Que tempos são estes em que vivemos? Alguns chamam de era do vazio, ninguém sabe quem é, que bandeira defende; alguns, mais genericamente, chamam de contemporaneidade, só para determinar a posição cronológica do agora. Há ainda a pós-modernidade, isto é, a experiência do pós-modernismo: amada por uns, odiada por tantos outros.
O que é a pós-modernidade? Se houvesse maneira simples de explicá-la, de categorizá-la e reduzi-la a uma instituição, já não seria mais pós-modernidade. É a crítica às ideias modernistas, alimentadas pelo Iluminismo. Na pós-modernidade, a história não é uma linha reta que sai da barbárie e chega à civilização, nem do capitalismo até o comunismo. A ciência não tem as respostas para tudo nem nunca as terá, pois o conhecimento é diluido, multilateral e um tanto quanto pessoal. A pós-modernidade nega as grandes narrativas, mesmo que ela mesma seja dita uma às vezes, e aceita o fato de que as certezas são sempre momentâneas e tudo pode ser revisado; não há passado definido, nem futuro previsível. “Um é muito pouco, dois já é muito”, disse Donna Haraway, professora de História da Consciência na Universidade da Califórnia, nos EUA.
Nem preto nem branco, nem assim nem assado, nem oito nem oitenta. A pós-modernidade se baseia também nas ideias de Jacques Derrida para descontruir os binários. Entre dois antônimos, há uma série de sinônimos que, no fim, mais relacionam os ‘opostos’ do que os separam.
É a famosa era de Aquário então? Todos são um pouco de tudo, sem categorizações extremas, sem apelação? Poderia ser, mas, assim como as ideais pós-modernistas se desenvolveram em crítica às ideais modernistas, baseadas na liberdade de crítica em si, logo a própria pós-modernidade pode ser também criticada. E é isso que podemos perceber pelo antigo ‘Primeiro Mundo’. A Europa Ocidental – hoje mais representada pela União Europeia – os Estados Unidos, o Canadá e a Austrália sempre tiveram os maiores índices nos cálculos que eles mesmos criaram: IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), PIB (Produto Interno Bruto), Gini (coeficiente de igualdade social), mas demonstram ser o epicentro de um novo tsunami conservador.
Os ‘novos conservadores’, como são chamados, ou ainda ‘conservadores progressistas’, agarram-se a ideias pétreas do realismo, do pragmatismo e do positivismo para propor uma ‘nova sociedade’. Querem diminuir o poder e o tamanho do Estado; defendem a união das pessoas por irmandade, o que geralmente significa segregá-las por nacionalidade ou etnia, sendo, assim, uma abertura para xenofobia e discriminação; pregam por um novo levante econômico de seus países e querem a volta dos bons valores à sociedade. Aí nos perguntamos: quem, em sã consciência, defenderia tudo isso dessa forma hoje? Salvo exceções como o cabeça-aberta Jair Bolsonaro e sua patota, que devem sofrer de graves defeitos de juízo, é impensável que, em meio à renovação dos movimentos sociais e à busca por melhores qualidades de vida pelo mundo inteiro – em que a América Latina se destaca, resgaurdadas as críticas puramente ideológicas -, um grupo de pessoas se diria abertamente ‘cristãos, conservadores, neoliberais’. Pois eles ainda existem, mas também aprenderam com a pós-modernindade.
Uma das críticas à pós-modernidade é que tudo foi transformado em “coisa” e, como tal, pode se tornar só mais uma peça nos simulacros do cotidiano, sem que saibamos suas origens e as relações sociais que a originaram, disse Julian Murphet, professor de Literatura na Universidade de Sydney, na Austrália. É o princípio da superficialidade estética, que os ‘novos conservadores’ aprenderam bem a usar em seu favor.
“Veja bem, não é que sejamos conservadores, conservadores, somos da centro-direita, queremos o bem da população em tempos de crise”, pronunciam-se eles quando querem dizer “somos conservadores, sim, queremos mais dinheiro para aqueles que já o têm para salvar nossos bancos da crise em que eles mesmo entraram, pouco nos importamos com os pobres e odiamos quem não é cristão”. São ótimos atores! Se pegarmos um exemplo específico, o Reino Unido, veremos quão ‘progressistas’ esses ‘novos conservadores’ são: as taxas acadêmicas aumentaram, o Serviço Nacional de Saúde (National Health Service) está em crise e os benefícios sociais se veem tombando. Mas David Cameron, atual primeiro-ministro britânico, quer o progresso do Reino Unido: contanto que ele seja à moda do século XIX.
A França está numa cruzada contra os muçulmanos e os ciganos. A Espanha e a Áustria não fizeram outra coisa a não ser acuar na cara da Itália quando esta liberou vistos para refugiados tunisianos. A Suécia se vê numa intifada contra “esse tal de multiculturalismo”. A Suíça quer todos os sangue-ruim fora de seu belo paraíso alpino-fiscal. Dos 27 Estados membros da União Europeia, só um governo se diz abertamente conservador, o do minúsculo ducado de Luxemburgo, espremido entre a França, a Bélgica e a Alemanha. Um governo se diz comunista: o do Chipre. Entre os outros, 18 são de centro-direita, ou melhor, ‘novos conservadores’.
No outro lado do Oceano, nos Estados Unidos, vimos a criação do Tea Party, movimento ultra-conservador cujo símbolo é a equilibradíssima ex-governadora do estado do Alaska Sarah Palin, a mesma que criou um sítio na internet em que os inimigos do movimento eram marcados com alvos de tiro – mais ou menos na mesma época em que um maníaco cometeu um atentado à democrata Gabrielle Gifford, que estava na ‘mira’ de Palin. Mas, vindo dos Estados Unidos, isso não é surpresa – notemos que isso não é uma crítica vazia e preconceituosa conta todos os indivíduos estadunidenses, mas à sua história política majoritária. Surpresa mesmo foi ver o Canadá, famoso por ser um dos países mais liberais do mundo, eleger, pela primeira vez na sua história, uma maioria parlamentar conservadora. Das pouco mais de 300 cadeiras, os Conservadores agora têm 166 delas – maioria esmagadora num país que sempre teve maioria liberal.
No fim, o que tudo isso tem a ver com pós-modernidade? Tudo isso é uma consequência. Era do vazio, fim da história, fim do sujeito, era de Aquário. Existem tantas vertentes dentro da pós-modernidade quanto da própria existência humana. Tudo e nada ao mesmo tempo. A crítica constante e, supostamente, construtiva. Só que essa crítica não tem se mostrado tão construtiva assim ao passo que, principalmente, a União Europeia e o Canadá buscam refúgio das tantas incertezas na lã macia dos novos lobos conservadores. Em tempos de ‘in-betweenness’ e de ‘hibridização’, esses países buscam respostas naquilo que pensávamos já ter ultrapassado.
‘PROGREDIR’ AO REGREDIR, pelo viés de Gianlluca Simi
gianllucasimi@revistaovies.com