Tal texto não procura sanar todas as dúvidas a respeito da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Incita, principalmente, discutir as questões que permeiam o debate, as mesmas que não perpassam apenas a “diplomação”, como também as próprias questões de trabalho, ofício jornalístico e, principalmente, democratização dos meios de comunicação.
O retorno da obrigatoriedade do diploma para jornalista ressuscitou antigas discussões. A principal entre elas foi a de quanto o diploma garantiria a qualidade para o exercício da profissão jornalística (Leia mais clicando AQUI). O debate demarcou, inclusive, as discussões em torno da qualidade dos jornalistas em seu ofício, com ou sem diploma. Infelizmente, discutir apenas a exigência do diploma restringe um assunto que deveria ser amplamente contextualizado. Em parte, porque a democratização da comunicação não é debatida em profundidade, balizando a questão em torno de “qualificar” ou “não qualificar”. Situações e dúvidas mais amplas permeiam a questão que define o diploma para o jornalista.
O que passou no Senado Federal foi uma emenda, a PEC 33/2009, que delimita o retorno a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Foi aprovada em Plenário na quarta-feira (30) passada, porém precisa ser votada em segundo turno. A exigência de diploma para jornalista, extinguida através de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em junho de 2009, retorna à mesa de discussões. Senadores opositores do projeto declaram que o STF irá votar conforme decidiu em 2009, frustrando as expectativas dos que exigem o retorno do diploma. Entidades representativas dos jornalistas, como a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) exigem o retorno da obrigatoriedade do diploma, e o deputado gaúcho Paulo Pimenta (PT – RS) apresentou na Câmara de Deputados matéria de conteúdo semelhante ao da PEC no Senado, que hoje aguarda avaliação.
Ponto 1: Flexibilização do trabalho
Segundo informações da Agência Senado, a proposta “prevê, no entanto, a possibilidade de atuação da figura do colaborador, sem vínculo empregatício com as empresas, para os não graduados, e também daqueles que conseguiram o registro profissional sem possuir diploma, antes da edição da lei”. Essa pequena vírgula no projeto já atenta para uma importante questão: a possível criação de duas categorias de trabalhadores.
É uma antiga reivindicação sindical, de grande parte das categorias suportadas pela representação de seus sindicatos, o posicionamento contrário a flexibilização do trabalho. Quando uma mesma categoria está dividida em duas, fica complicado estabelecer direitos e reivindicações comuns, assim como proteção ao trabalhador que desenvolve sua função. Os grandes jornalões e a mídia hegemônica preferem a ausência do diploma, justamente pela falta de proteção que passa a atingir os trabalhadores que não possuem nenhuma representação sindical. É a conhecida flexibilização dos direitos trabalhistas. A categoria dos jornalistas então fica restrita a uma divisão entre o formado e o colaborador. Essa divisão restringe o pagamento digno de salários, assim como todos os direitos que são específicos do trabalhador da área.
Além da própria flexibilização dos direitos do trabalhador, discutir o diploma não é apenas restringir o debate acerca da capacidade individual do jornalista. Exigir o diploma pode não ser apenas uma questão de atentar para quem tem ou quem não tem capacidade de exercer a função de jornalista. Parte dos comentários favoráveis a extinção do diploma giram em torno da qualidade do trabalho exercido por jornalistas não-formados, algumas vezes um argumento superior ao da democratização da profissão. Porém, tal questão não se limita a ter ou não capacidade. Que muitos tenham talento para o exercício da profissão, isso não se discute. Mas é importante salientar que existem diversas outras responsabilidades que precisam ser transmitidas a um jornalista que não se localizam apenas na sua qualidade como repórter. Aliás, tais responsabilidades devem ser contestadas nas próprias redações assim como nos bancos das universidades.
Aliás, quais são as garantias de emprego para os jornalistas formados? Quase nenhuma (assim como em qualquer outra profissão). Infelizmente, um sistema superior, nivelado, de concorrência voraz e de um mercado sedento de poder, é o responsável por uma disputa insaciável no que hoje conhecemos como “mercado de trabalho” (interessante é refletir até mesmo sobre o termo, que assemelha mercado a trabalho). Esse mesmo mercado está atrelado ao oportunismo e a um fetichismo desmedido em torno da jovialidade dos profissionais e do desrespeito com os trabalhadores mais antigos. Isso é o que norteia nosso mercado de trabalho. Nesse sentido, a formação e o diploma garantidos estarão servindo a esse mesmo mecanismo destruidor, sendo quase que apenas reprodutores de uma lógica perversa e desleal, de uma concorrência irrestrita para parcos empregos e de uma carência estrutural de comprometimento. Como as diretrizes trabalhistas atuais giram em torno dessa lógica mercantilizada, vazia socialmente, é fatal que a formação do trabalhador, na universidade ou no dia-a-dia da redação, seja igualmente mercantilizada – e consequentemente carente. Formar ou não? Para o que e para quem quando a lógica é, infelizmente, essa?
Ponto 2: Qualidade da formação nas escolas de comunicação
Formar por formar não resolve o problema. Que todo o jornalista pudesse ter formação qualificada, isso é o que defende a exigência do diploma. Indiretamente é o que defende. Até porque não é possível argumentar que a formação trará qualificação ao trabalhador sem que a mesma seja crítica. Não é suficiente formarmos jornalistas apenas para encaixá-los em um exército constante de reserva, especializados apenas em um jornalismo mecanizado.
Precisamos pensar na formação do jornalista, anteriormente a obrigatoriedade ou não do diploma. Principalmente porque ao discutirmos a obrigatoriedade, estamos discutindo a formação dos próprios jornalistas, do que é preciso e do que é necessário para que um jornalista, em sua condição, exerça sua função com propriedade. O comprometimento social precisa ser o debate principal nas escolas de comunicação. Ainda que a universidade procure fortalecer o senso crítico, parte dos profissionais da área está sendo formada apenas para parcas operacionalizações e pouco para o debate crítico da profissão. Dentro da formação dos profissionais em comunicação, ainda podemos debater a respeito do comprometimento social que a formação universitária precisa aprofundar. O mercado, um pouco arraigado nas universidades e um pouco distante das mesmas, é quem atualmente determina a formação operacionalizada. Quem estuda quer emprego? Sim, porém essa mesma lógica segue egoísta. Atrás da formação está todo o contexto abordado anteriormente que visa encaixar cada profissional em uma engrenagem da máquina atual de trabalho.
A troca ligeira de informações aumentou o desespero pela novidade e pelo já conhecidíssimo furo jornalístico – a prática de noticiar primeiro um acontecimento importante. Nesse sentido, o que é mais importante ao jornalista hoje? Ser o primeiro a dar uma notícia ou ser aquele mediador que vai contextualizar o assunto, discutir o tema com a sociedade? A mediação do jornalista é parte de sua função social. Hoje, o jornalista precisa ser, mais do que nunca, um agente mediador entre os fatos e os contextos, entre a sociedade e a notícia. Quando a formação não prioriza essa questão, continua-se disputando com blogues e mídias sociais na internet um papel que não cabe. As relações entre quem produz e quem recebe jornalismo estão mudando.
O jornalismo é uma função social. Aliás, o jornalismo, nos cursos de graduação, precisa ser atrelado a uma ciência superior a ele mesmo enquanto instituição: a própria Comunicação Social. O jornalista é comunicador antes de ser apenas um funcionalista. A sua formação deve ser voltada para entender como e o que de fato faz um comunicador e o quanto ele pode corresponder ao chamado social de sua graduação. Sendo o comunicador alguém que entende e que maneja as formas como a comunicação será de fato exercida entre todos os indivíduos de uma sociedade, a sua formação é papel importante na engrenagem que delimita os aspectos da profissão.
Ponto 3: Democratização dos meios e da comunicação
” A comida não será uma mercadoria, e nem a comunicação um negócio – porque a comida e a comunicação são direitos humanos. Ninguém morrerá de fome porque ninguém morrerá de indigestão”. (Eduardo Galeano)
Pensemos que o diploma não garanta a democratização dos meios. Para os contrários ao mesmo é, inclusive, uma forma de barrar a democracia. Porém, a não-obrigatoriedade do diploma também não faz os meios mais democráticos. Seguimos com os mesmos monopólios midiáticos, as mesmas famílias brasileiras tomando conta de tudo que escutamos, vemos, ouvimos, lemos, consumimos. Esse é o nome par da comunicação hoje em dia: consumo. E consumo extrapolado, não consciente. A comunicação acaba sendo um produto. E ao ser vendível e consumível, a sua preocupação acaba sendo apenas com seu rótulo – em vender. Perpassa pouco a questão de que se comunicar é uma necessidade humana – mais do que isso, um direito teoricamente garantido pelo Estado e acima do mesmo.
Quando observamos que as concessões para rádios comunitárias, apenas como um exemplo, não serão concedidas em larga escala após a queda do diploma, entendemos que os interesses de poucos ainda prevalecem sobre os interesses de muitos. Ainda. Além disso, o acesso à internet no Brasil é ainda bastante restrita. O meio midiático que prevalece em nosso país ainda é a televisão, e por mais que a internet esteja em constante ascensão, ela ainda não tomou o posto de outros meios de massa.
Conforme informações do site To Be Guarany, “entre os 10% mais pobres, apenas 0,6% tem acesso à Internet; entre os 10% mais ricos esse número é de 56,3%. Somente 13,3% dos negros usam a Internet, mais de duas vezes menos que os brancos (28,3%). Os índices de acesso à Internet das Regiões Sul (25,6%) e Sudeste (26,6%) contrastam com os das Regiões Norte (12%) e Nordeste (11,9%)”.
Não receberemos uma resposta imediata sobre a qualidade ou não do diploma para jornalista enquanto não visarmos à democratização da comunicação. O papel que os blogues e as mídias sociais hoje possuem na internet não representa o fim do jornalismo – mas a reinvenção do mesmo. Assim como a televisão não representou o fim do rádio. O público mudou, o jornalismo também muda. Os patrões dos jornalistas não deveriam ser os grandes conglomerados midiáticos – mas a população que hoje clama por informação qualificada e por jornalismo preocupado com a sociedade.
Assista ao vídeo “Como a mídia brasileira sufoca a liberdade de expressão” clicando AQUI.
DIPLOMAR OU NÃO DIPLOMAR, pelo viés de Nathália Costa.
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