Comentar a propaganda da marca de lingerie Hope com a modelo brasileira Gisele Bündchen é quase que redundância, já que a mesma foi comentada incessantemente durante toda esta última semana. Resumidamente, o caso está em uma das notícias do Caderno de Mídia do Portal Imprensa da UOL:
A Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) pediu ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) para que a propaganda da marca de lingerie Hope seja retirada de veiculação. Segundo a instituição, a peça estrelada pela modelo Gisele Bündchen reforça o “estereótipo equivocado da mulher como objeto sexual de seu marido”, ignorando “os grandes avanços que temos alcançado para desconstruir práticas e pensamentos sexistas”.
Intitulada “Hope Ensina”, a campanha de roupas íntimas retrata os problemas enfrentados por um casal quando a mulher, que é representada por Bündchen, bate o carro ou estoura o limite do cartão de crédito. Em um primeiro flash, a modelo conta o fato ao marido vestida com roupas, o que é sinalizado como “errado” pela propaganda. Em um segundo momento, ela realiza o mesmo ato somente de calcinha e sutiã, o que é evidenciado como “correto” pelo comercial.
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Porém, depois de ver uma capa como a do jornal O Globo (que encontrei através do blog Escreva Lola Escreva), me sinto um pouco na obrigação de dar um pequeno palpite.
Não podemos afirmar categoricamente que é um sistema maior, e inquebrável, que obriga as mulheres a vestirem e a usarem apenas o que esse mesmo sistema outorga. Ainda assim, não podemos também cair na inocência de acreditar que a liberdade de vestir e de usar é assim tão liberta. A relação entre indivíduo e mercado não se resume apenas em comprar e usar: são códigos diversos, relações complexas, maneiras de se colocar no mundo, maneiras de manter certos padrões. O mercado não tem interesse em discutir e eliminar o machismo – justamente porque o machismo dá dinheiro. A obrigação constante de ser uma mulher linda, perfeita, escultural, custa caro. É com o valor com que muitas empresas de fato se preocupam.
Não é correto cair na dicotomia simplista de afirmar que ou a mulher se veste apenas por imposição do mercado, e do machismo, ou a mulher se veste porque é uma opção que ela faz. Sentir-se bonita, atraente, é consequentemente se sentir feliz consigo mesma e com o próprio corpo. A cobrança pelo corpo perfeito é cíclico: está em quase todas as campanhas de beleza na mídia, está no padrão ocidental de beleza, está também na cabeça de muitas mulheres. A relação entre o que nos exigem e o que nos exigimos é bem interligado, mesmo que não pensemos nisso propriamente.
Não penso que seja o caminho certo condenar apenas uma propaganda, fazer dela mesma um bode expiatório. Como já se falou muito por aí, a campanha da Hope é uma entre milhões. É só pensarmos no mar de propagandas machistas que existem por aí. Os argumentos que desmerecem a crítica à propaganda da Hope jogam a discussão para um lado vago, alegando ser nada mais do que inveja, despeito, mesquinhez entre as barangas. Afirmar coisas do tipo é cair na emboscada da mesquinharia também. Sabemos que a competição não é uma coisa nova, e que muitas vezes a inveja foi sim a desculpa para que muitas ações progressistas conseguissem bradar e quebrar o silêncio da falsa moralidade. Porém, é um pouco arriscado cair em caracterizações vagas. “Fazem isso porque são invejosas”.
Eu não gostaria que permanecêssemos achando que é normal um mundo em que mulheres tenham que se submeter às regras de um mercado que está mais preocupado com seus contra-cheques do que com sua autoestima. Também não gostaria de perder a liberdade de escolher aquilo que quero vestir, o que gosto de usar, o que gosto em mim mesma – principalmente. Mesmo que aleguem que criticar uma campanha de calcinha é exagero, eu ainda acho que falta crítica. Não é fácil para nenhuma mulher olhar uma modelo lindíssima na televisão defendendo que só com um pouco de charminho é possível conseguir o que se quer. E isso não é culpa apenas de ser uma modelo lindíssima. E nem mesmo seria uma solução acabar com a beleza da mesma modelo. Acredito que o que indigna muitas mulheres é colocar aos olhos de todos uma situação em que o único papel de uma mulher é dissimular para conseguir o que quer. É apenas usar o próprio corpo. Para mim, é quase que subestimar a nossa inteligência.
Mulheres lindas continuem sendo lindas. Se quiserem usar apenas calcinha e sutiã na televisão, usem. Mas que isso não se torne uma obrigação, porque acaba sendo sim uma obrigação, a todas às mulheres – às que são lindas, que sejam apenas isso, e às que são feias que não sejam nada, apenas resignem-se.
Não acabamos com o machismo retirando uma propaganda da grade de programação de uma televisão. Infelizmente, apenas o reforçamos, pois aos olhos de uma sociedade patriarcal, estamos sendo as mães intolerantes com o mercado, coitadinho, além de, é claro, as feministas invejosas.
Quando um pensamento como o de uma propaganda de marca de roupa íntima FEMININA apenas reproduz um pensamento machista, é porque o problema está na raiz – sendo transpassado para a tela, e não estando presente apenas nela. Sejamos mulheres, com todas as nossas particularidades, e que em muito breve, possamos ser mulheres contentes com o que de fato somos – escolhendo, de verdade, o que vestimos e como nos sentimos com tudo isso.
O MACHISMO DE LINGERIE, pelo viés de Nathália Costa.
Nathalia, muito obrigada pelo texto. Concordo bastante com a questão que a campanha da Hope está se tornando um bode expiatório, quando na verdade o debate é bem maior. Acho que seu antepenúltimo parágrafo resume muito bem a minha sensação ao ver uma imagem da mulher tão estereotipada na mídia.
Diogo Portugal – A experiência ensina
http://www.youtube.com/watch?v=lDMTsc1qFMo
debate sem o ponto de vista do humor, é um debate onde todos os pontos não foram avaliados.
Também acredito que somente a proibição do VT na Tv não seja fator de mudança algum.