DESISTÊNCIAS Depois da separação da Igreja e do Estado, em 2000, os suecos deixaram a Igreja em massa, com um pico de 73.400 desistências em 2009. Antes, as pessoas se tornavam membros da Igreja automaticamente no nascimento, exceto se seus pais solicitassem o contrário. Uma das principais razões para explicar o aumento de desistências é o ‘imposto da Igreja’, que chega a 1% da renda e aparece, a partir de agora, discriminado nas guias de cobranças, tornando-se ainda mais vísivel. A Igreja estima que vá perder um milhão de membros durante os próximos dez anos.
Um ofício celebrado com música ‘jovem’ e que acaba na pista de dança sob luzes de discoteca: é a aposta bem sucedida duma igreja de Estocolmo, na Suécia, para conter a queda no número de fiéis.
O imponente edifício de tijolos escuros põe-se a vibrar com o ritmo abafado dos graves que escapam de Högalidberget, uma colina no bairro de Södermalm, em Estocolmo, capital da Suécia. A igreja de Högalid está lá desde 1923. O contraste entre o crepúsculo tranquilo de primavera e as pulsações das ondas sonoras é um pouco incongruente: vendo a fachada austera da igreja, suas curvas características e seus altos vitrais, nunca adivinharíamos o que se passa no interior. Contudo, naquela noite, distribuíram-se tampões de ouvido no lugar dos habituais livros de cânticos.
“Vocês precisarão deles”, diz Johan Lindström, assistente da paróquia de Katarina e co-organizador da ‘missa techno’. Junto com o pastor Olle Ideström, ele escreveu a música desse encontro religioso fora do padrão que, neste ano, fez um tour pela Suécia. A ‘missa techno’, que segue a liturgia tradicional, desdobra-se ao som duma música de boate interpretada por jovens e por confirmandos da paróquia. As faixas se chamam Ponha tua mão sobre mim, Nunca me abandones ou ainda Uma aleluia silenciosa e são cantadas para Deus [sic] – se bem que elas podem ser consideradas como canções de amor e tocar em qualquer rádio.
“Nós demos um novo lugar à música de boate, um gênero associado à cultura underground ou às raves. Ao mesmo tempo, é certo que prestamos serviço à Igreja quando vemos o número de pessoas que vêm aos ofícios. Em poucos anos, o número de confirmandos da paróquia subiu quase 100% e muitos chegam aqui por causa da missa techno”, diz Olle Ideström. Na noite da missa, ele coloca uma casula branca sobre os jeans coloridos. Assim que sobe no altar para as preces, ele tem, em frente a si, 700 pessoas – não sentadas, mas de pé, fazendo a festa e agitando sob luzes giratórias de discoteca. É tão popular, festiva e lotada quanto as finais regionais do Melodifestivalen (pré-seleção sueca ao Eurovision, um concurso intracontinental de música pop na Europa – onde estourou, por exemplo, o grupo sueco ABBA em 1974). “Não se esqueçam de que o amor de Deus [sic] é infinito”, proclama Olle ao ritmo da música. Ele levanta os braços ao céu e grita: “Vamos botar fogo!”
O ofício acaba na pista de dança. Para fechar a noite, um dos ídolos das jovens do país, Danny Saucedo, entra em cena. Ele interpreta alguns de seus sucessos, entre eles In the Club [‘Na Boate’, em português], rebatisado especialmente como In the Church [‘Na Igreja’], e Amazing [‘Incrível’], título que lhe conferiu o segundo lugar no Melodifestivalen deste ano. Uma canção que fala de Deus [sic], conta ele.
Depois de seu lançamento, faz pouco mais de um ano, a missa techno já foi citada em mais de 150 veículos pelo mundo. A ideia foi até mesmo repetida em Turku, na Finlândia. Muitos se alegram com a iniciativa, a começar pelos conselheiros da Igreja sueca, confrontados diariamente com o recuo do número de fiéis – frequentemente enfatizado pela mídia. Nos anos 1990, entre 10 mil e 20 mil fiéis deixaram a Igreja da Suécia por ano. Esse número só fez crescer nos anos 2000: no ano passado, 52.415 pessoas requisitaram sua saída.
“A paróquia de Katarina tem coragem de inovar. A Igreja da Suécia é uma instituição às vezes congelada, surda às mudanças. Mais precisamente, eu acredito que os membros da Igreja desejam a mudança, mas são poucos os que tomam a iniciativa. É preciso ser corajoso”, analisa Olle Ideström.
Alguns enxergam uma provocação. “Eu recebi emails anônimos que diziam que eu iria queimar no inferno por ter passado à música eletrônica numa igreja. Alguns reivindicam que Jesus só ama Bach – mas como eles o sabem? Alguém escreveu que ‘Jesus deve estar se contorcendo em sua tumba’, assistindo à missa techno. Mas, até onde eu saiba, o cristianismo anuncia a ressureição de Cristo!”, continua Olle Ideström, rindo.
Nos últimos anos, a cultura popular multiplicou as incursões na esfera religiosa, às vezes por intermédio de associações culturais ligadas à Igreja e a organizadores independentes. Nesta primavera, a igreja de Högalid organizou também uma série de concertos, onde os artistas e os músicos tocaram músicas de filmes que eles mesmos escolheram. No entanto, o fato de se abrirem os prédios religiosos à cultura popular não se dá sem levantar um certo número de questões, notadamente a do que é aceitável ou não num lugar de culto e quais são as pessoas habilitadas a julgá-lo.
Pastora na paróquia da catedral de Göteborg, Madeleine Forsberg estima que a Igreja deva defender seus ideais sob a pena de ver desmoronar a confiança. “Nosso capital é a confiança. Ao lado do Evangelho, a confiança é uma de nossa grandes forças. Depois dos eventos ocorridos na Noruega no verão passado, as pessoas vieram em peregrinagem à catedral para acender uma vela e deixar mensagens. Isso mostra que a igreja é um lugar de empatia e uma muralha contra o mal. É ingênuo pensar que os dois podem coexistir num mesmo lugar”, assegura ela.
Neste outono, a paróquia nomeou um grupo de cinco pessoas encarregadas de examinar as demandas por ensinamentos, de controlar a qualidade e de garantir que as atividades desenvolvidas não sejam contrárias à base de valores da Igreja.
“A margem de interpretação pode ser bastante elástica. Não vejo nada errado no fato de artistas usarem imagens e expressões tiradas da Bíblia. Nós também o fazemos – e nós não temos o monopólio. O campo de ação da Igreja são as grandes questões existenciais, como encontrar seu lugar na existência, comunicar e compartilhar experiências humanas. Porém, quando se trata de coisas fundamentalmente antinômicas – histórias de droga ou de culto à morte -, há um problema”.
Por outro lado, a paróquia da catedral está bem disposta a participar dos debates desde que esteja habilitada a controlar os conteúdos. Assim, Madeleine Forsberg organizou um concerto da organista Ulla Olsson dentro da programação do festival HBTQ (homossexuais, bissexuais, transgêneros e queer), que ocorrereu entre 21 de maio e 3 de junho em Göteborg.
“Ela tem uma imagem bastante queer e um estilo gótico bem marcante. Ela não passa despercebida e não está no ‘paroquialmente correto’. Seu filme, A Royal Swedish Goth Wedding [algo como: ‘Um Real Casamento Gótico Sueco’] será divulgado na programação do concerto, o que certamente irá desencadear algumas reações uma vez que se trata duma estética que pode ser julgada incomum”.
JESUS AMA TECHNO, pelo viés da colaboradora Alexandra Sundqvist*, traduzido pelo viés de Gianlluca Simi
*Alexandra Sundqvist é jornalista. O artigo original, em sueco, pode ser lido no site da revista Fokus. A versão aqui traduzida foi publicada no semanário francês Courrier International.