Em 1963 era lançado “O dia de um escrutinador”. Ítalo Calvino (1923-85), autor cubano de nascença, mas italiano por criação, usava de suas experiências como escrutinador em duas eleições na Itália para construir Amerigo Ormea, comunista que passava por uma provação – fiscalizar as eleições em um Sanatório de caridade católica.
A situação na Itália daquela época é ponto importante da história. O período fascista acabara e três forças políticas disputavam o governo: o Partido Democrata-Cristão, o Partido Comunista e o Partido Socialista (os últimos dois tendo uma relação por vezes quase de unidade partidária e outras de cisão). Ítalo Calvino até 1956 era filiado ao Partido Comunista e em 1953 e 1961 fiscalizou as eleições representando o PC.
O local da ação acrescenta conflito à história: um Hospital de doentes e deficientes de todas as patentes mantido pela Igreja Católica. Ora, não haveria situação mais adversa para um escrutinador contrário ao Partido Democrata-Cristão, seja ele do Partido Socialista ou Comunista. Numa situação como essa, a procura pelo horizonte, por um voto comunista ou socialista, é quase em vão.
E o autor descreve todas essas situações, mas, para haver corpo na trama, todo aquele dia – à história não interessa nem o antes nem o depois daquele dia – é inundado por reflexões. Reflexões de Calvino em sua auto-representação Amerigo:
“Na política como em tudo mais na vida, para quem não é desmiolado, contam esses dois princípios: nunca criar demasiadas ilusões e não deixar de acreditar que tudo o que se fizer poderá ser útil.”
Em sua curta extensão (88 páginas) Calvino constrói um dia de um escrutinador e descreve singelamente uma sociedade de fortes apegos e de grandes ideais.
O DIA DE UM ESCRUTINADOR, ÍTALO CALVINO, pelo viés de João Victor Moura
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