O termômetro do Largo Glênio Peres em Porto Alegre, um dos principais pontos turísticos da capital gaúcha, marcava 36°C aproximadamente às 16 horas do dia 24 de janeiro. No entorno do relógio-termômetro mais de 15 mil pessoas aguardavam o início daquela que já se tornou uma referência na abertura das atividades do Fórum Social Mundial, a Marcha das Boas-vindas.
Este ano Temático, propositalmente por advir no ano da conferência Rio+20, o Fórum Social buscava trazer às ruas do mundo, representadas pelas ruas da cidade gaúcha, o questionamento sobre o modelo de vida indigesto e impraticável sob o qual vivemos. A Marcha das Boas-Vindas fez jus ao nome. Mostrou a quem ainda estava perdido os motores e os anseios de milhares de homens e mulheres que buscavam difundir presença e ideias.
Pinheirinho, ocupações, truculência da polícia, código florestal, governos de barões, dívida capitalista. Caixões de floresta morta, educação a preço de banana. Uns queriam o veto de Dilma a Aldo Rebelo, outros nem tocaram no assunto. Subordinação? Uma mistura de submissão aquietou até mesmo grandes cabeças que deixaram de contrapor. Sentiu-se a falta de debates contestatórios. Em alguns casos não se sabia ao certo: mesa de debates ou exposição de ações do governo? Noutros, gravidade: demonstrações de aquiescência às políticas governistas que copiam o quadro mundial. O quadro mundial que já demonstrou suas consequências: falência, fome e uma crise tortuosa. Outro mundo é possível ou o mesmo mundo reformado é a única saída para os conformados engolirem?
Em diversos momentos, pareceu um grande consenso forjado, um exercício de cordialidade mais do que de construção e desconstrução. Tendo a Crise Capitalista, a Justiça Social e Ambiental como temas centrais, o Fórum vinha interrogar as falhas do homem frente ao gigantismo do mundo e as atuações perniciosas de parte da coletividade mundial contra ela mesma. O socialismo também entrou em debate. Contudo, o que era para ser um enorme Fórum de opiniões retrocedeu-se a um espaço de nichos. Cada força ou grupo político fez o seu próprio encontro. Muita troca ficou estagnada na indolência.
Enquanto mais de 40 mil pessoas se reuniam na maior tenda de ideias do globo para lutar e renovar o outro mundo que é possível, o socialismo, em sua essência, era examinado. E após uma semana inteira de conversas contando com participantes de 38 países advindos dos cinco continentes, o socialismo, mesmo entre percalços, mostrou-se, preanunciado, a partir de paradigmas hodiernos de performance política, ainda a exclusiva opção apropriada para que uma sociedade igualitária e equitativa seja literalmente erguida.
Depois da Marcha que reuniu 20 mil pessoas pelas avenidas da cidade, 3000 lideranças de movimentos sociais, como João Pedro Stédile (MST), Quintino Severo, representante do Comitê Nacional de Organização do 1º Fórum Social Palestina Livre, Zé Miguel, representante da Central de Trabalhadores (CTC) de Cuba, Jamal Juma, membro do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial, Celso Woyciechowski, também do Comitê Nacional de Organização do 1º Fórum Social Palestina Livre, o cineasta Carlos Pronzato, Camila Vallejo e outras centenas de direções da esquerda mundial fizeram de Porto Alegre o caldeirão da multiplicidade para a modificação e o arrefecimento das disparidades concludentes da silhueta capitalista.
Além das centenas de direções dos mais variados movimentos sociais do mundo inteiro, intelectuais renomados como Frei Betto, Leonardo Boff, Gilberto Gil, Ignacio Ramonet, Oded Grajew, Marina Silva, Pablo Antonio Amadeo Gentilli e Boaventura de Souza Santos, além da presidenta Dilma Rousseff, tiveram a oportunidade de discutir o novo papel da sociedade no desenvolvimento e, principalmente, na sustentação dos conceitos socialistas para afrontar com audácia o colapso capital e, de modo óbvio, seu causador, o sistema capitalista. Mesmo que alguns não o tenham feito, exemplos de militantes ávidos por manter o Fórum como o centro mundial do pensamento de justiça chamaram a atenção para os desafios que serão enfrentados adiante. Stédile, do MST, conclamou: “se quisermos realmente derrubar o capitalismo devemos parar a produção logo. Pregar o socialismo não resolve, a população precisa comer, estudar”.
O Fórum Temático era ensejo popular para instituir o discurso que a pluralidade de vozes procurava levar à Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, em junho deste ano. O que a maioria buscava era reverter e não repetir o fracasso da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a famigerada Eco92, realizada no Rio de Janeiro em 1992.
O Fórum desempenhou em partes seu escopo ao tentar comportar o intercâmbio teórico e objetivo na construção da nova sociedade, abalizada nos triunfos e nos ensinamentos do passado, a fim de recriar um contorno original de ação em níveis mundiais para o desenvolvimento futuro de políticas essencialmente fomentadas pelo domínio e pela vontade da maioria na ratificação da igualdade, da integridade plena dos direitos fundamentais que homens e mulheres têm para alcançar a autêntica dignidade. Como salientou Stédile, “o último desafio é sermos mais criativos nas nossas formas de organização e de luta”.
FORUM SOCIAL TEMÁTICO, texto de Bibiano Girard e Tiago Miotto. Fotos de Tiago Miotto.
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