“Escrever a história dos vencidos exige a aquisição de conhecimentos que não constam nos livros da história oficial (…) O historiador (…) pretende fazer emergir as esperanças não realizadas (no) passado e inscrever em nosso presente seu apelo por um futuro diferente (…). O esforço (…) é não deixar essa memória escapar, mas zelar pela sua conservação, contribuir na reapropriação desse fragmento de história esquecido pela historiografia dominante.”
( Jeanne Marie Gagnebin)
Esse pequeno trecho sobre a concepção da história, trazida pelo pensador alemão Walter Benjamin, nos diz da necessidade e, portanto, da atualidade de se pensar que memória histórica tem sido construída em nosso continente.
Sabemos que há várias maneiras de se narrar a história. Uma visão sempre esquecida é a que tem sido forjada pelos diferentes movimentos populares nas suas lutas cotidianas, nas suas resistências e na sua teimosia em continuar existindo. Nestas histórias sempre negadas pela “história oficial” os segmentos subalternizados não são meros espectadores, como têm sido apresentados, mas produtores dos acontecimentos.
O processo de estruturação da memória coletiva tem se caracterizado como um dos mais sensíveis às disputas e aos confrontos de diferentes grupos sociais. A história que nos tem sido imposta seleciona e ordena os fatos segundo alguns critérios e interesses, construindo, com isso, zonas de sombras, silêncios, esquecimentos, repressões e negações.
Apesar deste poderio, esta história não tem conseguido silenciar, ocultar ou eliminar a produção cotidiana de uma outra história. No sentido de resgatar essa outra memória, há grupos brasileiros – como os Tortura Nunca Mais, dentre outros – que, nos últimos trinta anos, vêm trazendo ao conhecimento da sociedade acontecimentos até então silenciados, ocultados e mesmo negados: questões relativas ao terrorismo de Estado que vigorou em nosso país entre 1964 e 1985. Tem-se, sistematicamente, procurado articular as violações de direitos humanos ocorridas naquele período com os desrespeitos, torturas e desaparecimentos acontecidos após 1985, quando do retorno à “ordem democrática”, como afirmam muitos.
Inicialmente, gostaríamos de levantar, mesmo que sucintamente, como as práticas de tortura estão presentes em nosso cotidiano e que implicações têm com os períodos autoritários pelos quais o Brasil passou, em especial, o último: a ditadura militar de 64 a 85.
Pensamos apontar como, nos anos 90, estas práticas passam a ser percebidas por grandes segmentos de nossa população como questões que não lhes dizem respeito e, até certo ponto, como aspectos necessários para conter a violência dos “perigosos”. Desde de que aplicadas aos “diferentes”, “marginais” de todos os tipos, tais práticas são em realidade aceitas, embora não defendidas publicamente. É comum ouvirmos a seguinte pergunta quando se fala de tortura: “mas, o que ele (o torturado) fez?” Como se tal procedimento pudesse ser justificado por algum erro, deslize ou crime cometido pela vítima. Somente em alguns casos – quando se trata de “pessoas inocentes”- há clamores públicos, o que mostra que para “certos” elementos essa medida até pode ser aceita. Assim, apesar da sua não defesa pública, a omissão e mesmo a conivência por parte da sociedade fazem com que tais dispositivos se fortaleçam em nosso cotidiano.
A prática da tortura será aqui tratada como fazendo parte de uma política que, em um passado recente, foi sistemática do Estado brasileiro e que hoje, apesar de oficiosa, continua sendo praticada por agentes desse mesmo Estado. Não se trata, portanto, apenas de omissão, conivência e/ou tolerância por parte das autoridades para com tais questões, mas de uma política silenciosa, não falada, que aceita e mesmo estimula esses perversos procedimentos.
UMA PEQUENA HISTÓRIA DA TORTURA
A prática da tortura que percorre a história do Brasil foi durante séculos utilizada, em quase todo mundo, como um exercício de vingança sobre os corpos daqueles que se insurgiram contra o poder e a força do Rei; daí, os suplícios públicos.
Segundo Verri (1992), o uso sistemático da tortura ocorreu após o século XI, na Europa, atingindo seu apogeu entre os séculos XIII e XVII, com a Inquisição.[1]
Em nossa história colonial são conhecidas as torturas infligidas aos escravos, índios – que não eram considerados humanos – e aos “perigosos” de todos os tipos, como aqueles perseguidos pela Inquisição, e aqueles que praticavam crimes de “lesa majestade”. Segundo Foucault (1988) é com o advento do capitalismo industrial, no final do século XXVII e início do XIX, que as “grandes fogueiras” e a “melancólica festa” das punições vão se extinguindo.[2]
Os suplícios saem do campo da percepção quase cotidiana e entram no da “consciência abstrata”: é a era da “sobriedade punitiva”, quando não é mais para o corpo que se dirige a punição, mas para a alma, devendo atuar “profundamente sobre o coração, o intelecto, a vontade, as disposições”. Assim, a premissa básica dos tempos modernos é: “que o castigo fira mais a alma que o corpo” .[3]
Ou seja, não mais os atos praticados, mas aqueles que poderão vir a ser efetuados, dependendo da “alma” do sujeito: se ex-escravo, negro, mulato, índio, imigrante, pobre. Inaugura-se a era da periculosidade onde determinados segmentos por sua “alma”, sua essência, sua natureza deverão ser constantemente vigiados, disciplinados, normatizados. Entramos, segundo Foucault (1996), nas sociedades disciplinares onde as instituições exercerão tal vigilância, produzindo corpos dóceis, adestrando não só o físico, mas fundamentalmente os espíritos.[4]
Entretanto, ao lado do dispositivo da periculosidade continua, ao longo de todo o século XX, existindo, na América Latina e em muitos outros países, também o da tortura. Não mais para os escravos, mas para os “diferentes”, “criminosos”, “marginais”, “perigosos”, para os pobres em geral. Tanto que em nossas constituições republicanas nada é apresentado sobre a prática da tortura. Somente a última, a de 1988 – já em final do século XX – prevê sua criminalização; entretanto, encontra-se colocada ao lado dos crimes de terrorismo e tráfico de drogas . Da mesma forma, somente quase dez anos depois, em abril de 1997, é que com a Lei Contra a Tortura, esta prática foi, efetivamente, criminalizada.[5]
Tortura e Ditadura Militar Brasileira.
Assim, a tortura – que ao longo deste século tem sido cotidianamente utilizada contra os “desclassificados” e “perigosos” sociais, inclusive sendo prática comum hoje em delegacias policiais, presídios, hospícios e muitos estabelecimentos que tratam dos chamados “infratores” e “delinqüentes” mirins – principalmente a partir do Ato Institucional Nº5, de 13/12/68, passou a ser também aplicada sistematicamente aos opositores políticos da ditadura militar. Entretanto, desde os anos 20 – com o incremento do movimento anarquista – muitos militantes políticos foram presos e torturados. Da mesma forma, durante a ditadura de Getúlio Vargas, que ficou conhecida como Estado Novo (1937-1945), muitos opositores sofreram suplícios nas polícias políticas de diferentes estados.
Naquele período, esta prática ainda não havia tomado o caráter de política sistemática do Estado brasileiro. Isto ocorreu a partir dos anos 60, assim como em muitos países latino-americanos, africanos e asiáticos que passaram – e ainda hoje, alguns passam – por regimes ditatoriais.
No nosso caso, apesar da implantação em 1964 de um governo de força, somente a partir do AI-5, ou seja, depois de 1968, é que a tortura se tornou uma política sistemática do Estado. Na verdade, muitos opositores políticos foram torturados naquela primeira fase da ditadura militar, mas eram casos pontuais. A vitória dos militares da chamada “linha dura”, que ficou conhecida como o golpe dentro do golpe, instituiu o terrorismo de Estado, que utilizou sistematicamente o silenciamento e o extermínio de qualquer oposição ao regime. O AI-5 inaugurou também o governo Médici (1969-1974), período em que mais se torturou em nosso país . [6]
Aproximando-se dos métodos inquisitoriais, a tortura – nos anos 60, 70 e ainda hoje, no Brasil e em muitos outros países – persegue também a “verdade”, onde a confissão do supliciado é procurada a todo custo. Entretanto, diferentemente da Inquisição, não é ela, a verdade, que absolve e redime o torturado. Ela, inclusive, não é garantia para a manutenção da vida; ao contrário, muitos após terem “confessado” foram – e continuam sendo – mortos ou desaparecidos. Além disso, a tortura tem tido como principal papel o controle social: pelo medo, cala, leva ao torpor, à conivências e omissões.
É interessante apontarmos como, nos anos 80 – com o processo de “abertura” – e ainda hoje, alguns profissionais “psi” têm tentado explicar psicopatologicamente o comportamento daqueles que participaram diretamente das torturas contra presos políticos. Afirmo, como o fazia Hélio Pellegrino[7] , que pensar somente pelo viés da Psicologia, de que é possível conduta “sádica” ou “desequilibrada” nessas pessoas é, em realidade, cair na armadilha de justificar suas ações. A questão deve ser colocada na crença, massivamente produzida à época, que tinham – e ainda hoje, muitos têm – de que para aqueles “perigosos” não havia outro caminho senão o da tortura.
Esta foi, e continua ainda hoje sendo, não só apoiada, mas defendida publicamente, embora de forma menos enfática. Em seu livro de memórias, o ex-presidente do Brasil Ernesto Geisel afirmava:
“(…) que a tortura em certos casos torna-se necessária, para obter informações. (…) no tempo do governo Juscelino alguns oficiais, (…) foram mandados à Inglaterra para conhecer as técnicas do serviço de informação e contra-informação inglês. Entre o que aprenderam havia vários procedimentos sobre tortura. O inglês, no seu serviço secreto, realiza com discrição. E nosso pessoal, inexperiente e extrovertido, faz abertamente. Não justifico a tortura, mas reconheço que há circunstâncias em que o indivíduo é impelido a praticar a tortura, para obter determinadas confissões e, assim, evitar um mal maior” [8]
Em 1971, foi elaborado pelo Gabinete do Ministro do Exército Brasileiro e pelo seu Centro de Informações (CIEx) um manual sobre como proceder durante os interrogatórios feitos a presos políticos[9]. Alguns trechos desse documento oficial apontavam que:
“(…) O fator que decide o resultado de um interrogatório é a habilidade com que o interrogador domina o indivíduo, estabelecendo tal advertência para que ele se torne um cooperador submisso (…). Uma agência de contra-informação não é um tribunal da justiça. Ela existe para obter informações sobre as possibilidades, métodos e intenções de grupos hostis ou subversivos, a fim de proteger o Estado contra seus ataques. Disso se conclui que o objetivo de um interrogatório de subversivos não é fornecer dados para a justiça criminal processá-los; seu objetivo real é obter o máximo possível de informações. Para conseguir isso será necessário, freqüentemente, recorrer a métodos de interrogatório que, legalmente, constituem violência. É assaz importante que isto seja bem entendido por todos aqueles que lidam com o problema, para que o interrogador não venha a ser inquietado para observar as regras estritas do Direito (…) .[10]
Para que a engrenagem da tortura funcionasse, e ainda hoje funcione, de forma azeitada e produtiva foram, e ainda, são necessários muitos elos. Muitos profissionais como psicólogos, psiquiatras, médicos legistas, advogados, dentre outros, respaldaram, e ainda hoje continuam respaldando, com seus saberes/práticas os terrorismos de Estado em diferentes países, assessorando/produzindo/fortalecendo ações de exclusão. A história da participação ativa de muitos desses profissionais no Brasil ainda está para ser escrita.
Entretanto, algo deve ser aqui colocado sobre alguns profissionais psi que apoiaram/respaldaram a patologização daqueles que lutavam contra a ditadura militar[11], classificando-os como “carentes”, “desestruturados” e, portanto, doentes – através de uma pesquisa que utilizou uma série de testes psicológicos em presos políticos. Alguns desses profissionais forneceram laudos psiquiátricos a militantes presos, no período de 1964 a 1978, também patologizando-os. Tanto na pesquisa realizada sobre o “perfil psicológico do terrorista brasileiro” como nos laudos fornecidos temos “belíssimos” exemplos de como se rotula, marginaliza e exclui aqueles que resistiam a um regime de força, e a muitos que, ainda hoje, são classificados como “perigosos”.
Absurdamente muitos dos que “acompanhavam” as torturas e as “legalizavam” eram profissionais que deveriam preservar a vida: médicos que colocavam seu respaldo teórico/técnico a serviço do terror e da morte. Com seus laudos confirmavam e tornavam legais as versões oficiais da ditadura: os opositores políticos haviam sido mortos em tiroteio, atropelamento ou por suicídio. As perversas mentiras assumiam muitas formas: encobriam e/ou negavam as torturas praticadas, produziam outra história, assassinavam pela segunda vez os militantes.
Se o Brasil naquele passado recente exportou o terror e a morte para as demais ditaduras latino-americanas, através de técnicas de tortura, dos torturadores e da figura do desaparecido político, hoje consegue, mesmo que timidamente, mostrar uma outra face. Face que aponta para a justiça, a vida, a luta contra a impunidade.
Desde 1998 o Grupo Tortura Nunca Mais/RJ tem conseguido produzir um pouco de justiça em um país tão necessitado dela. Naquele ano tiveram início julgamentos de médicos envolvidos direta ou indiretamente com tortura a presos políticos durante os anos 60 e 70. Já em 1990, esta entidade, após longas pesquisas, havia solicitado aos Conselhos Regionais de Medicina dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo que investigações fossem realizadas, inicialmente, sobre 110 médicos legistas e três outros médicos acusados de “acompanhar” as torturas a presos políticos, assessorando os torturadores.
Nos dois Conselhos foram abertas sindicâncias que, posteriormente, se tornaram processos ético-profissionais.
O Grupo Tortura Nunca Mais/RJ já havia participado ativamente – através de depoimentos e envio de testemunhas – de dois processos abertos pelo próprio Conselho do Rio de Janeiro contra o candidato a psicanalista Amilcar Lobo e o hoje General de Brigada Ricardo Agnese Fayad. Ambos deram respaldo técnico às torturas contra presos políticos em um dos mais terríveis centros de repressão da época: o DOI-CODI/RJ. Eles que deveriam ser os profissionais da vida, “atendiam” aos militantes presos antes, durante e depois das sessões de tortura. Antes, executando um “trabalho” no sentido de torná-las mais eficazes; durante, testando e medindo a resistência do preso, avaliando até que ponto agüentaria. Depois das torturas, “acompanhando” os farrapos humanos em que o terror convertia as pessoas para que, se necessário, voltassem a ser torturadas. Lobo teve seu registro médico cassado em 1998, e Fayad em 1994 – por ironia, no mesmo ano em que o então Presidente do Brasil Itamar Franco, o alçava à categoria de General de Brigada do Exército brasileiro.
No Rio de Janeiro, já foram julgados e caçados três médicos. Um deles, José Lino Coutinho França Neto, executava também, nos anos 60 e 70, num quartel da Ilha das Flores, o mesmo “trabalho” que Lobo e Fayad.
Em São Paulo, quatro legistas tiveram seus registros médicos cassados e quatro foram considerados culpados sem que se tivesse chegado à cassação.
Esses julgamentos e seus resultados abrem juridicamente, nos Conselhos de Medicina, precedentes até então inéditos. Sabemos que nenhum outro país que passou por recente regime de força conseguiu punir médicos envolvidos com crimes contra a humanidade. O Brasil leva para o mundo um importante exemplo: em alguns casos é possível fazer justiça; é possível se produzir outras histórias. Não a história oficial, sob a ótica dos dominantes, mas outras, sempre esquecidas, sempre negadas.
Esta história vem sendo construída no cotidiano de muitos grupos latino-americanos de direitos humanos que afirmam certas memórias, que conseguem produzir justiça, que lutam pela investigação, apuração e responsabilização de todos os crimes ocorridos em nome da “segurança nacional”.
Por isso mesmo, freqüentemente, muitos de seus militantes têm sofrido ameaças. Sabemos que alguns daqueles que fizeram – e ainda fazem- parte das engrenagens repressivas só conhecem a violência e a intimidação.
Apesar dessas vitórias parciais, de um modo geral, todos aqueles que cometeram crimes naquele período, e ainda hoje, como sequestros, prisões ilegais, torturas, cárcere privado, assassinatos e ocultação de cadáveres não foram responsabilizados, sequer julgados. Ao contrário, continuam sendo premiados e promovidos, exercendo altas funções em diferentes governos municipais, estaduais e mesmo no âmbito federal. O mínimo que se tem conseguido, em alguns momentos, com apoio e pressão das entidades internacionais de direitos humanos, é o afastamento de algumas dessas pessoas, comprometidas com crimes contra a humanidade dos cargos públicos que vêm ocupando. E, quando isto ocorre como, em dezembro de 2000, quando vários altos funcionários ligados ao Ministério da Justiça e à Agência Brasileira de Informações (ABIN) [12]foram afastados, novamente os militantes do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ foram ameaçados.
A anistia que muitos ainda insistem em defender é uma estranha figura jurídica. Levantam uma reciprocidade que, no mínimo, é falaciosa, pois no caso dos opositores políticos, sempre se soube publicamente quais eram os “crimes” a eles imputados; da mesma forma, a grande maioria respondeu a processos na Justiça. No caso dos responsáveis pelos crimes cometidos pelo Estado, nenhum processo na Justiça até hoje foi aberto, sequer tiveram seus nomes trazidos a publico oficialmente. Ao contrário, continuam se escondendo nas sombras, não assumindo publicamente suas perversas ações.
Por entendermos que a tortura é crime imprescritível e inanistiável, e que a Lei da Anistia ocorrida em nosso país (28/08/78) não contemplou, em nenhum de seus artigos, a prática da tortura, não consideramos tais criminosos como tendo sido anistiados.
É preciso lembrar que, naquele passado recente, o opositor político foi seqüestrado, torturado, isolado, assassinado, desaparecido e enterrado como indigente, perpetuando-se assim a tortura sobre seus familiares e amigos. Hoje, as mesmas práticas são aplicadas aos pobres em geral, aos excluídos, aos também chamados “perigosos”, que são aniquilados como simples objetos. O extermínio dos subalternizados tem sido plenamente justificado como uma necessária “limpeza social”, aplaudido pelas elites e por muitos segmentos médios de nossa sociedade. Como no período da ditadura brasileira também hoje, nesses tempos neoliberais, o “inimigo interno” deve ser não somente calado, mas exterminado.
Pensar criticamente o nosso presente e tentar mudá-lo é, portanto, um dos efeitos de se conhecer essa história dos “vencidos”, essa história que ainda hoje nos vem sendo negada. Essa história onde muitos de nós fomos protagonistas e que está marcada a ferro e fogo em nossos corações e em nossas mentes.
Para aqueles que viveram aqueles terríveis anos, para aqueles – como nós –que foram atingidos diretamente pela violência institucionalizada faz parte de um processo de reparação trazer outras histórias daquele período, apontar os crimes então cometidos, seus responsáveis, seus parceiros, assessores e aliados. Enfim, lutar pela responsabilização de todos esses criminosos, articulando tal luta com a violação dos direitos humanos hoje tão naturalizada e banalizada em nosso cotidiano, sem dúvida tem sido, o início de uma reparação. Não só uma forma de resistência, mas fundamentalmente a procura de uma reparação que o Estado brasileiro ainda hoje se nega a admitir.
Entretanto, entendemos que, apesar de termos participado diretamente dessa história recente do Brasil, não é esta marca que nos qualifica a lutar pela responsabilização e a denunciar as torturas que outros ainda hoje continuam sofrendo. Entendemos que esta luta não é somente daqueles que, como nós, por suas utopias foram exterminados e/ou marcados como a peste. Esta é uma luta de todos, de todas as sociedades. Não é uma luta particular ou específica; é uma luta geral, coletiva, por uma nova concepção de mundo e de homem: por uma sociedade sem torturas.
A DENÚNCIA DE TORTURA DA PERSPECTIVA DA PESSOA AFETADA, pelo viés da colaboradora Cecília Ma B. Coimbra*
*Cecília MªB. Coimbra faz parte do Movimento Tortura Nunca Mais.
Pra quem acha legal a “tortura do Leo” personagem da novela das 8. Saiba que na Alemanha de Hitler isso era natural. Nos países com regimes ditatoriais… natural.
Na ditadura Brasileira.. Natural. Caramba o SBT tem uma novela sobre a as torturas . A Globo vem com uma novela dizendo que as torturas são naturais e de direito. Aplausos para o Diretor. Que exemplo moderno!!! Vamos torturar para se vingar… independentemente de saber que estamos certos… Belo exemplo para os pobres adolecentes que precisam de boas informações para criar um bom caráter… Legal… vamos esquecer a Lei criada pela evolução dos homens… Vamos seguir o diretor da novela da Globo… Vingança com torturas…. O condenado pode ser vc amanhã…
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Meus parabéns à Cecília,
pelo texto sobre as torturas por, não apenas ensinar a nós – que não vivemos esse período vergonhoso da história nacional – a importância de lutar pelo fim de práticas tão cruéis e desumanas; como alertar a todos, de que ainda existem Estados cometendo verdadeiros atos de terrorismo, seja oficialmente sob ditaduras – como a representada pelo finado Kadafi – como extraoficialmente nos porões de delegacias brasileiras. Atos de covardia sempre perpetrados contra os mais fracos.
Parabéns também à Viés, que sempre ostenta essa coragem vigorosa para dizer o que muitos preferem calar.
Ótimo texto.
Em conjunção com os fatos exemplificados, vale lembrar a noção de ‘situação limite’ do W. Benjamin, que também influenciou a noção de morte existencial de M. Heidegger.
O único elemento que livra a democracia da ditadura e do fanatismo é a memória/história. Essa sombra do fanatismo deve ser sempre vista como uma tal, isto é, quanto mais visível cotidianamente, mais se pode ver a mediocridade de tais práticas, para assim sempre tornar-se memória compartilhada. Esse ponto vem junto com a necessidade de regulamentação da mídia, penso.