Uma comunicação “artesanal” pode estar na contramão da era digital. Mesmo assim, produções deste tipo ainda persistem nos dias de hoje. Exemplo são os fanzines, publicações alternativas impressas, ferramentas por uma social comunicação – ou comunicação “livre”. Considerados os precursores do conceito de blogs, os fanzines tem a intenção primeira de disseminar a informação produzida e formulada no contexto “Underground”, tipicamente independente e desenvolvida por vias de cooperação e mutualismo, configurado por uma rede. Uma rede sustentada por pessoas que fogem da mídia tradicional e produzem – bandas, festivais, movimentos, publicações, eventos, oficinas, coletivos, encontros zineiros – por uma vontade própria, inspirada na filosofia do chamado Do It Yourself ou faça-você-mesmo (se ninguém faz, façamos!).
No campo das mídias, o vocalista Jello Biafra resume o conceito ao dizer: “Não odeie a mídia; torne-se ela”, elevando a condição de público aos mesmos níveis de quem quer que seja, estimulando a atividade e rejeitando a idéia de “terceirização” dos processos de produção. Assim, a produção de fanzines torna-se acessível e prática, sem a necessidade de fins lucrativos e priorizando, portanto, a perpetuação desta rede “subterrânea” entre o mundo inteiro.
Em um passado não muito distante coube aos zines o papel indispensável de divulgar o que acontecia no underground nacional. Até hoje são pautados conteúdos contra-hegemônicos, aqueles provenientes da inspiração dos zines punks dos anos 70. Ainda hoje, os zineiros ainda tentam aniquilar ruídos midiáticos desta era da comunicação com teus textos críticos, com resenhas, mostrando o lado “B” do cinema, da música, da arte, incentivando a produção de outras publicações com a total liberdade de expressão. Descontextualizam imagens tomadas como “verdadeiras” pela mídia(as verdades ficcionais), destroem dogmas sociais, políticos, econômicos, sempre em favor de um bem maior, disseminam a contra-cultura pelo mundo.
Com a chegada da internet e a possibilidade de utilizar ferramentas virtuais para a expressão, houve, já no final dos anos 90, um declínio visível na produção destas publicações. Atualmente, há um interesse curioso na produção alternativa, um ressurgimento tímido encabeçado por pessoas interessadas em produzir edições diferenciadas em teor, priorizando o qualitativo (tanto por conteúdo quanto por acabamento), ao invés do quantitativo de outras épocas.
Aos poucos, percebe-se, portanto, que não há sentido em estabelecer uma “briga” entre o virtual e o impresso; eles podem caminhar juntos. A internet é uma forte aliada da rede subterrânea, já que há o contato entre fanzineiros ocorre por canais de divulgação virtuais e são muito mais rápidos que os tempos das cartas, selos e postagens. Também existem blogs brasileiros que falam sobre as publicações alternativas como a Ugra Press com o “Anuário de Zines, Fanzines e Publicações Alternativas”, o blog Zinismo, o acervo de zines em pdf do Zinescópio por Jamer Mello, os documentários – como o “Fanzineiros no Século Passado” – realizados por Márcio Sno, entre outros.
Muitos dizem que destinar uma atenção para publicação impressa nos dias atuais é remar contra a maré. Eu diria que existem alguns nadadores natos para vencê-la, ou, pelo menos, para suportá-la. Os zineiros atuais não desistem do amor tátil pela informação e pela própria vontade de se expressar, seja por poemas, quadrinhos, arte, críticas, resenhas, textos dos mais diversos. Os zines xerocados existem em um mundo real, físico, palpável, com o cheiro da fotocopiadora, com o trabalho da distribuição e divulgação. Imaginar sua publicação sendo passada de mãos em mãos e outras aparecendo magicamente na sua caixa de correio – se você for zineiro, sabe bem disso – é algo incrível. Além disso, você acaba por perceber seu zine influenciando leitores a conhecerem um outro mundo, a compreenderem o independente, escutarem bandas novas, lerem entrevistas que não estão nas revistas convencionais, a terem um outro olhar por este mundo tomado por espetacularizações.
A comunicação do subterrâneo começou a ser desenvolvida através do fanzinato persistente até hoje. Com criatividade, inspiração, papel+cola+caneta+tesoura, colagens,textos, xerox, desembolso por amor e vontade – e talvez um certo saudosismo, nostalgia ou um sentimento do tipo – estas publicações não morrem. A perpetuação da circulação zineira faz parte do underground. Não esquecendo que a nossa mídia é a nossa expressão, portanto, zine-se você também!
COMUNICAÇÃO SUBTERRÂNEA, pelo viés da colaboradora Gabriela Cleveston Gelain*.
* Gabriela Cleveston Gelain teve o primeiro contato com os zines quando começou a trocar cartas em meados de 2003. Acabou conhecendo um mundo que desafiava a mídia tradicional e passou a fazer/trocar alguns zines desde então. É estudante de jornalismo da UFSM, apresenta o programa de rádio Santa Demo, faz pesquisa em comunicação e tem mania de abrir sempre a caixa de correspondência.