AMARILDO SÓ MAIS UM

         

Era o domingo do dia 14 de julho quando Amarildo Souza Lima saiu para pescar. Amarildo tem 47 anos, trabalha como pedreiro e mora na Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. Não foi visto desde aquele dia depois de ter sido supostamente confundido com um criminoso pela polícia, que o levou para prestar depoimento na 28ª UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), na Rocinha, no bairro de São Conrado, na Zona Sul do Rio de Janeiro.

Segundo testemunhas, entre elas familiares, Amarildo foi levado por cerca de 15 policiais para o posto da UPP. Depois de prestar depoimento, foi liberado. No entanto, nunca voltou para casa nem foi visto por mais ninguém. De acordo com Alexandre Almeida, da Rede Contra a Violência do Rio de Janeiro: “A polícia pode levar alguém detido se há uma suspeita e se há algum fundamento. Eles alegavam que estavam com fotos [do Amarildo]. Na mesma semana, houve uma grande operação em que prenderam várias pessoas. A polícia ainda tinha mandados e fotos de pessoas que seriam supostamente criminosas. Com base numa foto, levaram ele”. Alexandre diz ainda que o fato não é isolado: “Não é a primeira vez que a polícia confunde trabalhadores com criminosos com base em fotos”.

Amarildo era negro, pobre e favelado. Desapareceu na favela – esse lugar que mancha a poesia do Rio de Janeiro de novela para turista ver. Logo, não repercutiu na mídia por si só. A comunidade, então, resolveu protestar para chamar atenção para o caso. Até agora, foram três protestos, tendo sido o último no dia 21, domingo. Com eles, a família conseguiu uma reunião com o secretário de segurança do estado, José Mariano Beltrame, e com a chefa de polícia, delegada Martha Rocha. É claro que a posição oficial foi de que haverá uma severa investigação, de que os fatos serão apurados e os culpados responsabilizados. É claro, da mesma forma, que essa posição é a que se espera de autoridades.

A exposição pública que o caso tem tido, no entanto, fez com que, no dia 18 de julho, o delegado Orlando Zaccone, da 15ª DP (Delegacia Policial), da Gávea, ouvisse quatro policias militares envolvidos na detenção de Amarildo. Zaccone também pediu as imagens das câmeras da região e os dados dos aparelhos de GPS das viaturas. Zaccone é o delegado que, há dois anos, virou notícia quando tirou dinheiro da própria carteira para pagar por um ovo de páscoa que uma mulher havia roubado.

Ainda na mesma semana, no dia 20, os quatro policiais foram afastados das ruas e encaminhados para serviços administrativos na CPP (Coordenadoria da Polícia Pacificadora). Não se sabe por que só quatro policias foram considerados envolvidos na operação quando as testemunhas dizem que havia cerca de quinze. Alexandre Almeida diz que “infelizmente é isso que acontece. Tem os que ficam próximos da viatura. Só que, normalmente, a tática é sempre afastar quem imediatamente atuou na operação”.

Indignados com a morosidade das autoridades em resolver o caso, um grupo de 40 pessoas saiu em mutirão no mesmo dia 20 para procurar por Amarildo – vivo ou morto. Para a sobrinha, Elaine Dias, as parcas atenção pública e investigação se dão porque Amarildo “não mora numa boa localidade. Então, para eles, é traficante. Acabou”.  Ontem, segunda-feira, houve outro mutirão, mas Amarildo não foi encontrado. A família já perdeu as esperanças de encontrá-lo vivo. Tudo o que querem agora é poder ter o corpo de Amarildo de volta.

Não há novidades sobre o paradeiro de Amarildo. O seu caso é frequentemente divulgado em redes sociais e a pressão para esclarecê-lo tem aumentado por todo o Brasil. Sabemos, pela dedilhar do dia-a-dia, que as providências prometidas pelas autoridades não vão necessariamente se tornar realidade. Isso, no entanto, pouco tem a ver com o descrédito às instituições do país em si. Tem muito mais a ver com a mentalidade que cerca o desaparecimento de um negro, pobre e favelado. São dois cenários que, infelizmente, já não nos assustam mais: a polícia que aterroriza e o favelado (suposto criminoso) que desaparece.

Enquanto isso, lemos no G1 Rio de anteontem, dia 22, sobre os protestos que a comunidade organizou, que “a Autoestrada Lagoa-Barra foi fechada duas vezes, complicando o trânsito nas Zonas Sul e Oeste da cidade”. O pedreiro sumiu e a família já está certa de sua morte. Morreu mais um favelado e ainda “morreu na contramão atrapalhando o tráfego”. 

AMARILDO SÓ MAIS UM, pelo viés de Gianlluca Simi

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