MORRE O COMANDANTE DE UMA NOVA VENEZUELA

Agência Venezuelana

Quando uma massiva maioria ocidental afirmava que as ideologias estavam mortas, uma célula revolucionária impulsionava o golpear do coração socialista naquele que foi, é e sempre será o continente da esperança humanista, a América do Sul. Enfadonhos prenunciadores do aniquilamento socialista não conseguiam aceitar – como persistem não aceitando, mesmo que a realidade socialista pulse entre os povos – o próximo respiro dos pulmões intrigantes de homens e mulheres trabalhadores da Venezuela – e do mundo – acalorados pela infrangível coragem social-libertária de um novo mito, um entusiasmo popular em tempos engessados de capitalismo especulativo, de fome humana, desespero econômico, de desencontros entre homens e ideais.

Morreu na tarde de hoje, 5 de março, aos 58 anos, o comandante do sonho venezuelano de um horizonte menos drástico e trucidador, o cavaleiro da esperança do século XXI, Hugo Rafael Chávez Friaz, 56º presidente da Venezuela. Desde quando o povo soube da doença de seu comandante, quando no dia 30 de junho de 2011, em discurso à nação lido desde Cuba, um pálido presidente informava sobre um câncer diagnosticado, jamais as notícias haviam tomado um tom melancólico, através do porta-voz do governo, o vice-presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, como nos últimos dias. A entrada de 2013 não contava com sorrisos nas ruas e a festa pelo novo ano não aconteceu. Mesmo após seu recente retorno, fruto, também, da pesada artilharia da direita venezuelana, que questionava a veracidade das notas dos governos cubano e venezuelano, a população não descansou. As notícias não eram boas e o quadro foi, a cada dia, piorando.

Nos últimos dias, milhares de populares tomaram ruas e praças em Caracas, capital do país, e cidades do interior, para orar pela saúde do presidente que, no primeiro ano de mandato, fixou a participação do Estado no setor petrolífero em 51% e decretou a Lei de Terras e Desenvolvimento Agrário, prevendo a expropriação de terras latifundiárias. Chávez estava internado em Havana desde o dia 11 de dezembro de 2012, após a operação realizada para retirada de um tumor maligno da região pélvica. Durante a cirurgia, o presidente teve uma hemorragia.

As notícias chegadas da ilha compunham um arsenal de tensões populares políticas. Em janeiro, o ministro da Comunicação e Informação, Ernesto Villegas, repassou, em comunicado em rede nacional de rádio e televisão, que Chávez permanecia em quadro estável, aconselhado pelos médicos a repouso absoluto e tratamento rigoroso. A sequência de observações e o ar de apreensão governista, todavia, instituíam uma probabilidade não muito promissora. Antes de viajar a Cuba, o comandante fez um pronunciamento à nação pedindo que, em caso de reviravoltas desiludidas frente à Presidência, a sociedade apoiasse o vice-presidente Nicolás. Segundo a constituição do país, caso o presidente não assumisse o cargo no dia 10 de janeiro, o que ocorreu, em até 30 dias uma nova eleição deve ser realizada. Chávez manteve-se no cargo, mas especulações do próprio governo demonstravam mudanças necessárias vindouras sobre o comando do governo. “A minha opinião firme, absoluta, total, irrevogável é a de que, neste cenário, vocês devem eleger Nicolás Maduro como novo Presidente da Venezuela”.

No dia 28 de julho de 2011, na comemoração de seu aniversário de 57 anos, após o início do tratamento de quimioterapia realizado em Havana, o líder venezuelano prometeu conquistar a reeleição em 2012. Fato alcançado, mas a posse, marcada para dia 10 de janeiro, fora impedida pela distância.

No dia 3 de janeiro, na praça Bolívar, na capital, partidários cantavam e liam poesias desde os últimos dias do passado ano, tocando violão, entre cantos e rezas em coro uníssono, à espera de boas-novas. Alguns carregavam fotos, outros cartazes, outros pequenos amuletos pessoais de crenças variadas, aguardando pela volta de seu líder, que não aconteceu.

No dia 25 de dezembro de 2012, o presidente Hugo Chávez pôs-se de pé, fez exercícios e conversou pelo telefone com seu vice, notícia comemorada pelos companheiros da revolução bolivariana erguida pelo comandante após ser eleito presidente do Estado sul-americano em 1998. Chávez foi o alento socialista da primeira década do novo século justamente por contrastar com as políticas invalidadas dos neoliberais estadunidenses e europeus, comprovadamente insuficientes para resolver, de um lado, os problemas sociais sempre existentes sob a égide liberalista, enquanto do outro, por consequência das políticas adotadas, tentavam abrandar, já que reverter tornou-se impossível, a crise do capital que assola os países capitalistas, sem grandes problemas para os trabalhadores. Ao contrário da maioria, Chávez interviu diretamente no mercado de trabalho venezuelano com o propósito de que se criasse uma política econômica alternativa aos monopólios, oligopólios e à exploração.

Caracas – Venezuelanos celebram em Caracas vitória de Hugo Chávez – Agência Brasil de Comunicação

Os bolivaristas, como Chávez, lutam, nos dias atuais, pela implementação e manutenção do princípio máximo da revolução bolivariana, a justiça social do povo, para o povo e com o povo, motivada, especialmente, na promoção da educação pública gratuita e obrigatória. Hugo Chávez foi o porta-voz do renascimento fortalecido de uma esquerda viva e atuante, encabeçada pelo militar que, promovendo o que chamou de socialismo do século XXI, fez nascer na Venezuela a Revolução Bolivariana, uma mistura de práticas socialistas com elementos modernos concludentes da atualidade.

Dentre as principais políticas estabelecidas por Chávez no que se refere ao socialismo do século XXI, termo cunhado por Heinz Dieterich, estavam a democracia da maioria, executada através de numerosos plebiscitos que decidiram rumos sociais venezuelanos, como as reeleições de 2000 e 2006, e as missões bolivarianas, uma série de programas sociais implementados no governo para levar saúde, educação e alimentação à população mais pobre do país.

A missão Robinson, por exemplo, tinha como objetivo a erradicação do analfabetismo de um milhão e meio de venezuelanos, o que ocorreu em período de dezoito meses. Em 2005, a Unesco declarou a Venezuela território livre do analfabetismo. Na missão Vuelvan Caras, o presidente apostou na criação de mais de um milhão de empregos no país, os quais seriam movedores de um modelo social de caráter popular, através de qualificação profissional e formação de cooperativas, permitindo que os trabalhadores tivessem a oportunidade de trabalhar fora das multinacionais, dos oligopólios e do mercado opressor do lucro especulativo.

Chávez conseguiu, após estatísticas que começavam a apontar sua enorme popularidade, fundir vários partidos de esquerda em uma sigla apenas, o Partido Socialista Unido da Venezuela, PSUV. Em 2006, após vitória e reeleição, dissolveu até mesmo o partido criado por ele, o Movimiento V República, o qual, junto às siglas do Movimento Eleitoral do Povo (MEP), da  União Popular Venezuelana (UPV), do Movimento Revolucionário Tupamaro (MRT) e da Liga Socialista (LS), resultou no maior partido do país e o maior partido de esquerda da América Latina. Além de partidos, movimentos sociais trotskistas como o Corriente Marxista Revolucionaria, o Lucha de Classes (CMI) e o Socialismo Revolucionario (CIT/CWI) adentraram a sigla com fulgor.

O GOLPE DE 1992

Afundada numa inflação histórica, a Venezuela de 1992 via o tenente-coronel Hugo Rafael Chávez Friaz comandar um golpe de Estado fracassado contra o presidente Carlos Andrés Perez, da Acción Democrática (AD), político lembrado pela repressão aos grupos comunistas do país enquanto ministro de Rómulo Betancourt, presidente também pela AD, entre 1959 e 1964.

Após eleito governante da Venezuela pela primeira vez em 1973, Carlos Andrés manteve laços com lideranças da esquerda mundial, modificando radicalmente seu segundo mandato a estratégias neoliberais, quando, num golpe assustador, decretou o plano de austeridade econômica que veio a resultar numa explosão social que tomou as ruas de Caracas em 1989, o Caracazo. Foi durante esta insurreição social que o tenente-coronel Hugo Chávez iniciou sua relevante influência político-social. Absorvido como traição ao povo, o pacote de Carlos Andrés e as seguidas denúncias de corrupção em seu governo levaram o presidente ao impeachment um ano depois do golpe arriscado de Chávez e de mais de 300 efetivos militares.  Embora fracassados os planos de derrubar o traidor do povo, e depois de dois anos preso, Chávez adentrava ao cenário político venezuelano com visível intensidade e veemência social. Após fundar o Movimento V República, em 1997, candidata-se à presidência em 1998, e assume o governo após receber 56% dos votos válidos.

A explicação para tamanha popularidade do líder venezuelano dentro e fora do país encontra não só no carisma a força que o manteve há tanto tempo democraticamente eleito ao poder. Assim que tomou posse, através de artifícios arriscados que poderiam ter colocado seu governo abaixo, Chávez invalidou o Congresso e convocou uma Assembleia Constituinte. Era como se quisesse apagar com uma borracha os anos perdidos e começar do zero os planos nacionalistas. Entre solavancos, alcançou a aprovação da nova Constituição através de um referendo, marca de seu governo, ampliando os poderes do Executivo, dando maiores poderes de intervenção econômica ao Estado e reconhecendo direitos culturais e linguísticos das comunidades indígenas do país. O governo voltava-se às maiorias populares esquecidas por governos neoliberais passados.

Em 1998, derrotou mais de quatro décadas de subserviência venezuelana aos mandos e desmandos de governos atrelados ao capitalismo facínora de presidentes ligados a partidos ditos tradicionais. Com o militar a frente do governo, a Venezuela percebeu-se conduzida a passos largos ao encontro de justiça social, necessária a um país de desigualdades crassas, corroborada pelas políticas de interesses nacionalistas e de esquerda. Convocando novas eleições para 2000, fora reeleito.

OS INIMIGOS DO PRESIDENTE

Tantos baques no conservadorismo assentado há tempos trariam, com obviedade, implicações drásticas perante empresários, sindicatos – ligados à corrupção dos governos que procederam -, Igreja e televisões privadas. Em 2001, a Federação de Câmaras, de Comércio e Produção (Fedecámaras), que congrega setores empresariais do país, e a Confederação de Trabalhadores da Venezuela (CTV) convocaram uma greve em protesto contra as medidas governamentais. O protesto não obteve sucesso.  Em 2002, os embates se acirraram quando uma manifestação oposicionista que exigia a demissão do presidente encontrou uma contramanifestação de apoio, e um turbulento conflito tomou as ruas de Caracas, deixando quinze mortos e mais de cem feridos.  Chávez anunciaria sua própria demissão um dia depois, deixando o governo nas mãos de Pedro Carmona, presidente da Fedecámaras.

Iniciava-se, então, o contragolpe comandado pelos soldados leais a Chávez, no movimento que entrou para a história, o qual, por acaso das circunstâncias, foi filmado de dentro do palácio de Miraflores pelos irlandeses Kim Bartley e Donnacha O’Briain. Os dois cineastas foram pegos de surpresa, enquanto gravavam um documentário sobre o presidente, e permaneceram durante as horas anteriores ao golpe e posteriores, angariando cenas que eternizaram a força de Chávez na película “A revolução não será televisionada”, filme que mostra como o movimento pró-presidente imergiu de dentro do próprio governo recém-instaurado, mostrando instantes decisivos da esmagadora reação popular favorável ao presidente. Com os militares governistas sobre o comando, Chávez é libertado da prisão da ilha de La Orchila e regressa a Caracas sob incontestável entusiasmo popular.

Os oposicionistas, contrariados e organizados na Coordinadora Democrática, uma coligação de oposição formada pelas classes dominantes do país e submissa aos interesses do imperialismo estadunidense, exigem, no mesmo ano, que se realize uma consulta popular na qual os venezuelanos deveriam se pronunciar sobre a permanência ou não do comandante no poder. O referendo, realizado em 15 de agosto de 2004, conseguido pela oposição após inúmeros fracassos, deu a Chávez 58,2% dos votos.

A Venezuela, alocada entre os cinco maiores produtores de petróleo do mundo, mas de uma massiva pobreza, fruto da farra das elites petroleiras, fica agora sem o comando de Hugo Chávez, o porta-voz do socialismo do século XXI, idolatrado pela esquerda e escorraçado pela direita que não suportou ver justiça social de comprometimento estatal. O consumo de alimentos subiu 170%. A Venezuela, que conseguiu reduzir o analfabetismo para valores desconsiderados pela Unesco em dezoito meses, fica agora sem o homem que defendeu há muito tempo a partilha do lucro do petróleo pelos variados setores da educação. A taxa de escolaridade subiu de 40 para 60%. A Venezuela e toda a América Latina perde aquele que, com quase a totalidade da imprensa privada dos monopólios, 80% da mídia do país, apostando encobrir os porquês de 14 eleições e referendos vitoriosos, reposicionou a palavra “revolução” no dicionário do século XXI. 

MORRE O COMANDANTE DE UMA NOVA VENEZUELA, pelo viés de Bibiano Girard.

Um comentário sobre “MORRE O COMANDANTE DE UMA NOVA VENEZUELA

  1. Morreu o merda de “comandante” comunista Chavez, dos subdesinvolvidos patifes de Venezuela! A Rússia e Europa do Leste são a Tumba do socialismo!

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