“Ô, Reitoria, eu vim cobrar: falta estrutura e professor para lecionar”. Este foi o grito que atestou os dez andares da Reitoria da Universidade Federal de Santa Maria no último dia 2 de setembro, segundo dia de ocupação do prédio localizado no bairro Camobi, há dez quilômetros do centro da cidade. Mesmo cansados, não recuaram do posto depois de uma noite fria, com temperatura na casa dos 5°C, quando unidos decidiram dormir dentro do prédio até que fossem ouvidos pelos responsáveis sobre a situação acadêmica da UFSM. Cansados estão mesmo de esperar por prédios que não surgiram, ou que estão com prazos de término mais do que vencidos, e também por professores que não chegaram às salas de aula.
Além da luta nacional pelos 10% do Produto Interno Bruto para a Educação Pública, as pautas giram em torno do Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), que em seu surgimento garantia melhorias excepcionais na estrutura do ensino superior do país, mas que tempos depois se notou vago.
Acompanhando o plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – o REUNI – cursos novos, como Terapia Ocupacional, foram propostos pelos Centros como empreitada para auferir mais recursos governamentais. Não obstante, o acréscimo no repasse de verbas não escoltou os reais dispêndios.
Como salientado na Assembleia Geral dos Estudantes durante o primeiro dia de ocupação da Reitoria da UFSM, tais problemas não são novidade: o Curso de Comunicação Social, dividido entre Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Relações Públicas e, mais recentemente, Produção Editorial, existente há mais de quarenta anos na UFSM, nunca teve sede própria. Os alunos percorrem cinco prédios diferentes para poder ter aula, e os laboratórios previstos para a expansão do curso só foram liberados para uso no meio do ano de 2011. Mas há mais problemas: os professores não receberam capacitação para saber gerenciar produtos e programas tecnológicos inéditos.
O processo de ocupação da reitoria estava desencadeado a mais tempo do que se imagina. Após as vitórias estudantis dos alunos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que também ocuparam a reitoria da instituição como forma de serem atendidas as reivindicações locais, o movimento estudantil santa-mariense já se preparava para atos parecidos. Além da conquista na UFPR, onde a reitoria acatou 16 exigências dos alunos, como a ampliação do horário de funcionamento do Restaurante Universitário para oferta de café da manhã e jantar, o movimento “10% do PIB para a Educação Já” instaurava-se com maior força entre a classe estudantil. Os protestos começaram a algum tempo dentro da campanha nacional que busca criar na sociedade o debate em torno do novo Plano Nacional da Educação (PNE).
No dia 26 de agosto, os professores da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) deliberaram em assembleia paralisar suas atividades. Mais de 200 estudantes tomaram a reitoria com cartazes e gritos de ordem desde o início da tarde daquele dia. Favoráveis à paralisação do magistério e dos servidores, o movimento estudantil ocupou a Reitoria para manifestar o apoio.
A reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) foi tomada por estudantes e por técnicos-administrativos no dia 30 de agosto. O protesto seguia a movimentação nacional pelo aumento salarial para os servidores (em greve há mais de três meses) e a destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro para a educação. Na PUC de São Paulo cerca de 400 estudantes de diversas universidades do Estado realizaram um ato no dia 23 de agosto para reivindicar o mesmo. O Plano Nacional da Educação (PNE) prevê 7% do PIB destinado à educação até 2020.
Em Santa Catarina não foi diferente. No dia 12 de agosto mais de 300 estudantes reuniram-se em um ato contra o corte de vagas no curso de Economia, militante a favor da greve dos servidores técnico-administrativos, e impediram a votação do parecer de redução pelos órgãos deliberativos da UFSC. Os estudantes, então, ocuparam na quarta-feira, 17 de agosto, a reitoria da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). O protesto era análogo ao de tantas outras universidades, como debates sobre a estrutura física da instituição, das condições e do fechamento da biblioteca e do restaurante universitário e um ocasional corte de vagas em cursos que apoiam a greve nacional dos servidores. Cerca de 800 estudantes participaram de um ato na reitoria com a finalidade de demandar do reitor respostas para os problemas estruturais pelos quais passam os estudantes desde o semestre passado. Acampados na instituição, os alunos resolveram através de assembleia permanecer no local. A reitoria liberou uma nota classificando o ato como “irresponsável”. No dia 26, uma barricada de pneus foi formada em frente ao prédio para inibir a passagem de funcionários. A ocupação ganhou força, as portas foram trancadas e apenas os estudantes tinham liberdade de entrar no prédio, o qual estava tomado por barracas para os manifestantes passarem a noite.
“Após 8 dias de vigília na reitoria, o Movimento Estudantil da UFSC consegue segundo resultado importante. Após a garantia de não haver corte de vagas na [ no curso de] Economia este ano, o Reitor se viu obrigado a se posicionar abertamente sobre a greve e sobre a negociação dos servidores com o governo federal”, divulgou o DCE da UFSC em nota.
O descaso com a educação afetou também os estudantes da Universidade Federal Fluminense, em Niterói. Um agrupamento de 500 estudantes ocupou a reitoria no dia 31 de agosto. A decisão de tomar o prédio foi fundamentada na negação do vice-reitor, Sidney Melo, em debater as reivindicações apresentadas pelo Conselho Universitário. As demandas percorrem os mesmos caminhos das instituições irmãs: concurso para professor e finalização das obras de expansão da universidade. Na situação da UFF, ainda há o questionamento dos acadêmicos quanto o desalojamento de cem famílias para a construção de avenidas que passarão dentro do Campus. Em nota publicada pela Reitoria, “a ocupação causava constrangimento aos servidores e a paralisação das atividades internas e de atendimento aos estudantes, docentes, servidores e à sociedade”.
No dia 2 de setembro foi a vez dos estudantes que ocupavam a Reitoria da Universidade Estadual de Maringá (UEM), após 8 dias de manifestações, deixarem o prédio. A decisão foi tomada após reunião com o reitor Júlio Santiago Prates Filho. Santiago havia formalizado a decisão de entrar com pedido de reintegração de posse, o que envolveria a força policial. Pacificamente, através de assembleia no fim da tarde de quinta-feira (1º), os estudantes decidiram desocupar o local. “Com a Reitoria desocupada, daremos encaminhamentos para executar o que foi acordado na pauta de reivindicações”, disse Prates Filho. As reivindicações, na sequencia das demandas paralelas pelo país inteiro, referiam-se ao Restaurante Universitário, pedido de contratação de servidores, implantação de uma política de isenção da taxa do restaurante para estudantes carentes, inclusão no cardápio de pratos vegetarianos e construção de uma nova unidade do RU.
Enquanto o governo não toma medidas concretas para melhorar o ensino público do país, reitorias seguirão sendo ocupadas e a impassividade dos novos alunos só aumentará. E com razão. O Conselho Nacional da Educação (CNE) já sugeriu que a meta do investimento público em educação corresponda a 10% do Produto Interno Bruto, ao contrário dos 7% propostos inicialmente pelo Ministério da Educação (MEC). Não adianta criar programas nacionais e dar-lhes nomes populares se no íntimo deste investimento não estiverem as razões humanas frente às monetárias. Os alunos não merecem bolsa-carência, alimentação de qualidade em todos os turnos, salas de aula bem equipadas, professores ministrando aulas, moradia digna e gratuita. Eles têm direito a isso.
PARALISAÇÕES: O EFEITO DOMINÓ DO REUNI, pelo viés de Bibiano Girard