Palavras podem ser tão devastadoras quanto bombas. Ditas na hora errada e para pessoas erradas, têm o poder de destruir vidas como se elas estivessem no meio da própria guerra. Elas comprometem pessoas e destroem laços. São armas e também mecanismos que nos levam a lembrar do que deveria ser esquecido. “Os Informantes“, do colombiano Juan Gabriel Vásquez, prova como as palavras exercem esse poder. O livro é uma narração surpreendente sobre traições e mágoas que envolvem uma família e sua rede de amizades.
Ele se passa em Bogotá nos anos 90 e, paralelamente, nos 40, período da Segunda Guerra Mundial. Pai e filho, ambos chamados Gabriel Santoro, se reúnem depois de anos sem contato. O pai é um renomado professor de oratória, dono de grandes discursos proferidos na cidade. O filho é jornalista, autor de um livro de memórias sobre uma exilada alemã, Sara Guttermann, amiga da família. Este livro causa a separação dos dois por conta de uma crítica expressa pelo pai desmerecendo a obra. Mas depois de uma séria cirurgia, ele resolve reatar com o filho, procurando consertar os erros cometidos no passado.
Vásquez retrata um período nebuloso da Colômbia. Em plena Segunda Guerra, o governo, aliado aos EUA, trancava o dinheiro e bens daqueles acusados de serem “informantes” dos nazistas. Muitos desses nomes entravam na lista de forma injusta, e por isso Santoro, o pai, prefere esquecer a tarefa que desempenhou nesse período. Depois de sua morte, o filho procura entender suas atitudes durante a época, sendo auxiliado por Sara Guttermann, que cresceu ao lado do orador. Aqui, a trama se insere ainda mais nesses tempos obscuros.
De início, o livro pode parecer muito denso, por conta dos longos parágrafos e da forma pouco linear da narrativa de Vásquez. Logo, no entanto, ele se mostra uma história fácil de acompanhar. O autor dança com as palavras, vai e vem no tempo de forma sutil, hora colocando Gabriel como narrador, hora se voltando para a história de Sara Guttermann. Os segredos de Os Informantes vão aparecendo aos poucos, e sendo revelados com a calma com que as personagens narram os períodos difíceis pelas quais passaram.
A narrativa é repleta de especulações de Gabriel Santoro quanto aos motivos das ações de seu pai, de Sara e das outras peças-chave para a trama. Ele expõe uma realidade à qual os imigrantes alemães e de outros países estavam submetidos, falando como se a Colômbia ainda pedisse perdão pelo que o governo os fez passar. A traição veio através da palavra, e é por ela que o jornalista procura a redenção, tomando o drama de seu pai como um legado. Ao publicar essas histórias, Santoro espera preservar aquilo que tanto queriam esquecer, utilizando-se desses fatos para limpar o nome do pai.
Os Informantes mostra um novo autor despontando. Vásquez escreve de forma brilhante e enigmática, mas ao mesmo tempo clara, percorrendo dois períodos da História sem se perder em nenhum deles. As personagens não carecem de detalhes, e as descrições feitas pelo autor são suficientes para que formemos nosso próprio filme sobre as relações conturbadas entre esses dois homens. E nas páginas escritas por Vásquez, fixa-se em nossas mentes a importância que as palavras têm.
Texto originalmente publicado no sítio “Amálgama“.
Os informantes de Bogotá, pelo viés da colaboradora Taize Odelli*
*Taize é estudante de jornalismo na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. A resenhista escreve em seu próprio blogue rizzenhas.wordpress.com e também é colaboradora dos sítios “Amálgama” e “Meia Palavra“.