Horacio Quiroga, escritor uruguaio do início do século XX, figura entre a linhagem de escribas latinos que, adeptos de uma literatura sombria e informada por elementos fantásticos, precederam o boom dos autores sul-americanos na década de 1960. Apesar de nunca ter alcançado o reconhecimento mundial de sucessores ilustres como Borges, García-Márquez e Cortázar – este último assumidamente tributário das narrativas curtas de Quiroga – o escritor exerceu sobre todo o chamado Realismo Fantástico uma influência tão subterrânea quanto decisiva. No conto, foi um mestre indiscutível, estabelecendo no exíguo fôlego de meia dúzia de páginas as linhas assombradas por amores trágicos, fratricídios e arranjos sobrenaturais. Leitor devoto de Edgar Allan Poe e de Lewis Carrol, herdou desses a inspiração para o horror e para o enigma, transportando para seu universo particular – eminentemente provinciano, quando não rural – toda a carga supersticiosa que iria encontrar forma em contos como “O arame farpado”, “O mel silvestre” e, claro, o clássico absoluto “A galinha degolada”.
Em vida, Quiroga foi daquelas personalidades cuja existência quase se confunde com a obra. Sujeito de modos atípicos para a época e para a sociedade que o cercava, desempenhou muito bem o papel de escritor excêntrico e arredio, tendo mesmo optado por abrir mão das comodidades da vida urbana para mergulhar em um retiro bucólico, acompanhado apenas da mulher e filhos, que vivenciaram situações de risco por conta da índole incomum do pai. Sua história pessoal foi marcada por suicídios de entes queridos e outros incidentes insólitos, atingindo seu grau máximo de traumaticidade no homicídio involuntário do melhor amigo, durante o manejo descuidado de uma arma de fogo.
“Contos de Amor, de Loucura e de Morte”, uma compilação de 1917, reune em 15 contos o essencial da narrativa de Quiroga. Volume breve, mas de intensidade absurda, carrega com perfeição a ideia de conto ideal segundo Horacio Quiroga: conciso, predestinado desde a primeira palavra ao desfecho fatal, despido de emoções desnecessárias e embebido no misticismo da própria escrita. Nas edições brasileiras do livro, foi mantido o apêndice com o “Decálogo do Contista”, em que Quiroga expõe sua reflexão sobre a arte de narrar.
Ainda hoje um anônimo para muitos admiradores da literatura latina, Horacio Quiroga instalou-se como uma voz determinante no panorama das letras na América do Sul, fertilizando as gerações que o sucederam. Dele, assim como de seu conterrâneo Juan Carlos Onetti, se embebedaram os textos mais marcantes dos autores responsáveis pela ascensão da América Latina ao posto de celeiro maior da literatura mundial.
QUIROGA, UM PRECURSOR DO REALISMO FANTÁSTICO, pelo viés do colaborador Atílio Alencar.