A ocupação da comunidade kaingang nos arredores da Estação Rodoviária de Santa Maria (RS) se solidifica há mais de ano. A luta pela terra é cotidiana. Do abrir ao fechar dos olhos, do amanhecer ao entardecer. Quem ali se estabelece, levanta já tendo de lutar; a nova geração que nasce, fruto inegável do espaço que já é reconhecido pelo Estado e tem o nome de Kentyjug Tegtu (Três Soitas), cresce sob o signo da luta.
Não é fácil arrancar dos responsáveis os frutos de suas responsabilidades. Em um embate constante para conseguir do Estado e dos órgãos responsáveis, como a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o direito de morar, de estudar e de viver, os kaingang fazem de sua ocupação um movimento político forte, que já colhe conquistas.
A última delas foi a construção de cinco casas, de um total de oito que devem ser concluídas até o final de semana, no acampamento kaingang. A madeira veio da FUNAI e chegou ao acampamento na manhã do dia 27 de outubro, sábado. O Judiciário ainda não decidiu se o território atualmente ocupado pelas famílias kaingang poderá se tornar moradia definitiva. Ainda assim, a comunidade decidiu construir casas de madeira, que poderão acompanhá-los caso tenham que abandonar o terreno. O grupo resiste, aguardando do Judiciário alguma providência. A ocupação das famílias kaingang na região já despertou problemas com os vizinhos e proprietários da área. Os indígenas já sofreram constantes ameaças, ataques e retaliações, que precisam ser urgentemente cessadas. Em janeiro deste ano, foram disparados tiros contra integrantes da comunidade. Além disso, os kaingang já tiveram que realizar mutirão para recolher o lixo que ficava depositado nos arredores do local, e a construção das casas é mais uma batalha para garantir o direito de morar.
O mutirão para a construção das casas de madeira contou com a ajuda do Grupo de Apoio aos Povos Indígenas, o Gapin, e de voluntários e voluntárias, que debaixo de sol ou de chuva, cortaram, serraram, carregaram e ergueram as madeiras até que as mesmas tomassem o jeito de casas. Iniciou durante o sábado, 27, e o domingo, 28, e segue até que estejam de pé as oito casas planejadas pela comunidade. Os pregos e os martelos, bem como o barulho da motosserra, não poderiam ser mais aliviantes.
Em dias de calor, ou em dias de frio, a comunidade kaingang sofre as penúrias de habitar as lonas pretas. Agora, aos poucos, conquistam mais uma vitória, assegurada pela negativa da Justiça Federal ao quarto pedido liminar de reintegração de posse feito – e também o quarto indeferido – pelo arrendatário de parte da área. O processo judicial que discute a posse da área segue, mas a construção das casas de madeira não está em questão.
Seguindo o curso dos braços e das mãos, tábuas largas de madeira, compridas, cheirando a serragem, erguem-se e formam extensões de uma casa. O piso de madeira, o tablado, as paredes ao redor, o telhado. As formas tornam-se casas. As mesmas fincam de vez no terreno a força do povo que vai continuar lutando até que seus direitos básicos sejam atendidos.
Durante o mutirão de construção das casas, as crianças kaingang, por sua vez, acompanhavam atentas o trabalho dos adultos. Quando não ensaiavam colocar a mão na massa, na ânsia de ajudar, jogavam serragem umas nas outras, subiam nas tábuas, corriam em torno das pilhas de madeira, percorrendo as estruturas fundantes das novas casas. Em meio a tanta animação e folia, uma das crianças, atenta, rabisca com um graveto, na areia do chão do acampamento, uma casa com paredes e telhado.
Em breve, aqui no Viés, matéria completa sobre a situação dos indígenas kaingang em Santa Maria (RS).
MUTIRÃO DE CONSTRUÇÃO DAS CASAS NO ACAMPAMENTO KAINGANG EM SANTA MARIA (RS), texto pelo viés de Nathália Costa e Tiago Miotto e fotos pelo viés de Tiago Miotto, João Victor Moura e Caren Rhoden.