Algumas poucas barracas são espalhadas na fronteira do Parque do Cocó com a Avenida Engenheiro Santana Júnior. Faixas com os dizeres “Salvem o Cocó” são espalhadas por toda a ocupação, o que nos passa a ideia de um movimento com causa muito bem definida, proteger uma pequena parte do Parque da construção de um viaduto, promovida pelo prefeito Roberto Cláudio e pelo governador Cid Gomes, ambos do PSB. O bairro (um dos mais nobres de Fortaleza) leva o mesmo nome do parque e, consequentemente, o mesmo nome do rio que corta a mata ao meio.
Com uma estrutura bem mais limitada do que a maioria das grandes ocupações que tem ocorrido pelo Brasil, os cearenses se mantém no parque por uma motivação que divide os moradores e leva a uma questão já não tão nova assim: podemos, em prol do desenvolvimento urbano, abrir mão das nossas poucas áreas de conservação ambiental?
No fim do ano passado as eleições para a prefeitura cearense levaram à retirada do Partido dos Trabalhadores da prefeitura municipal e à inserção dos ditos socialistas no poder, um processo que ocorre em conjunto ao grande crescimento de popularidade de Cid Gomes no Ceará, o segundo governador mais popular do Brasil de acordo com pesquisa do Ibope. As propostas tecnocratas, muito voltadas para a pauta da infraestrutura, tem conquistado o eleitor em tempos de Copa do Mundo. Entre elas está a obra do fatídico viaduto que promete retirar “apenas” 7 m² da mata do manguezal”. Com os protestos em voga, os ambientalistas conseguiram mobilizar uma boa parcela de movimentos sociais e ocupar a área que pode ser destruída.
As refeições só são possíveis devido a doações de moradores que apoiam a causa, apoio esse que não pode ser generalizado a todos os cidadãos. Enquanto estive alojado junto aos manifestantes para a produção deste texto, três grupos de pessoas que passavam pela calçada, do lado de fora da ocupação, exprimiram sua revolta com termos chulos e gestos a todos os manifestantes. Os manifestantes, quando perguntados se ataques eram raros, riram ironicamente e concluíram dizendo que até pequenos explosivos caseiros já foram jogados contra eles durante a noite. “Isso é normal”, já que uma grande parcela da nobreza cearense morava na região e queria muito o viaduto para desafogar seu próprio trânsito. Entretanto nenhuma proposta para viadutos nas zonas mais pobres da cidade, que apresentam necessidades mais urgentes no quesito mobilidade urbana, está sendo planejada.
Escapar dos problemas estruturais não tem sido fácil, mas os manifestantes têm dado o seu jeito. Rodas de debate, Shows e documentários (quando a eletricidade permite) são exibidos para entreter e informar. Quando estava lá, até uma fanfic estava sendo feita. Ela irá ser distribuída para a população, informado os motivos da ocupação de maneira mais lúdica, uma grande preocupação dos manifestantes, tendo em vista que a grande mídia cearense (mais precisamente o Grupo Verdes Mares, afiliado à Rede Globo e o Jornal O Povo) está tomando uma estratégia diferente da que comumente tem tomado. Ao invés de deformar fatos, tem simplesmente ignorado a existência deles, fazendo uma cobertura pífia de todos os eventos ocorridos. É como se o viaduto já estivesse quase pronto, e os “rebeldes” fossem apenas um pequeno deslize na obra, que vai ser resolvido com alguns cálculos de um engenheiro competente.
A solução tem sido bem caseira. Praticamente semanalmente parte dos ocupantes saem do parque para divulgar, seja através de panfletos ou dos chamados “tranca ruas”, as causas e o que está ocorrendo. A opinião de muitos é a de que aquilo se trata de uma manobra da oposição petista para desacreditar o prefeito Roberto Cláudio, e a falta de divulgação dos ideais do movimento ajuda a fomentar essa muralha ideológica. No fim, as grades que separam o Parque do Cocó com o Bairro do Cocó estão deixando de ser uma barreira de utilidade ambiental e estão se tornando uma barreira social, demarcando claramente os interesses da elite cearense tecnocrata, que quer um trânsito melhor para os grandes eventos que estão por vir dos movimentos sociais que não toleram qualquer ferida (sejam 7 m² ou poucos centímetros) a um complexo ambiental reconhecido no Brasil inteiro como exemplo.
Desde que saí de lá, os manifestantes entraram em confronto com a Guarda Municipal de Fortaleza (que em teoria deveria ser desmilitarizada), foram praticamente expulsos do parque mas voltaram. A banda cearense Selvagens à Procura de Lei, bom exemplo do sofrido e mal divulgado rock nordestino, lança em um dos singles do seu último álbum a seguinte frase: “Nossos heróis de verdade morreram por covardia”. Não no que depender desses jovens conterrâneos que ocupam o Cocó. Estes parecem ter aquela teimosia dos velhos heróis ambientalistas dos anos 60/70. Sem abraçar nenhuma árvore, mas abraçando um parque inteiro.
RELATO: FORTALEZA RESISTE, pelo viés de Mateus de Albuquerque*
*Mateus é estudante de jornalismo na Universidade Federal de Santa Maria.