Na tarde desta segunda-feira (29 de julho), representantes dos assentamentos Madre Terra, Cristo Rei, Zambezi, Caiboaté e Itaguaçu, de São Gabriel, participaram de uma audiência com o Ministério Público Estadual, para tratar de direitos básicos que há quatro anos são negligenciados pelas diversas esferas do Estado. A revista o Viés acompanhou uma manifestação organizada pelo assentamento Madre Terra, em abril deste ano, cobrando tais direitos básicos das autoridades responsáveis. Leia aqui.
Os assentados da antiga Fazenda Southall vêm buscando, há tempos, que os órgãos competentes garantam a estrutura básica para que possam viver com dignidade, ter autonomia para realizar e escoar sua produção e garantir o acesso das crianças à educação. Para tratar destes assuntos, também participaram da reunião representantes da Prefeitura Municipal, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), da Secretaria de Obras Públicas do estado do Rio Grande do Sul (RS), do DAER, da 19ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), da Prefeitura de São Gabriel e do governo do estado.
Conforme o relato dos assentados, dentre os principais problemas tratados na audiência estão o acesso à escola para as crianças, o fornecimento de água tratada e luz, a construção de escolas emergenciais nos assentamentos mais distantes e a construção imediata das estradas.
A situação de descaso e negligência é alarmante. No início da audiência, mulheres do assentamento Madre Terra depositaram sobre a mesa da reunião uma garrafa pet contendo uma amostra da água salobra e enlameada que, até hoje, é a única disponível para os assentados, fervida para o consumo cotidiano. As autoridades presentes, convidadas a experimentar a água, fizeram vista grossa. As previsões para o fornecimento de água tratada, a ser realizado por meio do programa “Água para todos”, do governo federal, permanecem em um horizonte distante.
Além da falta de acesso à água potável e tratada, outra necessidade urgente do assentamento Madre Terra é a construção de estradas, que também vem sendo protelada há anos. Numa situação de grande distância e isolamento, elas são imprescindíveis para o acesso à saúde, à educação, assim como para a chegada de materiais para a construção das casas e para o indispensável escoamento da produção. Atualmente, o assentamento, distante 80 km da área urbana de São Gabriel, liga-se ao município por uma precária estrada de chão batido.
A construção das estradas, sob a responsabilidade da Secretaria de Obras do RS, está recém iniciando a abertura do processo de licitação. Por isso, as autoridades fizeram uma previsão mínima de quatro meses para o início das obras. Como a falta de estradas compromete o acesso a direitos básicos dos assentados e praticamente inviabiliza sua produção, eles solicitaram que a licitação seja realizada em caráter emergencial, mas saíram da reunião sem nenhuma garantia disso.
Depois da audiência realizada em abril, a Administração Municipal de São Gabriel havia se comprometido a garantir o transporte para a escola, buscando as crianças em suas casas. As estradas de terra foram paliativamente retocadas, e o transporte esteve disponível até as recentes chuvas, que deterioraram ainda mais as condições de acesso. Agora, novamente, as crianças estão tendo que percorrer quilômetros a pé até conseguirem acessar o transporte escolar, e foi necessário um novo acerto para que a Prefeitura volte a cumprir sua função.
Vídeo gravado pelos moradores do assentamento que retrata a precariedade das estradas com o atolamento de um ônibus que buscava as crianças na escola
A construção das escolas locais nos assentamentos mais distantes da cidade, que facilitaria (e, dadas as condições atuais, viabilizaria efetivamente) o acesso das crianças à educação, também está atrasada. O prazo para a finalização das obras era o início de agosto, mas foi protelado para o dia 20 do mesmo mês, no caso dos assentamentos Itaguaçu e Cristo Rei. No caso do assentamento Madre Terra, as obras iniciaram há apenas uma semana.
Outro ponto urgente tratado na audiência foi o fornecimento de luz elétrica, ainda indisponível nos assentamentos Cristo Rei e Madre Terra. Conforme explicado, o serviço depende da empresa concessionária, a AES Sul, que já deveria ter realizado – ou pelo menos iniciado – a instalação dos materiais e da estrutura necessária para que os assentamentos tenham luz. Por isso, o MP entrará com uma liminar na Justiça, solicitando que a questão seja solucionada o quanto antes.
Além das questões urgentes de infraestrutura, assentados relembraram o fato de ainda não terem conseguido acesso aos créditos da reforma agrária, direito e necessidade de todos os assentamentos de reforma agrária para viabilizar a produção no campo e o acesso aos financiamentos governamentais e incentivos à agricultura. Os créditos são fornecidos em três parcelas e, no caso do Madre Terra, em quatro anos de assentamento, apenas algumas pessoas conseguiram ter acesso e, ainda assim, somente à primeira das três parcelas.
Na avaliação de Daiane Tucum, assentada no Madre Terra e presente à reunião, “os entraves burocráticos falam mais alto que as necessidades das pessoas, e falta boa vontade política também”. Enquanto os órgãos responsáveis seguem trabalhando no ritmo moroso e intransponível da burocracia, a sensibilidade à situação crítica dos assentamentos esquecidos em São Gabriel vai pouco além de alguns olhares constrangidos, muitos prazos prolongados e poucas ações práticas. Os assentados seguem desassistidos e isolados, sem acesso a direitos básicos e sem condições de produzir plenamente e garantir sua autonomia.
Ao fim da tarde, encerrada a audiência, a garrafa pet com a água que os assentados seguem tendo que ferver permaneceu sobre a mesa de reuniões, intacta.
ASSENTAMENTO MADRE TERRA: NOVA AUDIÊNCIA, NOVOS PRAZOS, MAIS ESPERA, pelo viés de Tiago Miotto
