István Mészáros é um filósofo húngaro. Provavelmente está entre os mais respeitados teóricos da esquerda mundial. Demétrio Cherobini é um estudioso da obra de Mészáros com extensa produção acadêmica sobre o autor. Entre tantos pensamentos, uma crença basilar une os dois: O Capital está em crise e esse é o momento da Ofensiva Socialista tomar força e apresentar uma nova proposta de sociedade.
revista o Viés: Primeiro fale um pouco sobre a sua carreira, sua graduação, seu primeiro contato com a obra de Mészáros…
Demétrio Cherobini (DC): Eu primeiro fiz graduação em Educação Especial, primeiro passei em Pedagogia, cursei Pedagogia, passei para Educação Especial e ali eu tive o primeiro contato com o marxismo, Paulo Freire, Vygotsky, esses autores. Aí eu fiz um projeto de pesquisa com Marx e Vygotsky que eu passei no mestrado aqui na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), só que acabei abandonando por conflitos com o orientador. Aí depois eu cursei Ciências Sociais e fiz meu trabalho de graduação em Marx, Walter Benjamin e Mészáros, um projeto estudando a obra desses três. Depois passei no mestrado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) com um projeto somente sobre Mészáros. Sobre a teoria da crise do capital contemporâneo e a estratégia política para enfrentar e superar essa crise. Uma pesquisa teórica de análise da arquitetura dos conceitos. Na verdade já faz uns cinco anos que eu tenho estudado Mészáros, desde 2006 por aí. Nós fizemos uma semana acadêmica das Ciências Sociais com o tema “crises do Capital, crise estrutural do Capital”. Daí de 2006 em diante eu comecei a sistematizar mais essas leituras.
: Em alguns dos seus textos você faz uma reflexão sobre o pensamento de István Mészáros acerca da crise estrutural do Capital e das estratégias de combate que a esquerda deve adotar. Seria interessante, se você pudesse, mesmo que resumidamente, explanar um pouco agora sobre isso.
DC: O Mészáros é um autor que está dentro de uma tradição bem clássica do marxismo. Eu posso considerá-lo um autor clássico vivo hoje, porque ele faz uma reflexão muito parecida com a que o próprio Marx fazia. Ele faz uma análise do Capital, da crise do Capital e, depois, com isso mais ou menos visualizado, mais ou menos bem definido, ele elabora uma estratégia política para o enfrentamento dessa conjuntura. Isso é o que Marx fazia, que Lenin fazia, que, provavelmente, Trotsky fazia, que Gramsci fazia. Todos esse grandes revolucionários. Mas no caso eles partem da estrutura póstuma, para depois tentar enxergar ali as brechas que a gente pode penetrar e quebrar toda essa estrutura. Então até o momento em que ele chega a uma conclusão que seja discutível, digamos assim, mesmo assim tem uma maneira de colocar os problemas, o que já é interessante, e com a qual tu podes aprender alguma coisa. Então vale principalmente estudar o Mészáros e aprender o pensamento dele, não só pelas conclusões que ele chega, mas pela forma como ele coloca questões, coleta dados, coleta informações, elabora categorias e aí desenvolve todo um sistema de raciocínio até chegar na conclusão. Isso é fundamental.
Então ele parte de certas categorias filosóficas, que ele vai buscar em Marx, Lukács principalmente. Ele está sempre passando pela Rosa de Luxemburgo também, alguma coisa do Lenin…
: Do Lukács, por sinal, ele foi aluno.
DC: Isso, ele foi assistente. Ele foi aluno do doutorado e ele ia ser o substituto do Lukács na cadeira de estética na universidade. Aí deu o levante húngaro de 1956, as tropas soviéticas invadiram a Hungria e ele se exilou na Itália. Na Itália ele casou, depois foi para a Inglaterra, para a Escócia, México e outros países. Agora ele se fixou na Inglaterra de novo, se aposentou e vive lá. Ele não foi só aluno de Lukács, ele foi amigo pessoal. Lukács foi padrinho de casamento dele. Um dos primeiros grandes livros do Mészáros que é sobre a teoria da alienação em Marx é dedicado ao Lukács. Eles mantiveram uma amizade pessoal por cerca de vinte anos, mais ou menos, até a morte de Lukács em 1971.
: Essa amizade influenciou muito…
DC: Sem dúvida. A obra de maturidade de Lukács, chamada “A Ontologia do ser social” é, digamos assim, uma das principais influências do Mészáros. A Ontologia é aquela parte da Filosofia que estuda o “Ser”. Então o Lukács escreve um livrão e o Mészáros dialoga criticamente com isso. Não simplesmente assimila aquilo sem maiores considerações. Ele vai analisar as contradições da Ontologia do Lukács, vai tentar superar essas contradições e o resultado dessa Ontologia, criticamente analisada, vai servir de base para ele elaborar as suas categorias de análise para pensar o Capital contemporâneo em crise estrutural. Essa é uma das influências, Lukács, mas também tem algumas influências de marxistas norte-americanos com Paul Sweezy, Paul Baran, o próprio Marx, não só “O Capital”, mas as outras obras econômicas do Marx, principalmente “Grundrisse”, é o esboço de “O Capital” que também está sendo lançado esse ano, são algumas das influências teóricas do Mészáros.
Com base nessa leitura crítica que ele faz de todos esses, porque ele não é um autor que pega citações e tenta desenvolver aquilo, ele faz uma análise crítica, tenta confrontar com a realidade e o produto disso tudo é a teorização. Não é somente uma relação, diríamos, passiva, com os outros autores, é uma relação ativa. Ele tem que analisar as contradições desses autores e o produto dessa análise. Aí sim serve para fazer alguma coisa.
Então ele parte de algumas categorias da Ontologia. Na Ontologia do marximso, do Lukács, o que define o “Ser”, o “Homem”, é o trabalho. O trabalho é essa mediação principal, mediação fundamental, que estabelece a condição da própria existência humana, essa relação dos seres humanos entre si e com a natureza, essa relação dialética dos seres humanos entre si e pela qual eles se apropriam da natureza e transformam aquilo que eles se apropriaram e dão uma nova conformação para aquilo. Essa relação tem que ser estabelecida, efetivada, realizada todos os santos dias da vida. É o trabalho, é a condição para qualquer outra coisa, é a condição para fazer arte, fazer poesia. Para que alguém possa se dedicar-se a fazer crítica literária, crítica filosófica, jornalismo, educação, sociologia, tem que todos os santos dias alguém, em alguma parte do mundo, realizar um trabalho.
: É o trabalho como mediação entre os próprios trabalhadores.
DC: Isso, exatamente. Não é só entre o homem e a natureza, é o trabalho coletivo, o trabalho é sempre um processo coletivo. É a mediação dos seres humanos entre si e entre eles e a natureza. Essa mediação, a mais fundamental entre todas que existem, e vai existir enquanto houver homens sobre a terra, ele chama de mediação de primeira ordem. Essa é a condição ontológica fundamental, usando o linguajar do Capital, é a condição ontológica inultrapassável do ser humano. Esse processo de entrar em relação, os seres humanos entre si, com a natureza, para suprir as suas carências. Existem outros tipos de mediações, diz o Mészáros, que são as mediações de segunda ordem, aquelas que se modificam, que são construídas historicamente e que variam de lugar para lugar. O Capital é um sistema de mediações de segunda ordem, é um sistema de mediações criado historicamente e se é criado historicamente ele pode ser transformado. O que define o sistema de mediações do Capital? Dinheiro, estado, mercado, divisão do trabalho e mais algumas outras coisas fazem parte desse sistema de mediações do capital. Cada uma dessas mediações têm a sua história específica. O dinheiro, por exemplo, existiu entre os Fenícios, existiu em vários outros lugares. A divisão do trabalho também. Ao longo da história esse sistema de mediações vai se fundindo, esses elementos vão se fundindo e ganhando uma nova configuração, uma nova especificidade, e essa nova especificidade desse sistema de mediações se organiza a partir da exploração de trabalho excedente. E é aí que se começa a consolidar o sistema do Capital. Então o que define esse sistema de mediações? Exploração do trabalho excedente, todas essas partezinhas se articulam no todo e a lógica disso tudo é a exploração do trabalho excedente. Explorar o trabalho excedente para acumular trabalho excedente e expandir a lógica desse sistema. Explorar, acumular e expandir.
: Algo como o Exército Industrial de Reserva?
DC: É mais ou menos isso, o Exército Industrial de Reserva num primeiro momento da formação do Capital era uma coisa que alimentava essa dinâmica. Hoje a formação de uma massa grande de desempregados atravanca o desenvolvimento do sistema e isso é um indicio de que o Capital passa por uma nova forma de crise, a crise estrutural. Quando algumas das contradições que antes ele usava como combustível para se perpetuar no tempo, agora começam a atravancar esse próprio desenvolvimento. E aí chega aquilo que o Mészáros chama de Crise Estrutural, que tem início para o Mészáros entre fins da década de 60 e início da década de 70. Esses últimos 40 anos foram um sinal dessa crise estrutural, que nem sempre se manifesta de uma forma explosiva. Ela é uma crise mais subterrânea que, volta e meia, é claro, explode alguma coisa, mas ela é um processo permanente de crise, assim como existe a teorização da Revolução Permanente, que ele faz uso. Ele também teoriza sobre esse processo de crise permanente que a gente vive hoje e se manifesta de várias maneiras. Então, o que é importante pensar nesse primeiro momento? O Capital é um sistema de mediações criado historicamente e ele passa por uma fase de ascendência histórica para tomar o planeta inteiro, até se generalizar e controlar o trabalho sobre o planeta inteiro. Quando ele se generaliza e toma o planeta inteiro, ele vai entrar em uma outra fase. E aí o Mészáros coloca como fim da fase de ascendência do Capital. Então ele enfrenta uma nova crise, ele tem que se reestruturar para enfrentar essa crise, e a forma que ele encontra para resolver, a maneira como ele se reestrutura, o resultado dessa reestruturação é aquilo que ele chama de Produção Destrutiva, que é a especificidade do Capital contemporâneo. E a Produção destrutiva se expressa de várias formas: obsolescência planejada, complexo militar industrial, precarização das relações de trabalho, precarização das condições até de vida mesmo. A gente pode compreender a favelização do mundo contemporâneo como uma expressão dessa crise. Uma precarização das próprias condições básicas de vida. A gente sabe que existem 920 milhões de pessoas vivendo em favelas no mundo hoje, uma sétima parte, praticamente, da humanidade. Então isso caracteriza o Capital contemporâneo.
: E a partir de todo esse processo reflexivo, Mészáros determina por onde se deve atacar o Capital?
DC: Sem dúvida nenhuma. Com isso definido, a gente elabora a estratégia. Ninguém elabora uma estratégia sem fazer uma leitura da realidade. Isso, no caso, todo sujeito político que queira organizar uma alternativa em relação a essa condição, tem que fazer uma leitura crítica bem fundamentada dessa condição. Com isso vislumbrado a gente pode tentar apontar alguns caminhos sem nenhuma certeza de garantia de sucesso, mas é o que permite. Sem essa leitura não existe estratégia. Ele faz toda uma leitura do Capital para desenvolver uma estratégia, a estratégia da Ofensiva Socialista. Ora, se eu entendo que o Capital é um sistema de mediações de segunda ordem, no caso, eu mais ou menos sei aquilo que eu tenho que negar. Se o Capital é um processo de hierarquia estruturalmente posta que controla a atividade produtiva, o trabalho, é essa hierarquia mesmo que tem que ser negada. Ora, se eu tenho que negar isso, eu tenho que necessariamente afirmar uma outra forma de relação social. Para contrapor as hierarquias sociais, isso só pode ser contraposto por formas de organização social horizontais. Então veja que eu faço a leitura da realidade para entender aquilo que tem que ser negado e aquilo que tem que ser necessariamente afirmado no lugar dessa condição, dessa estrutura.
: Nesse contexto entra a importância da luta extra-parlamentar?
DC: Isso, porque o Capital é uma força extra-parlamentar. Às vezes a gente tem a ilusão de que o Estado pode controlar o Capital, isso é um erro de estratégia, é um erro avaliativo, é um equivoco, uma ilusão. O Capital não pode ser controlado pelo Estado pela simples razão de que o Estado é uma parte do Capital. Ele é uma mediação dentro desse sistema de mediações. Ele é uma vértebra dentro dessa coluna vertebral do Capital e obviamente a vértebra não pode controlar a estrutura toda. A vértebra existe para realizar algum fim dentro dessa estrutura. A função do estado dentro do Capital é harmonizar as contradições do Capital. O Capital vive, espontaneamente, seus processos de crise, a crise é inerente ao processo de realização do Capital. O Estado existe dentro dessa estrutura para, momentaneamente, harmonizar essas crises. Por exemplo, no Brasil contemporâneo, a concessão de créditos, estabelecimento de vínculos comerciais com a China, diminuição de impostos para os produtos da linha branca. O Estado existe para isso. Ele vai elaborando essas medidas para harmonizar momentaneamente, para dar uma certa coesão momentânea, sobre os microcosmos do Capital. O Capital é estrutura de microcosmos, digamos assim, que chega um certo momento que ela se desestrutura e o Estado está ali para momentaneamente reorganizar.
: E amortecer o enfrentamento entre as classes?
DC: Sem dúvida. Conciliar as classes, esse é um dos objetivos principais. Mas o Capital, apesar de ele atuar no campo do estado, dele usar o Estado, ele não se enraíza no Estado. Ele se enraíza controlando o trabalho, ele se enraíza, por tanto, fora do parlamento, fora do Estado. Ele é uma força extra-parlamentar. O Capital não pode ser controlado, diz Mészáros, o Capital só pode ser destruído. Ele não compartilha poder. Não compartilhar poder faz parte da própria essência da definição do Capital. Ele controla o Estado mas ele não age só ali, ele age fundamentalmente fora do Estado. A importância de nós sabermos isso é porque leva a elaborar uma estratégia que vise a nossa atuação política, que vise confrontar o Capital justamente ali onde ele se enraíza. Ali no controle do trabalho. O Capital é uma estrutura de controle sobre a força produtiva. Ele tem que ser negado onde ele se estrutura, nós temos que já antes de tomar o Estado ir reorganizando a própria sociedade e já transformando essa hierarquia social de controle da atividade humana lá onde ela se enraíza. Essa forma de atuação extra-parlamentar é basicamente o que ele chama de Ofensiva Socialista. Isso não significa que a gente não deva lutar na trincheira do Estado, isso que ele chama de luta no Estado é o que ele chama de Luta Defensiva. A Defensiva é a forma de atuação dentro do Estado, no interior do parlamento. A Luta Defensiva é importante e a gente não deve virar as costas para ela, defender o direito do trabalhador que está sempre tentando ser abolido pelo Capital é uma coisa importante e devemos fazer essa luta. Mas a Ofensiva não para essa luta parlamentar. Ela engloba e vai além. Vai além em que sentido? Vai além no sentido da sociedade. A Ofensiva então engloba a Defensiva. A Ofensiva aceita a luta que se dá no interior do Estado, mas vai além. Se dirige lá para onde o Capital se enraíza. Uma força extra-parlamentar só pode ser batida por outra força extra-parlamentar. Essa força extra-parlamentar, que é o Capital, que se calca, se baseia em estruturas hierárquicas, de controle da atividade produtiva, precisa ser batida por novas formas de organização que só podem ser horizontais. Se a gente cria uma outra forma de organização que também é calcada em hierarquias a gente está simplesmente reproduzindo a lógica do Capital. Claro que isso não se faz de uma hora para a outra. Num primeiro momento da atuação essa estrutura continua vigente, mas o ideal é que a gente trabalhe progressivamente para desestruturar essa estrutura, digamos assim. E assim a gente realiza aquilo que Marx e Engels falavam que é a comunidade humana emancipada. A sociedade dos produtores livremente organizados. Isso é o nosso objetivo político fundamental.
: E a partir dessa perspectiva de disputa é incogitável que o Capital se autodestrua?
DC: Essa é a grande questão. O Capital, a partir da década de 70, ele entra em um outro tipo de crise. Até então ele estava se expandindo sobre o planeta. Ao se expandir pelo planeta ele necessariamente enfrentava algumas crises, a famosa crise de 29, crise da superprodução. Ele vai tentar lidar com essa crise, vai desencadear vários efeitos. A Segunda Guerra Mundial foi uma das formas de lidar com essa segunda grande crise. A partir do momento que ele toma o planeta como um todo, essa estrutura hierárquica de controle fetichista da atividade produtiva toma o planeta e não tem mais para onde se expandir. Ele não tem mais como deslocar suas contradições, ele não tem mais como lidar com seus limites relativos, ele entra em uma nova fase de crise, uma crise qualitativamente diferente das anteriores. Então ele tem que lidar com essa crise. Mas ele já não tem mais aqueles recursos que tinha no passado. Ele tem que se reorganizar, ele não pode mais exportar suas crises, seus conflitos para a periferia, porque já não existe mais periferia. Tudo está dentro do mesmo plano. Então ele tem que se reorganizar para continuar explorando a atividade produtiva. Ele lida com sua crise desenvolvendo aquilo que Mészáros chama de Produção Destrutiva.
Se em um primeiro momento existia a Destruição Criativa, ou seja, a destruição era orientada pela criação, hoje é o inverso. Hoje é a destruição que orienta a produção. A produção, a produtividade humana, no caso. Isso a gente percebe na obsolescência planejada, no complexo militar industrial, no desemprego, na degradação dos recursos ambientais. Isso faz com que o Capital hoje se assemelhe a um câncer. Imagine o que é viver em uma sociedade onde a destrutividade é o princípio de organização das relações sociais. Se antes, no primeiro momento, lá no tempo de Marx, ele dizia que tudo que é sólido se desmancha no ar, hoje as coisas se desmancham no ar antes mesmo de elas se solidificarem. O Complexo Militar Industrial é uma característica dessa estrutura onde isso acontece de forma mais clara e mais brutal. Ele não vem de agora, ele vem lá do fim do século XIX, mas naquele contexto do capitalismo não tinha uma posição central. Hoje ele tem uma posição central. Tanto que 25% do PIB dos Estados Unidos está vinculado imediatamente ao Complexo Militar Industrial. O Complexo Militar Industrial tem uma especificidade. As mercadorias que são produzidas ali tem uma especificidade. Se quando a gente vai ao mercado e compra uma coisa, vai utilizando essa coisa e leva um certo espaço de tempo até essa coisa se destruir, o Complexo Militar Industrial é o setor da economia onde as mercadorias se destroem no ato do seu consumo. Ele quebra esse espaço de tempo entre o consumo e a destruição. Então consumir é destruir.
: E surge um novo consumo.
DC: Exatamente, para que uma nova mercadoria seja produzida para tomar o lugar daquela que foi usada. E, obviamente, para sustentar um tremendo aparato de Complexo Militar Industrial ele tem que colocar em movimento forças capazes de produzir ideologias que justifiquem, perante a população, a necessidade da manutenção dessa estrutura. E aí a gente vê todos os dias na TV o aparato ideológico a disposição dessa causa. Isso faz com que o Capital se assemelhe aquilo que o Mészáros chama de um câncer, o crescimento canceroso do Capital. O Capital tem uma forma de crescimento altamente destrutiva, altamente violenta, altamente agressiva, e isso tende a colocar a humanidade cada vez mais frente a um dilema. Mas aí é que está a questão. O Capital hoje se assemelha a um câncer. Mas ele não vai morrer de morte morrida, ele só pode morrer de morte matada. Se, no tempo da Rosa de Luxemburgo e do Engels eles diziam que o dilema da humanidade era “Socialismo ou barbárie”, hoje o Mészáros também acha certo isso, só que ele acrescenta alguma coisa nessa fórmula. Ele diz socialismo ou barbárie, mas barbárie se tivermos sorte. Porque a destrutividade do Capital hoje é tão forte, ela é tão central dentro dessa estrutura de relacionamento social que, talvez, a barbárie não seja mais uma alternativa, talvez a própria destruição das relações sociais completas seja a ameaça que a gente tem hoje. Bom, como o Capital não vai morrer de morte morrida, ele só pode morrer de morte matada, a gente tem que necessariamente se organizar e pensar numa forma de atuação capaz de se confrontar radicalmente com essa estrutura de relacionamento social.
: Acreditas que esse seja um momento em que o Capital está cambaleando?
DC: Eu não diria que ele está cambaleando, eu diria que ele está exaurido, talvez ele esteja esgotado, talvez ele esteja como uma fera selvagem que lutou por muito tempo e agora está cansadíssimo. Esse momento abre espaço para as forças alternativas. É muito mais fácil enfrentar o Mike Tyson quando ele está exaurido, do que quando ele está em perfeitas condições físicas. Por isso, por mais paradoxal que seja, as nossas condições atuais são mais promissoras.
: E o que virá depois, afinal já estamos no período da produção destrutiva. O que restará de um período que leva a destruição na sua própria definição?
DC: Essa é a questão. Provavelmente ele se aprofunde cada vez mais na destrutividade. Ele não tem mais para onde se expandir. Antes, na fase de ascendência, ele se reestruturava e acabava não resolvendo seus conflitos, não resolvendo suas crises, mas exportando suas crises. Mas hoje ele já tomou o planeta inteiro. Essa destrutividade que cada vez mais nos choca tende a colocar a humanidade perante um dilema. Será que ela vai sucumbir a isso ou será que ela vai elaborar uma alternativa?
“SOCIALISMO OU BARBÁRIE, BARBÁRIE SE TIVERMOS SORTE”, pelo viés de Rafael Balbueno
como assim uma ofensiva socialista? o socialismo já mostrou que é uma desgraça completa, ditaduras assassinas. o cara não é um pensador, é um completo idiota.
ótima entrevista, prazerosa leitura, ainda mais quando conhecemos a figura notável que é o Demétrio, com sua paixão e sabedoria. Parabéns ao Rafael e a revista o Viés por disponibilizar a opinião contra-hegemônica.
Mas gostaria de responder, se me for permitido, o comentário de nosso amigo acima, da revista “O Dilúvio”, que trata o pensamento socialista enquanto idiotice, passado, coisa que deu errado, etc.
Muitos erros foram cometidos na história da luta socialista. Enfrentar a estrutura de dominação burguesa não é tarefa fácil e muitas vezes, após muitas derrotas, a saída burocrática ou autoritária foram as saídas encontradas. Obviamente erradas, já que por si só elas evidenciaram a derrota da ofensiva socialista – que precisa ser democrática em sua essência -, e o retorno ao capital acabou sendo a regra nestes casos. Saber fazer a auto-crítica e reavaliar os passos do passado é um aprendizado imenso para quem se pretende ir contra a ordem hegemônica contemporânea.
Outra história, porém, é ser conivente com o capitalismo – ainda mais quando queremos atacar o socialismo pelo viés democrático. O capitalismo, este sim, podemos ter certeza, não dá certo. Um sistema que se estruturou sobre a exploração do continente americano, asiático e africano, sobre o braço escravo, sobre o controle imperialista direto ou indireto (toda África até a década de 1950 ainda era colônia de países europeus), sob a exploração de crianças (sendo ainda hoje facilmente encontrado em partes do mundo). Sem falar nas ditaduras militares (que atingiram quase todos os países latino-americanos durantes os anos de 1960-1980). O capitalismo, sempre reconhecemos, é fantástico em sua capacidade de expansão tecnológica e produtiva. Mas negar que realiza esta expansão sobre a destruição, a exploração e o consumo irracional, isso sim, é idiotice.
Ser conivente a isto frente a única alternativa possível – a socialista – é uma contradição imensa, ainda mais vindo de parte de uma revista que se reivindica como “alternativa a grande mídia” e tendo sido fundado paralelamente ao Forum Mundial de 2003. Porém esta, do “consumo alternativo” foi parar na incubadora tecnológica da feevale e passou a ganhar prêmios do Itaú.
Pois é. Triste. Fácil ver como quem não tem norte estratégico firme, exatamente a questão levantada pelo Demétrio, se curva tão rápido.
Henrique: ser contra o socialismo não quer dizer que vc tenha q ser a favor do capitalismo. há sim uma outra alternativa possível ao capitalismo e ao socialismo, procure conhece-la. quando fomos parar na feevale e ganhamos prêmios do Itaú, a revista pertencia a turma socialista, q ainda bem vazou fora. jamais nos curvemos ao capitalismo… e nem ao socialismo. são apenas as duas pobres facetas da mesma moeda: o deus trabalho.
O Monseñor não gosta de trabalhar, mas esquece de todas as esferas em que se insere diariamente e que, para o funcionamento pleno, dependem do trabalho de alguém. Não o seu, é claro.
Quando você recomenda ao Henrique que conheça as outras possibilidades eu fico me perguntando: quais seriam? Aliás se puderes explicar eu ficaria grata. Mas não me venha com um papinho sobre a Social-Democracia que daí eu que terei que te dizer: vá conhecer a Social-Democracia ao redor do mundo, perceba sua total ineficiência e só depois, se tiver coragem, volte aqui e defenda-a.
Aliás o verbo “conhecer” é o norteador desse meu comentário/resposta. Gostaria de recomendar ao Monseñor que estude a concepção socialista acerca do trabalho, da atividade produtiva humana e afins (sinceramente sinto que estou pedindo muito, afinal, a partir de seus comentários, eu duvido até que tu tenhas lido toda a entrevista).
Enfim, fica o convite para esse debate. Qual seria a 3ª opção que tu propõe para a organização da vida na terra? E como o trabalho, a atividade produtiva, se inserem nela?
Obs.: Por questão de curiosidade, porque a turma socialista caiu fora da revista?
Abraços
Juliana
a juliana deve me conhecer bem pra dizer que não gosto de trabalhar, logo eu que até de revendedor de alimentos trabalho pra poder pagar minhas despesas. alguém aqui falou em social-democracia? já não basta os 16 anos de dobradinha aqui no Brasil desse infeliz pensamento? onde houve socialismo, e onde ainda há, a falta de liberdade de expressão andou de mãos dadas. jamais vou defender esse tipo de regime totalitário. pelo contrário: eu e todos os libertários, autônomos, piratas e anarquistas somos declaradamente seus inimigos, assim como somos do capitalismo.
porém, há porém, não temos nenhum modelo de organização pra propor nem muito menos pra impor, pois aí deixaríamos de ser o que somos pra ser a miséria de gente que você é. a turma socialista saiu fora por não concordar com opiniões contrárias, típica de filhinhos de papai que acham que vão mudar um mundo. sem abraços.