Os dias tinham sido muito quentes na Porto Alegre do Fórum Social Mundial Palestina Livre, mas a madrugada entre sexta-feira e sábado foi lavada pela chuva e o calor dava uma trégua. Eu corria para arrumar as malas, tomar banho e guardar tudo – a pressa de quem sabe que tem sair do quarto. Pressa desnecessária: um albergue é bem menos caxias do que um hotel, além de bem mais barato. Lancei o keffiyeh (lenço árabe) à cabeça para não me molhar tanto e tomei um táxi rumo ao campus central da UFRGS, onde seria a roda de bate-papo com Carlos Latuff.
O salão não estava cheio e o painel anterior ainda não tinha terminado quando o relógio avisava que já eram 12h15min. Dois ativistas, um tunisiano e um marroquino, aproximaram-se de mim para me perguntar se eu sabia a senha da internet. Dada a resposta positiva, quedaram-se a conversar. Uma estadunidense se juntou a nós e, por fim, uma belga refestelou-se de alegria ao escutar a língua francesa (“vou ficar por aqui”). Pedi licença e fui achar um lugar na roda de cadeiras que fora feita para a conversa com Latuff. Assim como em muitos espaços do Fórum, acabei servindo de tradutor para quem não falava português – dessa vez para um ativista escocês.
Carlos Latuff é um chargista brasileiro famoso por sua atuação pró-Palestina. Muitos de seus desenhos já rodaram o mundo a ilustrar as lutas de vários povos. A identidade visual do Fórum era, ela mesma, de sua autoria. Latuff nunca cobra os desenhos que faz sobre a Palestina; são todos copyleft, podem ser reproduzidos e usados livremente.
Ele começou sua fala se apresentando e se dizendo insatisfeito com o Fórum. Segundo Latuff, a ausência de pessoas da Faixa de Gaza naqueles dias só mostrava que a organização do evento estava ao lado de Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina. Abbas é também o líder do Fatah, o grupo político predominante na Cisjordânia, que não se acerta com o Hamas, grupo que governa Gaza. Esse posicionamento lhe renderia uma discussão com uma membra da organização que, ao final da conversa, tentaria explicar a tal ausência a Latuff como sendo por própria escolha do Hamas – o que não o convenceu.
O resto da conversa, antes das perguntas, dividiu-se sobre dois pontos. O primeiro dizia respeito à mídia. Para Latuff, “temos que construir uma alternativa para dar voz aos palestinos”. Não podemos esperar que a mídia hegemônica, sionista, milagrosamente ouça os reclames dos movimentos sociais – isso não lhes interessa. “Não se pode contar com a imprensa. Precisamos encontrar espaços alternativos que disputem espaços”.
O segundo ponto foi sobre a crítica que seu trabalho seguidamente recebe de ser anti-semita, principalmente por frequentemente usar a bandeira de Israel nas suas charges. Para ele, o uso da Estrela de Davi e de outros símbolos religiosos é uma tática do Estado de Israel para desvirtuar a discussão. Parece que tudo que se fale sobre o país está, no final das contas, criticando o judaísmo. Latuff mencionou ainda que, na bandeira, podemos ver bem clara uma segunda intenção: cada faixa azul representa um rio, Nilo e Eufrates, retratando a extensão dos planos expansionistas de Israel, uma área que perpassa partes do Egito, a Palestina, a Jordânia, a Síria e o Iraque.
No entanto, Latuff disse que, mesmo com a constante tentativa de desqualificar as críticas ao Estado de Israel valendo-se do termo anti-semita, “temos que ter coragem de dizer isso. Israel representa Israel, representa o governo de Israel. Não existe nenhum país que represente todo o seu povo”. Logo, a crítica à atuação do Estado de Israel não tem um fundo religioso, mas político – não se pode confundir as duas coisas. O que acontece na Palestina é puro neo-colonialismo – o saque de terras, o extermínio de toda uma população, sua cultura e sua história. Latuff comentou que muitos sionistas usam a Bíblia para explicar a barbárie israelense. Sua resposta: “fechem a Bíblia. Precisamos ler livros sobre política”!
Em referência ao termo ‘anti-semita’, que é usado como salvo-conduto pelos sionistas para se afastarem de quaisquer críticas a Israel, Latuff explicou que é um termo cunhado nos tempos do nazismo que foi reapropriado pelos sionistas europeus. Semitas são povos vindos do Oriente Médio, entre eles hebreus, samaritanos, babilônios, fenícios, árabes etc. Semitas não são, portanto, forçosamente judeus. Assim, o uso do termo se mostra extremamente tendencioso. Como disse o ativista egípcio-canadense Ehab Lotayef, num evento organizado pela SEDUFSM (Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal de Santa Maria): “como egípcio, eu sou semita. Então como é que eu vou ser anti-semita, contrário a mim mesmo?”
A conversa com Latuff terminou com seu pedido por uma resistência unida. “O inimigo dos palestinos é o mesmo inimigo dos mapuches, dos curdos. O inimigo é o mesmo, ele só muda de língua, de rosto. Se o inimigo é um, a luta também deveria ser uma só”.
Depois da roda de bate-papo, era impossível chegar muito perto de Latuff. Fotos, autógrafos e comentários. Eu já havia marcado uma entrevista com ele para aquele horário, mas também parecia tê-lo feito uma menina que estava à espreita assim como eu. Fernanda Quêvedo, do grupo Fora do Eixo, também tinha marcado entrevista com Latuff. Quando eu finalmente consegui falar com ele, Fernanda interveio e me convidou para ir à Casa Fora do Eixo Porto Alegre, onde o entrevistariam. Fui convidado no que, mais tarde, revelou-se uma maneira de não esperar por que eu o entrevistasse primeiro. Sem problemas! Conseguimos deixar o prédio depois de muito tempo. Fernanda e eu entrevistamos Latuff ao vivo para o #posTV, um projeto audiovisual do Fora do Eixo. As duas partes da entrevista podem ser vistas abaixo. Caso os players não funcionem, é só acessar os links em seguida:
Entrevista da revista o Viés e do Fora do Eixo com Carlos Latuff (Parte 1)
Entrevista da revista o Viés e do Fora do Eixo com Carlos Latuff (Parte 2)
LATUFF: “FECHEM A BÍBLIA. PRECISAMOS LER LIVROS SOBRE POLÍTICA”!, pelo viés de Gianlluca Simi
gianllucasimi@revistaovies.com
Penos que Latuff deveria ter mencionado que Israel e auto creado estado dos Judeos, com politicas de apartheid contra non-judeos. a acusacao de anti-semitismo vem dai pq entao criticar Israel representam critica do estado judeo et qua…
O certo é que assistimos de braços cruzados, em pleno século XXI um povo ser massacrado impediosamente por um bando que os EUA, colocaram no Oriente Médio como mera cabeça de ponte! Causa-me asco, estas mentiras que a imprensa pró sionismo divulga à exautão!
Pessoal, Camaradas, compas
Tomo a liberdade de enviar um texto de solidariedade ao cartunista CarlosLatuff, que está sendo acusado por setores de direita judaicos de ser antissemita. O Sílvio Tendler mandou esta carta de solidariedade, que estamos subscrevendo.
Espero o posicionamento de todos os que concordem, sobretudo sabendo que em outras ocasiões vocês têm se manifestado também. de forma progressista. E já é hora de acabar com esta história de qualquer crítica ao extremismo de direita proveniente de Israel, via Netanyahu, Lieberman e outros do gênero, sejam catalogados como antissemitas.
O Latuff é um cartunista que se bate por causas humanitárias e não deveria ser julgado como querem os extremistas.
Esperamos contar com a solidariedade de vocês.subscrevendo o texto e encaminhando a quem acharem que deva.
saudações
Mario Augusto Jakobskind
Prezado Latuff:
Dia 19 fui depor na quinta delegacia a respeito de uma acusação mentirosa de constrangimento iiegal por parte de um grupo de militares sediciosos. No dia seguinte, você veio a minha casa hipotecar solidariedade, me entrevistou e colocou no youtube.
Conversamos muito, inclusive sobre sionismo, semitismo, etc. Te desafiei a irmos juntos a Israel e Palestina. Você me disse que não conseguiria entrar e, se entrasse, não te deixariam sair. Duvidei.
Você, infelizmente, tem razão.
Um centro criado para caçar criminosos nazistas, que perseguiram, mataram, deportaram, torturaram judeus durante a segunda guerra, agora é utilizado, de forma equivocada, para embaralhar sionismo com semitismo. Te consideraram como o terceiro maior antissemita da atualidade. Depois de você vem um clube inglês que, num bairro judeu de Londres, louva Hitler e as câmeras de gás; partidos efetivamente antissemitas na Grécia e na Ucrânia vem depois do nome de um cartunista que usa sua arte para defender suas ideias.
Antissionista, sim; antissemita, não. Até porque, de descendência árabe, você também é semita e afinal somos todos igualmente circuncisos. Tuas charges não são mais antissemitas que um artigo de Ury Avnery, AmiraHaas ou de Gideon Levy, todos judeus, israelenses.
O moldavo Lieberman, sim, é antissemita com o comportamento racista que destila ódio entre árabes e judeus, habitantes ancestrais de uma terra onde ele vive há pouco mais de dez anos.
Tua charge com Bibi espremendo uma árabe para tirar votos dos eleitores israelenses reflete uma triste realidade.
Esse rabino que te colocou nessa lista não sabe do que está falando.
Caminhemos junto rumo a um mundo laico e fraterno que congregue árabes e judeus num espaço de paz, progresso, respeito mútuo e fraternidade.
Solidariamente,
Silvio Tendler
Subscrevem:
Mário Augusto Jakobskind
Aí vão a lista completa até o momento:
1. Affonso Henriques Guimarães Correa
2. Afonso Celso Lana Leite
3. Agildo Nogueira Junior
4. Alejandro Cabrera Britos (Delegado General Atenasa Senasa)
5. Aline Castro (Rede Por Tí América: Brasil)
6. Aloysio Zaluar
7. Aluízio Palmar (Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu – CDHMP)
8. Álvaro Brito
9. Andrea Loparic
10. Anita Leocádia Prestes
11. Antonio Belo da Silva
12. Antonio Losada
13. Antonio Trigueiros
14. Aurora Tumanischwili Penelón (Argentina)
15. Baby Siqueira Abrão
16. Beilton Rocha
17. Betinho Duarte
18. Breno Altman
19. Cabeto Rocker Pascolato
20. Caio Teixeira (SC)
21. Carlitos Casares : Comconsur: Uruguai
22. Caroline Rejane Santos, Presidente do Sindicato dos Jornalistas de SE
23. Carlos Eugênio Paz
24. Carlos Guanciarrosa (Agrupación Enrique Mosconi, Fettera eb CTA – Argentina)
25. Carlos Loza (Junta Interna de ATE, AGP / Asociación General de Puertos en la ATE: Asociación de Trabajadores del Estado en CTA -Buenos Aires: Argentina)
26. Carlos Russo Jr
27. Cecília Figueiredo: SP
28. Cláudia de Abreu (RJ)
29. Cristian Góes (SE)
30. Cristina Castello (Argentina)
31. Dalva Bonet
32. Daniel Fonseca (CE/RJ)
33. Darci Miyak
34. Dayse Souza
35. Derlei Catarina de Luca
36. Dilab Martínez (CTA – Argentina)
37. Diogo Gomes dos Santos
38. Eduardo Espinosa (ATE: Asociación de Trabajadores del Estado en CTA) y Ministerio de Desarrollo Humano de la Provincia de Buenos Aires – Argentina
39. Eduardo Galeano
40. Eliete Ferrer
41. Elza Neves Moraes
42. Emir Sader
43. Eric Nepomuceno
44. Erika Morhy (PA)
45. Ernesto Vianna
46. Fausto Salvadori (SP)
47. Fernando Paulino
48. Fetera Flores (colectivo de base de la Federación de trabajadores de laEnergía de la República Argentina, en CTA)
49. Flamarion Pelúcio (Portugal)
50. Francisco Soriano
51. Gilberto Lyra
52. Guillermo López (Argentina)
53. Heloisa Toledo Machado
54. Hugo Fanton (SP)
55. Igor Calvo (Militante del FNRP: Honduras)
56. Inez Oludé
57. Ítalo Milhomem (MS)
58. Ivan Seixas
59. Ivanisa Teitelroit Martins
60. Jesus Chediak
61. João Lopes de Melo
62. Jonas da Silva (MT)
63. Jorge Zabalza : Uruguai
64. José Carlos Asbeg
65. José Carlos de Medeiros Gondim
66. Jose Carlos Ruy
67. José Reinaldo Carvalho
68. Júlio César Senra Barros
69. Julio Oliveira Braga
70. Keka Werneck, Diretora do Sindicato dos Jornalistas do MT
71. Leoncio Maya
72. Leonel Itaussu Almeida Mello
73. Leonor Costa, diretora do Sindicato dos Jornalistas do DF
74. Lérida Povoleri
75. Lincoln de Abreu Penna
76. Lúcia Rodrigues (SP)
77. Luis Gustavo de Mesquita Soares (SP)
78. Luis Polakof (Uruguai)
79. Luis Sergio Caldieri
80. Luiz Antonio dos Santos
81. Luiz Antonio Lemos
82. Mayrá Lima (CE)
83. Maria Dea Conti Nunes
84. Maria do Socorro Diógenes
85. Marcelo de Santa Cruz Oliveira
86. Marcelo Mário de Melo
87. Margarita Merklen
88. Margot Souza
89. Maria Cristina Olivera (Uruguai)
90. Maria Luiza Franco Busse
91. María Rosa González (Argentina)
92. Mario Augusto Jakobskind
93. Marta Speroni (Argentina)
94. Max Altman
95. Mônica Mourão (CE/RJ)
96. Moysés Ajhaenblat
97. Nestor Cozetti Marinho
98. Niara de Oliveira (RS)
99. Osvaldo Maneschy
100. Paulo Gomes Neto
101. Pedro Alves
102. Pedro Estevam da Rocha Pomar
103. Penha Pacca
104. Pérola de Carvalho
105. Pitanga do Amparo
106. Purificación de la Bianca (España: Ojos para la Paz)
107. Rafael Duarte
108. Regina Sampaio
109. René de Carvalho
110. Ricardo Soca (Uruguai)
111. Risomar Fassanaro
112. Rose Nogueira
113. Rosivaldo Pereira
114. Rui Martins
115. Sergio Ferreira
116. Silvia Regina Queiroz Ferreira Junqueira
117. Sílvia Sales (PA)
118. Sílvio de Albuquerque Mota
119. Stella Calloni (Argentina)
120. Sueli Coe Vieira
121. Susana Rearte (Coordinadora en defensa del Patrimonio Público y de la Soberanía : Argentina)
122. Tamar de Castro
123. Terezinha Vicente (SP)
124. Urariano Mota
Solidariedade ao cartunista Carlos Latuff iniciada pelo Mário Augusto Jakobskind .
Se você concorda com o conteúdo e quer participar da campanha, escreve seu nome o envie direto para,
Mário Augusto Jakobskind
jakobskind@hotmail.com