Liberdade sexual. Termo tão em voga hoje em dia, certo? Não sabemos. A liberdade faz parte, também, de uma espécie de essência – anterior e superior aos tempos modernos. A liberdade sexual é superior a caracterizar-se como hétero, homo, bi, trans, pansexual.
Afinal, limitação é retrocesso. As descobertas e os anseios não se limitam a gênero, nem a grau.
São esses algumas das reflexões trazidas, de maneira inusitada e divertida, pela peça EmSaias!?, apresentada no Espaço Cultural Victorio Faccim, no sábado, dia 12 de maio. O monólogo de Leonardo Bergonci, acadêmico de Artes Cênicas da UFSM, foi convidado para
ser o segundo espetáculo apresentado pelo 2º MOSAICO – Mostra Artística Independente do Catálogo do Teatro Por que Não?.
O ator acobertou a plateia com um jogo interessante de palavras: EmSaias!? reflete a mistura entre o processo de ensaiar (parte integrante do trabalho do ator na construção do seu projeto) com saias, peça caracteristicamente feminina, reflexo de feminilidade.
Aliás, o jogo também é relacionado com dois aspectos centrais do monólogo: o primeiro, de que a peça é toda parte de um ensaio, mesclando o personagem principal como a mistura entre uma senhora libertina e o ator que a interpreta. Na peça, ator também
é personagem. A saia é um dos poucos atributos físicos que caracterizam a mulher e descaracterizam o ator (homem). Todo o resto da composição física da personagem não existe: sem perucas, sem maquiagem forte, sem sapatos de salto. Apenas a saia e a expressão corporal.
A peça começa com o ator interpretando um ator, sim, realizando uma espécie de teste para um espetáculo. Ao seu lado, outros tantos representantes, vestidos da mesma forma. Ao ser escolhido como o primeiro a se apresentar, o ator começa o jogo entre intérprete e personagem. Em muitos momentos da peça, esquecemos que existe um personagem-ator, e vemos apenas a personagem-mulher. Em outros, ele retorna, nos deixando surpresos com a habilidade para transitar e transmitir entre os dois. Quase que nos esquecemos por completo de um terceiro ator – o “verdadeiro”, o de fato ator que interpreta tanto o personagem-ator, quanto a personagem-mulher.
Existe, em todo o monólogo, um fio condutor que liga os dois personagens (ator e mulher). Este fio não é explícito, mas existe, fazendo com que ambos estejam interligados e expostos, delineados para a plateia.
A opção de Leonardo em não abusar de maquiagem e de cabelos falsos foi extremamente feliz, sutil e delicada. O personagem é visível, a feminilidade existe, sem que tenha que exibir uma espécie de deslocamento – sem extravagâncias e sem a imagem “transvestida” de mulher.
A peça é inspirada no livro do escritor João Ubaldo Ribeiro, A Casa dos Budas Ditosos. O livro faz parte de uma coleção da editora Objetiva, conhecida como Plenos Pecados. O escrito de Ribeiro caracteriza o pecado da luxúria na série. A lenda em torno da obra
é eficaz. Até hoje ninguém sabe se o livro é parte da imaginação de João Ubaldo ou se, conforme a lenda, todas as histórias narradas pertencem a uma senhora que jamais se identificou, mas que preferiu deixar na porta do escritor uma coleção de fitas em que
narra suas aventuras sexuais, suas experiências e – consequentemente – suas descobertas.
A escrita do livro é extremamente subjetiva, difícil de não ter sido pensada por alguém que não tenha vivenciado tudo aquilo que é narrado ao longo do livro. A personagem principal experimenta todas as modalidades sexuais a que teve acesso, com os tipos
mais diversos, em níveis de envolvimento e prazer diferentes e complementares. Incesto, traição, homossexualidade, bissexualidade, ménage a trois, oral, anal, banal. No monólogo EnSaias, um dos jargões da personagem que mais entusiasmou o público fora: “Heterossexualidade? Limitação! Homossexualidade? Limitação! Bissexualidade? Futuro!”. Na ânsia de descobrir tudo aquilo que o sexo poderia oferecer, a personagem se expõe durante a peça como uma mensageira da liberdade sexual. De fato, procura iluminar uma visão machista, atrasada, de colocar as mulheres, e os homens também, em uma posição absurdamente tediosa de castidade.
Talvez, parte disso venha dessa moral católica. Pensar em classificar o livro de Ribeiro como aquele que tratará da luxúria traduz o retrocesso. Não, o que ela faz não é pecado. Liberdade sexual não é pecado. Pecado é a limitação, o preconceito. Pecado é a repressão.
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EMSAIAS!?, pelo viés de Felipe Severo e Nathália Costa
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