nasceu com asas
num plano de chão e pó
mas lh’as atoraram – aberração!
amigou-se então da água
a quem visitava de tempos em tantos
mas dela o afastaram
pois nunca se quedava, só ia a tal
apresentaram-lhe, pois, o fogo
tão altivo e robusto
– a quem todos amavam
só ele que não, sem saber o porquê
foi que retucou sobre o calor daquele
…estapearam-lhe a cara
– ‘como maldizes tão nobre chama’?
posto que já o dissera
marcou-se-lhe a hipoderme,
bem junto d’alma,
com fagulhas do carvão
sem dó, como creem os quem só castigam
– ‘não chores’, diziam, ‘far-te-á bem’!
sempre estará ele marcado, à brasa
– já não lhe cai assim tão mal
mas, no dia que seguiu o outro, soprou calado
e, pois, de dia em dia, soprou mais forte
arrivou com o vento!
– ‘como ousas’?, bradou o pó, incomodado
e todo desengonçado, mal-amado e inseguro
sentiu um calor nas calotas secas das asas
– e medo e prazer e medo do prazer
(ou prazer do medo?)
soprou, bufou, sibilou
jetou-se arriba
‘corram’! – choravam os outros
lançaram-se aos céus para lhe tomarem pelos pés
para nada
– de pronto!
quem aprende a alçar voo do chão
conhece as manhas de quem por lá vivinge
só voou
sem nunca saber aonde.
A OUSADIA DE HERMES, pelo viés de Gianlluca Simi