Depois de 21 dias de paralisação (como você pode ler aqui), os bancários voltaram ao trabalho entre sentimentos de tarefa vencida e derrota que só engrandece a vulnerabilidade dos pequenos lutarem contra os grandes. Os bancários foram às ruas explicar ao povo que os banqueiros, donos de empresas arquimilionárias, as quais lucraram juntas (incluindo Itaú, Banco do Brasil, Bradesco, BNDES e Santander), aproximadamente, R$ 26 bilhões no primeiro semestre de 2011, não estavam repassando aos seus funcionários, a base da riqueza dos barões capitalistas, o lucro que todos conseguiram trabalhando sem parar. Mas os bilhões ficaram apenas nas contas privadas dos patrões e os funcionários sentiram que era hora de expor a ridicularização de um sistema econômico excludente.
Contudo, os banqueiros não estavam sozinhos. Assim como nos crimes capitais realizados por grandes quadrilhas para que o plano dê certo, os banqueiros tiveram o apoio de outros poderosos do capital: a mídia burguesa. A mídia que se intitula como “a voz do povo”, “a difusora da realidade”, “o local onde você se vê”, “a mídia do brasileiro” e muitos outros slogans meigos, não surpreendeu a quem já estava acostumado com o discurso preconceituoso, elitista e corriqueiro das empresas gigantescas de TV, de rádio, da internet e de publicações impressas. A mídia veio para bombardear a luta dos bancários. Em nenhum momento difundiu todo o discurso dos manifestantes e diariamente, em todas as horas e plataformas possíveis, noticiava os “problemas causados pela paralisação”. Essa mídia não podia mostrar mais a fundo a situação de vida dos funcionários de agências bancárias do Brasil inteiro pois os bancos “molham bem a mão” dos empresários do ramo midiático. E assim, abaixo de sujidades e jogos asquerosos de poder, banqueiros e meios de comunicação hegemônicos colocam parte da população contra as lutas das centenas de minorias do país. Que mídia é essa? Pois a Sra. Teresa Roberta Soares, quis, através de uma simples carta dirigida à direção de jornalismo da TV Globo, questionar os porquês das barbaridades disseminadas pelo canal sobre a greve. A carta foi exposta pelo Sindicato dos Bancários de Divinópolis e Região e você pode lê-la na íntegra abaixo.
Carta à Direção Globo de Jornalismo
Sr. Carlos Henrique Schroder,
É com grande insatisfação que escrevo aqui em nome de quase 500 mil bancários existentes no Brasil.
Em primeiro lugar, gostaria de dizer que estamos indignados com o tratamento que os telejornais da Central Globo de Jornalismo, subordinada a sua Direção Geral de Jornalismo e Esportes (DGJE), estão dando a nossa greve.
Todos os dias suas reportagens altamente parciais (sempre do lado dos banqueiros, o capital de vocês) mostram nossa greve prejudicando clientes, idosos, etc. O que vocês não mostram é o quanto nós somos prejudicados o ano inteiro.
Sr. Carlos Henrique Schroder, aos 16 anos, quando entrei para a faculdade de jornalismo, eu achava que poderia mudar o mundo.
Aos 20, quando acabei a faculdade, percebi que o mundo é que havia me mudado.
Decidi ser bancária, que por sinal é uma profissão muito digna, talvez até mais digna do que aquela profissão que me fez passar quatro anos na universidade.
Sr. Carlos, nós, bancários, trabalhamos feito robôs. Em minha agência somos 24 funcionários e temos que atender em média 500 clientes por dia, em seis horas de trabalho, sendo no máximo 15 minutos para atender cada cliente, o que matematicamente torna-se uma conta impossível.
Nesses 15 minutos que temos para atender os clientes, em vez de resolver os problemas deles, temos que oferecer produtos que eles não precisam. Temos que empurrar seguros de vida a universitários; temos que vender (com muita dor no coração) títulos de capitalização e colocar cheque especial na conta de idosos que só ganham um salário mínimo. Fazemos empréstimos com juros absurdos para aposentados do INSS que não sabem nem ler. Fazemos tudo isso porque somos obrigados pela instituição capitalista que paga nosso minguado salário.
Trabalhamos de seis a oito horas contratuais fazendo tudo o que podemos para garantir o lucro da nossa empresa, sem contar as horas extras e também as horas “bestas” (fora do ponto eletrônico).
Em quantos e quantos meses já perdemos boa parte do nosso salário para pagar diferenças de caixa provocadas por dias de pico onde não conseguimos nem almoçar? Isso sem contar que só temos 15 minutos para engolir a comida e escovar os dentes!!! Em quantos e quantos dias deixamos de beber um copo de água sequer, ou mesmo deixamos de ir ao banheiro para necessidades lógicas?
Sr. Carlos, o Banco em que eu trabalho (BB) teve um lucro de mais de 6 bilhões só no primeiro semestre deste ano. O Itaú lucrou mais de 7 bilhões e o Bradesco mais de cinco.
Sr. Carlos, todo esse dinheiro daria para construir dezenas de escolas e hospitais em toda parte do nosso país, e o Sr. Tem que concordar que o Brasil é muito carente nessas áreas.
Quantos milhões de reais os bancos não gastam todos os anos com publicidade e propaganda na sua emissora? O Bom Dia Brasil tem o oferecimento do Banco do Brasil, o Jornal Nacional é patrocinado pelo Bradesco, fora os outros telejornais e os comerciais dos outros bancos que sua emissora veicula todos os dias.
Sr. Carlos, os escriturários do BB recebem R$ 1.400,00 líquidos para sustentar suas famílias. Temos um bom plano de saúde, graças a Deus, e um auxílio alimentação que dá pra abastecer uma casa, mas o Sr. Tem que concordar comigo que R$ 1.400,00 não dá pra manter o padrão que os bancários precisam para trabalhar.
Temos que nos vestir bem e ter uma boa aparência, afinal trabalhamos nas empresas que mais dão lucro no Brasil e precisamos ter uma boa apresentação.
O que nos deixa mais indignados é que seus telejornais nos mostram como vilões da sociedade, exterminadores de benefícios de velhinhos, grevistas baderneiros, como se nós não quiséssemos trabalhar,
Sr. Carlos Henrique Schroder, nós não estamos de férias, nós estamos exercendo um direito constitucional que nos foi dado; passamos em concurso público e nos classificamos entre milhares de pessoas. Acho que merecemos ganhar um pouco mais pelo que passamos todos os dias, o Sr. não acha?
Nossa greve não é só por nós, é principalmente pelos clientes. Os bancos têm estrutura suficiente para contratar mais funcionários, tirando assim o peso da carga que carregamos, pois cada um de nós trabalha por cerca de 10 pessoas que não existem. Com mais funcionários, os clientes ficarão menos tempo nas filas intermináveis e terão uma qualidade de atendimento muito melhor.
O que queremos é que seus telejornais e jornalistas prezem aquilo que de mais importante eu aprendi na universidade: a verdade e a ética jornalística.
Não deixem o capital se sobrepor aos valores éticos e à verdade nua e crua. Mostrem o que realmente acontece, não escondam nenhum dos lados.
Não acho correto mostrar apenas o lado ruim da greve, pois com toda certeza do universo, Sr. Carlos, o lado negro dessa história não é a greve, não é mesmo! A greve é nossa única chance cobrar o que nos é direito.
O Sr. sabe que a economia do país teve uma inflação considerável e nosso aumento real seria de apenas 0,56%, o que é absurdamente injusto se compararmos com o lucro que nós, funcionários, proporcionamos aos bancos de 2010 para 2011.
No governo FHC passamos 8 anos sem aumento nenhum, e a inflação cresceu a cada ano. Nosso salário estagnou.
O salário mínimo cresceu mais de 400% de 2002 a 2011, enquanto nosso salário aumenta a passos miúdos. Se continuar neste ritmo, daqui a uns anos vai valer mais à pena ganhar um salário mínimo do que trabalhar em um Banco.
Bom, Sr. Carlos, acho que já falei demais. Eu não o conheço, mas sei que o Sr. tem um currículo que muito jornalista gostaria de ter e ocupa uma posição respeitável. Quero parabenizá-lo por isso. Sei também que minha indignação não vai resolver nada e sei que seus telejornais continuarão parciais por toda vida, pois isto é política da emissora e não há o que se fazer. Mas desabafei o que estava engasgado na garganta de milhares de bancários de todo o país.
Saiba que vendo o que se passa hoje na televisão brasileira, me orgulho de ter optado por sofrer um pouco sendo bancária do que ter um pouco mais de dinheiro e não dormir à noite sendo jornalista da emissora a qual o Sr. faz parte.
Grata pela atenção,
Teresa Roberta Soares – Bancária, cidadã brasileira e cliente de banco que apoia a greve.