KENOMA E O TEMPO

Cena do filme Kenoma, de Eliane Caffé

Isso é muito velho e sabido. A vida, essa vida que a gente vive, quase sem exceção, é uma vida muito vulgar, entorpecida em razões. As folhas burras nos ensinaram a repetir mil vezes a frase “faça pela razão e não pelo coração”. Apenas quando chegava o último capítulo da história é que aparecia um tolo arguto para advertir: devias ter seguido o coração e deixar que a razão afundasse em suas presunções.

O pior disso é que nenhum dos dois caminhos existe. Aspirações.  Nem por razão, nem por essência. Ora, coração é um órgão do corpo, não faz escolhas, é órgão ativo controlado e coordenado pelo cérebro. E a razão, o que é, meu cidadão, senão a brutal fórmula de teorizarmos ou completarmos teses fundamentados em suposições? A razão de não colocarmos a mão no fogo é explicada por já termos nos queimado? Nem sempre. Ah, os outros, esses tantos outros, advertiram.  Assim como a escola recomenda para sermos elementos do rebanho e o sistema de vida diz que trabalhar é natural e dignifica. É satisfatório trabalhar. É indispensável. Proferem e agravam o discurso simplista, àquele que transforma em pó milhares de sonhos humanos que são ridicularizados.

Habitamos a situação da culpa e do conselho de escondermos nossos sonhos. Criaram-se tantos nomes e designações puramente palpáveis para que o mundo seja mais simples, e consequentemente a vida também. Deliberaram que, pelo curto tempo que temos (mesmo que a cada ano a longevidade cresça) é mais agradável ouvir de um professor que ele é apenas um professor. Caso nos diga, este mestre, que sendo professor quer mudar o mundo, o efeito da ridicularização entra em pauta. Ora, mudar o mundo. Sê apenas o que és para teu salário e pronto. O resto é sonho. E assim o mundo entrando em decadência. Vivemos ondas de decadência. Cultural, política, social. Todas por nossa própria culpa.

Kenoma, de Elianne Caffé

Van Gogh, o holandês, viveu, pintou o pós-impressionismo, foi acometido de uma doença grave e morreu tendo vendido uma única obra. Após sua morte, Vincent Van Gogh foi respeitado como um dos maiores artistas de todos os tempos. O pintor vivia em um momento em que o relógio tinha horas a mais e as ansiedades violentas sociais que nos destroem atualmente eram, para ele, mais brandas. Havia tempo para pintar. Havia tempo de, com seus olhos de cores deturpadas, avistar as figuras internas e externas que o envolviam.

O tempo que libera a criação, que dá acesso ao pensamento, que permite espaço à vivacidade. Tempo que dá tempo à criatividade. Esse tempo, não de era, mas o contado pelos ponteiros, foi transformado em uma bomba-relógio, em um marcador de castigos, em uma arma tão mortal quanto muitas outras. Temos que produzir, analisar, estudar, tornar científico, repassar aos outros, vender, lucrar, labutar, voltar para casa e repetir tudo no próximo dia. Não podemos deixar a enciclopédia mundial e o mercado cair. Ingerimos cápsulas para retardar a pressa, para assistir sem angústia uma árvore por mais de cinco minutos. Para criar uma máquina nova, uma invenção extraordinária. “Pois então, pra puder ver, algum desgraçado, antes, vai ter que puder inventar, né não? Não podemos. Por trás de nossas ambições quase extinguidas, o mundo cobra presteza, agilidade, superficialidade, egoísmo. Insensatez.

Cartaz do filme Kenoma.

“Sabe porque é que o homem pensa? O homem pensa porque tem mãos. Se você usasse melhor suas mãos saberia que isso é verdade. As mãos quando trabalham bem fazem coisas que desafiam nossas cabeças. Entende? Eu não tenho grande ciência nem estudo, talvez eu tenha melhores mãos”.

Era apenas o tempo que Lineu buscava. O tempo que o liberasse das amarras da vida. O tempo que fosse necessário para que em vida pudesse auxiliar o mundo pelos seus caminhos. Mesmo que essa ajuda estivesse ligada à desconstrução do atraso. Ainda assim, Lineu buscava a fórmula, através de suas mãos, de fazer o mundo crer que era possível inventar. A máquina não seria a mensagem. O tempo procedido é que seria a mais perfeita réplica para aqueles que procuram imediatismo e métodos inequívocos.

Filme: Kenoma Ano: o mesmo de “Central do Brasil” Direção: o mesmo de “Narradores de Javé” Elenco: José Dumont, de “2 filhos de Francisco”; Mariana Lima, de “Olga”, Enrique Diaz, de “Casa de Areia” e Matheus Nachtergaele, do afamado “A festa da menina morta”.

KENOMA E O TEMPO, pelo viés de Bibiano Girard

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