius Bertolo: A gente é bem, bem, como que eu vou te dizer…

Cezar Gomes: Bocó.

Vinicius Bertolo: Mas olha, inclusive a maioria de nós é de fora, de lá do interior. A gente não “hypa” nada, a gente não sabe nada. A única pessoa que é da cidade na banda é hippie.

Adriano Taques: Vamos ter que largar o barco pra frente de alguma forma. Não vamos parar. Porque a gente não que parar, entedeu.

Evelíny Pedroso: A gente não quer parar, mas a gente não quer também programar demais.

Adriano Taques: Então, o que a gente tá pensando no momento é ir lá gravar talvez o “Farmacê”, mas eu acho que uma coisa legal de tu cativar é tu poder ter esses momentos, saca. Porque pra nós, quando a gente recebeu o e-mail de vocês (solicitando a entrevista), a gente disse “bá, é massa”. A gente gosta. Então, sempre que a gente puder fazer isso.

OUÇA OS PASSARINHOS , pelo viés de  Caren Rhoden,  Marina MartinuzziNathália Costa e Rafael Balbueno

Ilustrações, pelo viés de Rafael Balbueno

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