O modelo midiático brasileiro é uma construção de décadas, não é natural nem óbvio. A estrutura vertical e que tende à formação de oligopólio ou monopólio nasce, entre outras variáveis, da desregulamentação do setor de comunicação e de uma sociedade marcadamente desigual originada e fortalecida em um modelo escravocrata que nunca deixou de se perpetuar.
Temos onze famílias controlando praticamente todo o espectro de rádio e televisão e os principais jornais e revistas do país. No caso de rádio e TV são explorações de concessões públicas, ou seja, de propriedade do Estado, que deveriam ser renovadas a cada dez e quinze anos em votação nominal no Congresso, o que nunca aconteceu. A paralisia das instituições estatais no que se refere à estrutura comunicacional é reflexo do rabo preso de partidos e agentes políticos em suas relações com os empresários da comunicação. Ao mesmo tempo, rádio, TV e jornais são sustentados financeiramente pelo próprio Estado e por anunciantes de diversos setores das elites brasileiras e estrangeiras – empreiteiras, fábricas de automóveis e empresas de telefonia são os exemplos mais relevantes.
Enquanto isso, as rádios comunitárias são criminalizadas e atacadas pela Anatel em pareceria com a Polícia Federal, os jornais de bairro não recebem apoio estatal e a mídia alternativa se vê sufocada pelo poderio econômico, político e – cada vez mais – judicial dos conglomerados de mídia.
Sustentado por esse modelo e atuando como sustentáculo dele, o que nos é apresentado como fonte de informação é um jornalismo publicitário, que constrói um discurso de esvaziamento da política e descrença nas organizações ao mesmo tempo em que procura fortalecer valores individualistas sobre o coletivismo e a competição egoísta sobre a complementaridade solidária. Um jornalismo seletivo, que escolhe o que vai divulgar não por razões técnicas ou de interesse público, mas de acordo com seus interesses políticos e sua visão de realidade pré-moldada, estigmatizada e simplificada até o limite, sendo este limite a criação de uma peça de alienação – entendida como afastamento da realidade objetiva.
Para tratar de movimentos sociais, são omitidas as conquistas e realçado (quando não inventado) o lado violento. Nas coberturas sobre manifestações populares, quando há alguma cobertura, o que aparece é o trânsito de veículos interrompido. Nas mobilizações grevistas, destaque para os prejuízos à população causados pelos grevistas, evitando citar as pautas em disputa e silenciando sempre sobre a importância das greves como instrumento de luta dos trabalhadores contra a exploração de sua força de trabalho para o lucro de alguns poucos. Em coberturas internacionais, Israel se defende dos terroristas palestinos, a ditadura cubana prestes a desmoronar, EUA é sempre exemplo positivo. Nada sobre a história territorial dos ataques de Israel ao povo palestino, nada sobre as conquistas sociais da Revolução Cubana ou as diversas formas de participação – inclusive eleitoral – dos cidadãos cubanos nas decisões do soberano país caribenho, nada sobre o terrorismo de Estado levado a cabo por sucessivos governos norte-americanos, amarrados por um sistema político que mantém no poder desde sempre o mesmo partidão onde se alternam as correntes Democrata e Republicada, representantes do mesmo projeto de país, de sociedade e de mundo.
Esse tipo de posicionamento jornalístico não acontece por acaso. É resultado justamente do modelo de mídia, ao mesmo tempo em que o alimenta e sustenta. Um espectro de comunicação controlado por apenas onze famílias não pode reproduzir outro discurso que não o da manutenção do estado das coisas, do status quo que garante o poderio político e econômico de seus aliados privados ou governamentais. A mídia oligárquica nada mais é do que a representação discursiva das tradicionais oligarquias do país, agrárias, urbanas e/ou políticas.
Do outro lado da sociedade temos os trabalhadores e, dentre eles, setores ainda mais explorados, dominados e oprimidos – os negros, os indígenas, as mulheres, os homossexuais, os moradores de rua, e a lista segue até excluir apenas o mais básico padrão estético, mental e comportamental da sociedade capitalista ocidental, em uma redução social quase nazista. Esses setores marginalizados, situados sempre na classe trabalhadora – caso contrário o pretexto para sua exclusão é esquecido ou, ao menos, relativizado – poderiam ter em suas vozes um instrumento de mobilização, organização e luta, mas o monopólio da palavra pelas velhas oligarquias impede esse avanço cujo potencial é verdadeiramente revolucionário.
É, entre outros espaços a serem ocupados e trabalhados, através da construção de uma outra mídia, que os setores oprimidos têm a possibilidade de exercerem cidadania efetiva e, a partir desse caminho, tomarem consciência de sua condição de classe. E mais: há, na ocupação da mídia pela maioria da população, a possibilidade real de aprofundar debates, redefinir pautas e levantar vozes em direção às demais mudanças estruturais necessárias no Trabalho e no Estado.
É nesse sentido que pode e deve caminhar desde já a mídia contra-hegemônica. É importante pontuar que enquanto contra-hegemônica vai além do que seria uma imprensa alternativa, pois entende o enfrentamento como uma necessidade intrínseca à sua função social. Quer dizer, nem toda a mídia alternativa é contra-hegemônica, mas a mídia contra-hegemônica constitui-se, também, como alternativa na medida em que constrói novas possibilidades, novas visões, novas perspectivas.
A mídia contra-hegemônica, para atuar de acordo com a necessidade que se tem de sua existência e fortalecimento, precisa ter em vista seu papel transformador e as funções que pode cumprir. Precisa ter consciência da conjuntura de opressão e dominação – inclusive discursiva – inerente às sociedades capitalistas, e de sua responsabilidade no caminho em direção à necessária mudança estrutural. São condições necessárias à existência da mídia contra-hegemônica um papel protagonista nas lutas populares, a inversão das pautas da mídia dominante e a atuação sobre as pautas ignoradas ou omitidas por ela, o trabalho conectado com os movimentos sociais e a contínua percepção de totalidade no trabalho específico que desenvolve.
A mídia contra-hegemônica não pode abster-se de questionar o modelo de mídia e o sistema social como um todo. É contra eles que atua, fundamentalmente. E não pode abster-se de enxergar para além do próprio umbigo, o que significa dizer que, ao batalhar apenas pelo fortalecimento do próprio veículo, passa automaticamente a estar inserida na competição individualista que já está posta como hegemônica, anulando-se, então, enquanto alternativa. Tem o dever, pelo contrário, de construir constantemente uma práxis coletiva, tendo em vista a necessidade de que novos canais midiáticos e de participação se abram a cada momento, entendendo a mídia contra-hegemônica como uma só frente. Obrigatoriamente plural, democrática e horizontal, mas tendo em seu conjunto a consciência histórica de classe e o compromisso com a tão urgente mudança estrutural da sociedade.
REFLEXÕES SOBRE O COMBATE MIDIÁTICO, pelo viés do colaborador Alexandre Haubrich*
*Haubrich é jornalista e editor do blogue JornalismoB e do JornalismoB Impresso, jornal independente distribuído gratuitamente nas ruas de Porto Alegre e, através de assinaturas, para todo o Brasil. Colabora com diversas publicações, entre elas a revista o Viés. Leia outros textos publicados por Haubrich na revista o Viés aqui
para acabar com o monopolio da midia só com a luta do povo e revoluçao