Genouco, louênio. Gênio ou louco? Em qual ordem perguntar? Louco ou gênio? Ou ou e? Bispo do Rosário, Arthur. Conhecido no mundo da arte contemporânea, desconhecido da história oficial do país. Herói brasileiro. Desconhecido do mundo que desconheceu, Arthur Bispo do Rosário não perdeu nada, e perdido pelo mundo também não foi. Sua história foi recuperada. Sua obra, divina ou artística, renasce na loucura de todo dia. Passou 50 anos em outro mundo, e construiu sua própria realidade baseada no real comum. O mundo era pequeno para sua cabeça, então tentaram trancá-la entre as paredes de um manicômio, na Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro. Mas a mente do gênio atropelou as paredes e ultrapassou as fronteiras do que podemos apreender.
Diz-se que ele nasceu em 1909 e diz-se que nasceu em 1911, mas Bispo do Rosário não nasceu nessa Era nem nasceu em Japaratuba, no Sergipe. Nasceu antes, bem antes, como se nascesse há dez mil anos, e não havia nada nesse mundo que não soubesse demais. Com uma exceção: não sabia dele mesmo. Garantia que não era artista, mas um enviado de deus que deveria reproduzir um mundo em miniatura, levar a palavra. Apenas em uma oportunidade Bispo separou-se de suas obras, permitindo que fossem expostas no Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro. Criava onde vivia, vivia em sua criação. Ainda é lá – aqui – que vive.
Arthur Bispo do Rosário produziu mais de oitocentas peças, quase sempre usando lixo do manicômio onde viveu de 1939 a 1989. Chegou lá após peregrinar por igrejas do Rio anunciando-se o anunciador. Filho de escravos, não deixou-se escravizar pelas paredes, pelos choques elétricos, pela esquizofrenia. A arte foi sua libertação. Quando criava, era louco ou gênio? Era sua sanidade que falava por suas mãos sem conseguir chegar a sua boca.
Suas obras não têm sequência ou métrica, são como um conjunto contínuo e dinâmico, são um mundo inteiro. Em sua ânsia por redesenhar o mundo, encolheu e esticou a corda que delimita e une a geografia, os esportes, os objetos, as pessoas. Com lixo ou linha, metal, plástico e papel. Com pequenos presentes ou com fios azuis que retirava de velhos uniformes dos mais de mil internos da Colônia. O azul que se destaca nos diversos mantos que bordou é tão azul por isso, e não pelo mar por onde andou antes do manicômio, como integrante da Marinha.
Diagnosticado louco pela ciência, diagnosticado gênio pela arte. Prisioneiro da passagem, produto da passagem, construtor do a seguir, libertador de si mesmo. Prisioneiro de si, libertador do mundo. “Orientado pelas vozes a fazer dessa maneira”, dizia de si e de suas peças. Prisioneiro das vozes que o libertaram.
ARTHUR BISPO DO ROSÁRIO: UM ARTISTA (S)EM BUSCA POR SI MESMO, pelo viés do colaborador Alexandre Haubrich*
*Haubrich é jornalista e editor do blogue JornalismoB. Colabora com diversas publicações, entre elas a revista o Viés.